Coluna Parabólica, por Rodrigo Mattar: Impressões das 6h de São Paulo

Com o novo paddock de Interlagos, o Brasil tem tudo para voltar ao calendário em 2016. O público provou que pode ser possível o sucesso do Mundial de Endurance por aqui. Mas a organização tem que melhorar. Afinal, em que profissão se trabalha sem receber, por idealismo? Isso não existe. Tudo que envolve a logística das 6h de São Paulo tem que mudar

O último mês do ano chegou e o assunto ainda é o Mundial de Endurance. Vinte e seis dos mais espetaculares carros de corrida – de corrida mesmo – do planeta, entre Protótipos e Grã-Turismos, desfilaram velocidade, barulho e emoção no templo de Interlagos, na prova que encerrou a temporada brilhantemente vencida pela Toyota. Na pista, deu o melhor carro de todo o final de semana: num circuito amplamente favorável às características de seu motor turbo, o Porsche 919 Hybrid de Romain Dumas, Neel Jani e Marc Lieb conquistou uma vitória merecida, mantendo uma tradição: em duas das três edições das 6h de São Paulo, houve um primeiro vencedor: em 2012, foi o Toyota TS030 Hybrid. E dessa vez deu o bólido de Weissach, na cabeça.

Foi uma corrida marcante pelo retorno de Emerson Fittipaldi às pistas e o bicampeão de F1 e das 500 Milhas de Indianápolis garante que não será a última, pois quer dividir um carro com o neto Pietro e com o sobrinho Christian, recém-coroado campeão do Tudor United SportsCar nos EUA. Mas foi também a última vez que vimos Tom Kristensen, o mito de Le Mans e das provas de Endurance, aplaudido de pé – duas vezes – por todos os jornalistas, este aqui que vos escreve, inclusive, na coletiva pós-corrida do último domingo.

Interlagos estava como merecia estar: dia ensolarado, quente, público muito acima de qualquer expectativa – falaram em 55 mil pessoas (duvido) e depois em 47 mil (plausível). As arquibancadas estavam cheias, bem mais do que ano passado e não há nem comparação com 2012, quando o autódromo estava às moscas. Mas não dá para elogiar tudo. Há diversos senões acerca da corrida, mais do que em 2013. E daí a gente entende o porque da preocupação do CEO do WEC, Gérard Neveu, quanto ao evento, em termos de estrutura e promoção. Se as coisas não se resolverem em até dois anos, o Brasil não volta ao calendário do Mundial de Endurance.

Carros se preparam para começar o treino (Foto: Luca Bassani)

Vamos aos fatos: nós, jornalistas, tivemos grande dificuldade para trabalhar. A conexão de internet oferecida na nossa sala de imprensa era instável demais. Às vezes, por mais de meia hora o sinal caía e nada havia a fazer senão esperar. Não obstante, imagens dos treinos livres eram artigo de luxo. Monitores de cronometragem? Nem lembro quando começaram a funcionar. Tivemos que nos virar para saber resultados pelo live timing do site oficial. Afora o tratamento costumeiro dado pela organização: café, água e biscoito (em São Paulo se diz bolacha, paciência). E olhe lá. É muito pouco.

Esses não foram os maiores problemas. Houve outros, bem mais complicados de se resolver e que cabiam ao promotor e organizador do evento, Emerson Fittipaldi, cuja presença na pista é que ajudou a corrida a ter muito público no domingo, justiça seja feita. Mas o espaço de convivência, o chamado Village, pareceu feito “nas coxas” e num local bem menos amplo que o de 2013. Produtos oficiais do evento? Esqueçam. Não havia um. Ano passado, comprei quatro camisetas – duas para mim e duas para meu filho – e bonés. Esse ano, zero. Só levei miniaturas porque havia um espaço para venda. E protótipos, que é bom… menos mal que encontrei o Jaguar XJR-12 de 1991 com que Raul Boesel foi vice-campeão em Le Mans e levei-o pra casa. De resto, absolutamente nada de interessante.

O único ponto a favor foram os Food Trucks, com opções variadas e para todos os gostos. Mas a falta de espaço era o grande problema, ainda mais que no domingo fez calor e os caminhõezinhos estavam espalhados por um espaço exíguo – e o sistema de atendimento funcionava por cartões pré-pagos de recarga. Muita gente não gostou. E com razão.

Também foi motivo de queixa do público o Pit Walk no domingo. Muita desorganização, filas sendo furadas na maior cara de pau, desrespeito comendo de todos os lados. E há pilotos acusados de má-vontade, simplesmente cumprindo uma obrigação ao invés de atender o público com presteza e simpatia. Aliás, nesse quesito, mataram a pau o brasileiro Fernando Rees, da Aston Martin Racing e o australiano Mark Webber, da Porsche. Os dois deram um show de simpatia. Tom Kristensen também – e olha que o dinamarquês conseguiu a façanha de ser mais ofuscado nos bastidores do que a presença do ex-piloto da Red Bull na F1.

Webber, como todo mundo sabe, protagonizou o momento mais preocupante do fim de semana, ao se acidentar na fatídica Curva do Café (a mesma em que se acidentou com um Jaguar Cosworth em 2003) junto ao retardatário Matteo Cressoni. Apesar das imagens não serem conclusivas, testemunhas me asseguraram que o australiano tentou passar o piloto da Ferrari e calculou mal o espaço. No contato, Webber perdeu o controle e bateu. Felizmente a segurança do carro é boa e o piloto saiu inteiro, apesar de uma concussão. E há que se elogiar a ação do Safer Barrier, que evitou não só uma tragédia nessa colisão como também danos muito mais elevados no acidente que tirou o Ligier da classe LMP2 da disputa.

Voltando ao assunto da organização e promoção, Gérard Neveu foi claro e com todas as razões possíveis e imagináveis. Ele não está satisfeito, primeiro com as instalações de Interlagos, que considera “no limite” para um evento em curva tão ascendente quanto o WEC. E depois, foi político o bastante para não pôr Fittipaldi em posição duvidosa como organizador e promotor das 6h de São Paulo. Mas não há mais como tapar os olhos para um fato que tornou-se de conhecimento internacional: Emerson deve a muitos fornecedores e não pagou a vários deles com relação ao evento de 2013. Há quem diga que tem gente que trabalhou em 2012 e continhua sem receber. A revista estadunidense 'Racer' demoliu Emerson como promotor do evento em matéria publicada em seu site. É preciso separar o ídolo do organizador de corrida que pelo visto não cumpriu compromissos e irritou Neveu.

Talvez seja por isso que o dirigente que faz o meio-campo entre o Automóvel Clube do Oeste (ACO) e a FIA tivesse sido visto com alguma frequência na companhia de Carlos Col, ex-presidente da Vicar, que organiza a Stock Car. Col entende do riscado, tem bom trânsito e, justiça seja feita, fez um excelente trabalho à frente de uma das categorias mais importantes do país. Neveu quer que o WEC continue no Brasil e elogiou o envolvimento do público. Mas não pode deixar de ser exigente e nem tapar o sol com a peneira.

Com o novo paddock de Interlagos, o Brasil tem tudo para voltar ao calendário em 2016. O público provou que pode ser possível o sucesso do Mundial de Endurance por aqui. Mas a organização tem que melhorar. Afinal, em que profissão se trabalha sem receber, por idealismo? Isso não existe. Tudo que envolve a logística das 6h de São Paulo tem que mudar. E para melhor. Senão, vamos chupar dedo e ver mais um evento internacional no país ir para o vinagre.

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