Coluna Parabólica, por Rodrigo Mattar: Retornos e despedidas

Além de um desfile de máquinas espetaculares, com a fina flor da tecnologia e eletrônica, a etapa deste domingo do WEC nos dá o prazer de ver de volta o bicampeão mundial de F1 e das 500 Milhas de Indianápolis, Emerson Fittipaldi, e marca o adeus de Tom Kristensen, nove vezes vencedor das 24 Horas de Le Mans

Confesso que estou no lugar em que sempre desejei estar em 2014, na única corrida — Le Mans talvez seja a exceção — que tinha vontade de assistir em todo ano: as 6 Horas de São Paulo, em Interlagos. Além de ser a última etapa do Mundial de Endurance (WEC), torcendo para que também não seja a última no Brasil, que está de fora do calendário do ano que vem por conta das reformas que estão programadas para o paddock do circuito, cujos boxes serão postos abaixo para a construção de novas garagens e de uma área mais ampla de circulação de equipes e jornalistas, é uma corrida especial por muitos motivos.

Primeiro porque hoje, em termos de competição e carros de corrida, o WEC talvez seja hoje a melhor categoria do mundo. Pelo menos cinco marcas tradicionais – Porsche, Audi, Toyota, Aston Martin e Ferrari – estão aqui presentes, afora construtores independentes como Rebellion e Lotus. E o certame, que vai para o quarto ano, cresce a olhos vistos: vem aí a Nissan com um novo protótipo LMP1 e, dos EUA, chegam a Extreme Speed Motorsports e a equipe do galã Patrick Dempsey, em parceria com a alemã Proton Competition. Podem vir mais equipes por aí e eu quero ver como é que o Automóvel Clube do Oeste (ACO) vai equacionar as coisas com relação a Le Mans, em que obrigatoriamente são aceitos 56 carros…

Carros se preparam para começar o treino (Foto: Luca Bassani)

Ainda com relação aos carros, especialmente os protótipos, hoje eles representam o grande laboratório para a indústria automobilística. Os sistemas híbridos, aqui chamados como na F1 de Energy Recovering Systems (ERS) conferem mais potência aos motores movidos a diesel ou combustíveis fósseis e também neste ano são o grande desafio para os times de ponta. Equacionar desempenho e consumo de energia e de combustível é a meta. Até aqui, quem se saiu melhor foi a Toyota, com seu protótipo TS040 Hybrid dotado de um super capacitor que em conjunto com o motor V8 de 530 cavalos faz o carro chegar a impressionantes 1000 HP, lembrando os bons tempos da chamada "Era Turbo" da F1.

A Porsche trouxe em seu retorno aos protótipos inovações mecânicas: um motor turbo 2 litros V4 que atua junto a baterias de lítio, fazendo funcionar dois sistemas independentes, nos eixos dianteiro e traseiro. O 919 Hybrid possui o ERS-H, que aproveita os gases do turbocompressor, convertendo-os em energia térmica e cinética – para fazer funcionar o ERS-K, o volante de inércia. Podemos dizer que é um turboelétrico. E essa tecnologia, por exemplo, a Audi decidiu abandonar, porque nos testes de pré-temporada, os resultados em pistas como Sebring e Austin, em que o e-tron quattro andou, não foram tão satisfatórios quanto nos simuladores.

Aliás, a Audi é a grande perdedora de 2014, por conta da interpretação do regulamento no que diz respeito à categorização dos Megajoules (MJ) que podem ser dispendidos por hora. Os alemães de Ingolstadt contavam com a eficiência e confiabilidade do seu protótipo e também com a melhor autonomia do motor a diesel em relação às rivais com motores a gasolina. Mas ao optarem por competir na classe 2MJ ao invés da 6MJ de Porsche e Toyota, quebraram a cara. Têm o mérito de vencerem de novo na corrida mais importante do calendário, as 24h de Le Mans. Ganharam também em Austin, graças ao toró que caiu durante a disputa. Eles ainda têm o sistema flywheel, que transfere potência também às rodas dianteiras e faz o carro atuar como se tivesse tração total. Mas a vantagem que este carro teve nos dois últimos anos caiu por terra completamente. Se quiser recuperar sua hegemonia, a casa dos quatro anéis terá que trabalhar muito.

Emerson Fittipaldi nos boxes da AF Corse (Foto: Luca Bassani)

E além de um desfile de máquinas espetaculares, com a fina flor da tecnologia e eletrônica, a etapa deste domingo do WEC nos dá o prazer de ver de volta o bicampeão mundial de F1 e das 500 Milhas de Indianápolis, Emerson Fittipaldi. Aos 67 anos, o Rato buscou todas as alternativas possíveis e que estavam ao seu alcance para não fazer feio a bordo da Ferrari F458 LMGTE-AM da equipe italiana AF Corse. Além de realizar um sonho de menino, o ídolo de muitos brasileiros mostrou que não desaprendeu – mesmo sem competir desde 2008.

Uma de suas melhores voltas nos treinos livres de sexta-feira, por exemplo, foi cerca de 2 segundos pior que o piloto mais rápido do carro, o italiano Alessandro Pier Guidi, que — aliás — conhece o carro italiano como ninguém – e a pista também, já que esteve aqui como convidado na prova inaugural da Stock Car.

Ao mesmo tempo que volta o brilho dos olhos do eterno bicampeão das pistas, uma estrela entra para a história nesse domingo. Teremos o privilégio de assistir à última corrida da vida do dinamarquês Tom Kristensen, considerado por muitos (Nelson Piquet inclusive) o maior piloto que jamais correu num F1.

Aos 47 anos, Tom encerra a bordo do Audi R18 e-tron quattro #1 uma gloriosa carreira que lhe conferiu o recorde absoluto de nove vitórias nas 24h de Le Mans, outras tantas nas 12h de Sebring, a conquista do título do WEC em 2013 em parceria com Loïc Duval e Allan McNish. Sem contar a bem sucedida participação na F3, no automobilismo japonês, no BTCC e no DTM. Não é qualquer um que anda bem em todos estes carros e conquista títulos, afora o respeito de seus colegas e do público. Tom Kristensen já pode ser alçado à condição de mito das pistas e é esse mito que vamos aplaudir e pagar tributo em Interlagos neste domingo.

Aliás, dois mitos: Tom e Emerson. Histórias de retornos e despedidas que entram para a memória daqueles que trabalham neste esporte e dos aficionados. Vou poder contar aos meus netos, se os tiver, que vi na mesma pista dois dos maiores pilotos que vi correr na vida.

GRANDE PRÊMIO cobre 'in loco' o Mundial de Endurance em Interlagos com os repórteres Renan do Couto e Gabriel Curty e o blogueiro Rodrigo Mattar. Acompanhe o noticiário aqui.

Chamada Chefão GP Chamada Chefão GP 🏁 O GRANDE PRÊMIO agora está no Comunidades WhatsApp. Clique aqui para participar e receber as notícias do GP direto no seu celular! Acesse as versões em espanhol e português-PT do GRANDE PRÊMIO, além dos parceiros Nosso Palestra e Teleguiado.