Análise: Agonia da Caterham mostra que F1 não tem mais espaço para aventureiros

Gene Haas que se cuide. A F1 não é nada simpática com as equipes pequenas do grid. A Caterham, que começou como uma aventura do magnata malaio Tony Fernandes, está melancolicamente indo para o buraco

Já se foi o tempo em que apaixonados podiam se aventurar no Mundial de F1 e obter relativo sucesso. Hoje, não há mais espaço no Mundial para a ascensão de gente como Frank Williams ou Lord Hesketh. Em parte, por causa dos custos da ordem de nove dígitos de dinheiros europeus que envolvem a participação da categoria. Em parte, porque os todo-poderosos não dão a mínima para eles. Se não dão conta, tem quem dê.

A agonia da Caterham é algo triste de se ver. O time nasceu carismático, em 2010, como Lotus. Rolou inclusive uma engraçadíssima aposta entre seu dono, Tony Fernandes, com Richard Branson, dono da Virgin e concorrente no mundo das companhias aéreas, que terminou com o britânico trabalhando de aeromoça em um voo da Air Asia. Agora, a escuderia se vê à beira da falência com acusações de parte a parte. Enquanto isso, centenas de pessoas temem pelos seus empregos sem saber até quando os salários vão cair na conta.

No mais recente capítulo do imbróglio, os compradores da Caterham — misteriosos investidores árabes e suíços — devolveram o time para Fernandes alegando que o empresário não cumpriu com as obrigações impostas pelo contrato de compra e venda. No Twitter, a resposta foi seca e direta: “Se você compra algo, precisa pagar por isso. Simples assim”.

Parece que vai ficar cada vez mais difícil ver cenas como essa envolvendo gente da F1 (Foto: Getty Images)

O único aventureiro que resta é Vijay Mallya, dono da Force India, equipe que está aí desde 2008 e que apresentou uma boa evolução com o passar dos anos. Entre as histórias da Caterham e da Force India, há uma diferença: Mallya comprou a fábrica que era da Spyker, que era da Midland, que era a Jordan — essa, uma das escuderias mais simpáticas de todos os tempos, pertencente ao não menos simpático Eddie Jordan. Fala-se que Lawrence Stroll, um ricaço do meio da moda, está rondando o paddock interessado em fazer negócios — de olho, como Mallya, em pegar um negócio que já esteja montado.

Mallya, ao assumir um espólio já existente, teve menos preocupações. Fernandes, por outro lado, foi criar uma equipe nova ao se interessar pelo processo seletivo aberto pela FIA em 2009. Estava na mesa a proposta do teto orçamentário, que depois foi abolida, mas o malaio não desistiu e entrou na F1 dizendo sonhar em crescer passo a passo. Estruturou um time, comprou uma fábrica em Leafield, onde a Arrows ficava baseada antigamente, mas não conseguiu resultados. Até que chegou o momento em que resolveu fechar o bolso e ir gastar o dinheiro em outros cantos. Daquele grupo de novatas de 2010, a USF1 nem virou realidade, a HRT foi outra que teve fim entristecedor, e Branson passou seu time para a Marussia na primeira oportunidade.

No fim de semana, Monisha Kaltenborn falou em uma entrevista ao site ‘Crash.net’ que a F1 não pode tratar os times menores com tanto desprezo. Bernie Ecclestone já disse diversas vezes que essas esquadras vêm e vão, e sempre há quem as substitua. Mas não é bem assim. Os tempos mudaram.

Gene Haas, que tem uma operação na Nascar, quer entrar nesse mundo da F1. A ideia era estrear em 2015, mas o plano foi adiado para 2016. Enquanto isso, o empresário tenta viabilizar o orçamento não só para construir carros e colocá-los na pista. É preciso montar uma base na Europa, ampliar a base que tem nos EUA. Resumindo, investir em tudo. Não que Haas seja um aventureiro, pelo contrário. Embora esteja ciente de que o sucesso deve demorar alguns anos para ser atingido, não está entrando na categoria por diversão nem para jogar dinheiro fora. Está fazendo um investimento de risco.

O profissionalismo atingido pelo Mundial nos últimos anos, sem dúvida, é uma virtude que a categoria tem. Dá certa estabilidade, garante um nível de competição elevado. Mas é uma estrutura que pode dificultar a renovação, dada a necessidade de um enorme investimento inicial. Não é que a F1 precisa voltar a como era nos anos 1960 e 1970, um campeonato de garagistas no mais purista dos sentidos — se bem que as histórias daqueles tempos são divertidíssimas. O que é preciso é olhar com mais carinho para essas nanicas. Se a Caterham morrer, sobram dez. Marussia e Sauber têm a corda no pescoço ao ponto de se cogitar introduzir um terceiro carro por equipe para garantir o mínimo de 20 carros nos grids — e não é todo mundo que está muito animado com a ideia.

Não é preciso estabelecer o “comunismo” da NFL, que divide igualmente as verbas de TV entre seus 32 times, mas promover uma divisão mais justa tendo em vista que pode ser melhor para o espetáculo definitivamente deveria entrar na pauta dos dirigentes. Além de “cuidar” de quem está lá, o negócio se tornaria mais interessante para quem vê de fora tanto como telespectador quanto como um potencial patrocinador, parceiro, investidor ou adversário. E pensar que Frank Williams disputava provas de atletismo para pagar as contas de sua escuderia…

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