Análise: Pirelli não é única culpada por falha no pneu de Vettel. Ferrari arriscou

Embora tenha se eximido de culpa sobre os estouros dos pneus traseiros direitos de Nico Rosberg, na sexta-feira, e de Sebastian Vettel, no domingo, a Pirelli voltou ao centro das críticas na F1 e foi fuzilada pela poderosa Ferrari pela perda do pódio do tetracampeão no GP da Bélgica

Fazia tempo que a Pirelli não navegava em mares tão revoltos na F1. Nos primeiros anos que marcaram seu regresso ao grid como fornecedora de pneus, sobretudo em 2011 e 2012, a fábrica italiana foi duramente criticada por entregar compostos que se desgastavam com muita facilidade, mudando drasticamente os rumos das corridas. Mas depois de uma sucessão de estouros no GP da Inglaterra de 2013, a marca conseguiu encontrar um bom equilíbrio entre durabilidade e performance, oferecendo às equipes pneus capazes de proporcionar corridas com uma ou até duas paradas por piloto. Um número maior que esse, em condições normais, tornou-se algo raro.

Até que veio o fim de semana do GP da Bélgica para acender o sinal de alerta na Pirelli. Na tarde de sexta-feira, Nico Rosberg liderava o segundo treino livre e vinha a caminho de completar um stint testando seu Mercedes W06 em ritmo de corrida no fim da sessão quando, ao passar pelo rapidíssimo trecho da curva Blanchimont, o pneu macio traseiro direito simplesmente explodiu, colocando o piloto alemão em risco. Por muita, mas muita sorte, Nico conseguiu controlar bem seu carro e, após forte frenagem, evitou uma grave batida.

Pneu traseiro direito de Rosberg estourou na aproximação da Blanchimont no TL2 (Foto: Reprodução/TV)

Por um momento, o estouro no pneu de Rosberg lembrou o ocorrido com outro alemão: Ralf Schumacher enfrentou problema semelhante durante os treinos para o GP dos Estados Unidos de 2005, quando, após seu pneu Michelin estourar enquanto fazia a curva mais veloz do circuito de Indianápolis, com a Toyota, no trecho do oval. Mas Ralf não teve nem de longe a mesma sorte de Nico e bateu muito forte no muro do lendário circuito. O ocorrido foi o início de um fim de semana caótico para a Michelin, culminando com a retirada de todos os carros calçados pelos pneus franceses, gerando assim uma bizarra e inacreditável corrida com apenas seis carros.

Voltando a 2015, Rosberg, depois de uma sexta-feira perfeita, falou, ainda neste dia, que o estouro no pneu acabou abalando sua confiança. Irritado com o problema que colocou sua segurança em risco, Nico reclamou. Mas Paul Hembery, diretor-esportivo da Pirelli, depois de avaliar as causas do estouro no pneu, concluiu que tudo foi gerado por “fontes externas”. E depois, a própria Mercedes, após uma intensa investigação, concluiu que não houve nenhum choque do pneu traseiro direito com a carenagem e nenhum problema na construção do pneu, mas que a explosão foi resultado de detritos na pista.

Assim, a Pirelli fechou a sexta-feira inocentada.

Coincidência ou não, a partir de sábado, Lewis Hamilton reverteu o domínio imposto por Nico na sexta e foi imbatível: liderou o terceiro treino livre, garantiu a pole-position com sobras e venceu o GP da Bélgica com direito a um grande passeio no circuito de Spa-Francorchamps.

Hamilton completou a corrida com uma estratégia vencedora de duas paradas para troca de pneus. Lewis completou o primeiro stint com um novo jogo de compostos macios, trocou para médios novos na volta 13 e, no 30º giro, voltou a equipar seu Mercedes W06 #44 com pneus macios novos. Rosberg adotou tática semelhante, com a diferença que usou os macios usados no primeiro stint da corrida no exigente circuito de Spa-Francorchamps.

Exigente porque o lendário traçado belga é dotado de muitos trechos e curvas de alta, como a Eau Rouge e a Blanchimont, mas também por alguns trechos bem seletivos, como a Les Combes, por exemplo, além de variações de relevo na região da Floresta de Ardennes, sem falar no clima sempre incerto. E conhecendo bem as características do circuito, a Pirelli indicou que a melhor tática seria mesmo a de dois pit-stops. “Nós previmos uma estratégia de duas paradas como potencialmente vencedora”.

Sebastian Vettel arriscou com a Ferrari na estratégia. Quase deu certo (Foto: AP)

Dentre os 16 pilotos que chegaram ao fim da corrida, apenas um não cumpriu com a chamada “estratégia vencedora” da Pirelli em Spa-Francorchamps: Sebastian Vettel. O alemão adotou uma tática ousada para ganhar posições ao longo da corrida. Depois de ter largado em oitavo lugar, o tetracampeão foi escalando o pelotão e aproveitou as paradas de outros pilotos para subir para segundo até fazer sua parada, na volta 14, calçando sua Ferrari com pneus médios novos.

Vettel voltou em sexto lugar, mas, novamente, tirou proveito da segunda janela de pit-stops dos pilotos que vinham à sua frente — Sergio Pérez, Daniel Ricciardo [que abandonou na volta 19] e Romain Grosjean —, subindo para terceiro lugar, atrás apenas de Hamilton e Rosberg. Daí em diante, Seb continuou na pista, com ritmo muito bom em comparação com Romain Grosjean, que tinha com ótimo rendimento, porém vinha calçado com pneus médios novos de maior vida útil depois de ter feito seu segundo pit-stop na volta 21.

Romain Grosjean" target="_blank">Romain Grosjean
Volta 37 – 1min54s779
Volta 38 – 1min55s397
Volta 39 – 1min56s189
Volta 40 – 1min55s915
Volta 41 – 1min56s311

Sebastian Vettel
Volta 37 – 1min55s520
Volta 38 – 1min55s696
Volta 39 – 1min56s407
Volta 40 – 1min55s949
Volta 41 – 1min56s116

Por ver que não havia grande diferença em termos de performance na relação com Grosjean, a Ferrari arriscou tudo pelo pódio em Spa. Os tempos de volta não indicavam um grande nível de desgaste.

Até que veio a volta 42, a penúltima da corrida e a 28ª de vida útil do jogo de pneus médios de Vettel. O traseiro direito, 200 metros depois de cruzar a Eau Rouge, não aguentou e explodiu, encerrando as chances de pódio de Seb na corrida 900 da história da Ferrari. A Lotus fez a festa com um terceiro lugar surpreendente de Grosjean, o que foi um alento em meio a uma gravíssima crise financeira vivida pelo time de Enstone. Mas pelos lados dos boxes da equipe italiana, sobraram impropérios.

Em 2014, a Pirelli adotou a mesma combinação de pneus para o fim de semana em Spa-Francorchamps. Assim como neste ano, a prova do ano passado aconteceu com pista seca. E da mesma forma, a maioria dos pilotos largou com pneus macios e cumpriu duas paradas, embora houvesse algumas exceções: Nico Rosberg, Felipe Massa e Adrian Sutil optaram por três paradas. Quem também escolheu fazer três pit-stops foi Vettel.

Maurizio Arrivabene soltou os cachorros pra cima da Pirelli. Mas a Ferrari assumiu riscos. E perdeu (Foto: AP)

Mas nenhum arriscou fazer uma parada. O máximo de voltas que um piloto completou com os médios no GP da Bélgica de 2014 foi Kimi Räikkönen, com 23. Portanto, até mesmo a Ferrari tinha conhecimento do nível de desgaste que tais compostos poderiam alcançar com uma quilometragem mais alta.

No último domingo, a escuderia italiana foi para o tudo ou nada e arriscou. Por muito, mas por muito pouco, a estratégia não deu certo. Vettel relacionou o problema no seu pneu com o ocorrido com Rosberg e cobrou explicações: “A previsão da Pirelli era que os pneus durariam 40 voltas e nós os usamos por cerca de 30. Coisas assim não podem acontecer. Nós temos desesperadamente que aprender algo em cima disso, do contrário alguém vai bater no muro e todo mundo vai reclamar que deveríamos ter feito algo", esbravejou.

Sobre o tempo de vida útil do pneu médio, Hembery relativizou: “A vida útil foi indicada em torno de 40 voltas, mas é uma indicação, de modo que as condições da corrida podem mudar, e alguns fatores envolvendo a corrida não compreendem um conjunto preciso de dados”, explicou o diretor da Pirelli.

De fato, os últimos tempos de volta feitos por Sebastian antes da explosão do seu pneu indicavam que não havia um enorme desgaste. Em casos como este, a performance costuma cair de forma vertiginosa, o que definitivamente não aconteceu. Assim, tudo indicava que Vettel poderia ir em frente com a ousada estratégia e conseguir o pódio. Faltou pouco. E a julgar pelo que aconteceu com Rosberg na sexta-feira, os indícios apontam para que a falha no pneu traseiro direito de Vettel tenha estourado pela mesma razão: detritos na pista.

Outro motivo que aponta para tal resposta é o fato de que a Pirelli empreendeu uma investigação completa nos pneus entregues às equipes para saber se outros times enfrentaram algo parecido. E descobriu pelo menos outros dois pneus com cortes, que não se transformaram em mais problemas por sorte. O fato, uma vez mais, aponta para os detritos na pista. Uma explicação que parece um tanto simplória, porém aparece como a mais plausível pela forma como tudo ocorreu.

Vettel se defendeu, garantiu que não ultrapassou os limites da pista e, portanto, não passou por cima dos tais detritos. “Toda vez é a mesma coisa: ‘ah, foi um corte, um detrito, deve ter algo com a carenagem, o piloto saiu da pista…’ Se Nico disse que não saiu da pista, então ele não saiu. Por que ele mentiria para a gente? O mesmo aconteceu comigo: eu não saí da pista, e do nada o pneu explodiu. Se tivesse acontecido antes, eu estaria fodido”, bradou, vestindo a camisa de Maranello ao defender com unhas e dentes a estratégia adotada.

Batalha com a Ferrari vem no pior momento

A decisão de Bernie Ecclestone sobre a nova fornecedora de pneus para a F1 no triênio 2017 a 2019 será tomada nos próximos meses. Será uma época muito importante para o esporte, ainda mais devido à adoção de um novo regulamento técnico que compreende carros mais rápidos e de desenho mais agressivo. Os pneus vão contar muito nesse desempenho: os traseiros, particularmente, serão mais largos, até para oferecer uma maior estabilidade e velocidade.

A Pirelli briga com a Michelin pela primazia de entregar seus compostos à F1. A fábrica de Milão conta com o respaldo de gente importante, como o próprio ‘supremo’ Ecclestone, que elogiou o trabalho realizado pela marca. Recentemente, Christian Horner, comandante da Red Bull, também rendeu comentários positivos pela forma como a Pirelli vem conduzindo sua participação na F1.

Fim de semana em Spa colocou a Pirelli na berlinda. Mas trabalho de Hembery tem respaldo de Bernie Ecclestone (Foto: Getty Images)

Mas o desentendimento com a Ferrari, cuja história se confunde com a da própria F1 e, além disso, tem uma grande força política nos bastidores, pode ser prejudicial para a Pirelli, ainda mais em momentos de definição.

Pirelli e Michelin têm abordagens diferentes sobre os pneus: a marca francesa defende compostos mais duráveis e com tamanho de 18 polegadas, o que já vem sendo usado pela F-E, por exemplo. A Michelin entende que os pneus devem fornecer níveis de desempenho e aderência estáveis.

“Não é normal que, depois de algumas voltas, um piloto diga: ‘Preciso maneirar, do contrário os pneus não vão durar’. Isso não deveria acontecer. Os pilotos da F1 atual não podem mostrar seu talento porque os pneus não lhe permitem. Isso acontece quando você está sob regime de fornecedor único e não há motivação alguma para melhorar. Isso é mediocridade, não tecnologia. Se você tiver um regulamento tecnologicamente interessante, ainda que você seja um único fornecedor, então você fica forçado a oferecer um produto do mais alto nível”, disse Pascal Couasnon, diretor-esportivo da Michelin, em entrevista concedida à revista italiana ‘Autosprint’.

Trata-se de um discurso mais alinhado com aquilo que a F1 planeja adotar a partir de 2017 em termos de ação, espetáculo e entrega de uma categoria mais agressiva aos seus espectadores.

Por outro lado, Hembery deu a entender que deve manter a mesma filosofia de trabalho, alterando alguma coisa aqui e ali caso seja solicitado. “Em termos dos aspectos técnicos, já dissemos que vamos cumprir com os requisitos exigidos pela F1. Se eles quiserem fazer mudanças nas regras, então vamos empregar nossos máximos esforços para acompanha-los. Vamos seguir as regras e cumprir com as decisões das equipes, do promotor e da FIA”, comentou o engenheiro britânico.

Obviamente, pesa contra a Michelin o desastroso GP dos Estados Unidos de 2005. É uma fornecedora com tradição e bons serviços prestados em outras tantas categorias, como o Mundial de Rali e a própria F-E mais recentemente, tem ideias ‘pra frente’, mas tem essa grande mancha na F1. Já a Pirelli tem a seu favor o trabalho com mais prós do que contras prestado à categoria desde 2011 e o respaldo da maior parte das equipes do grid, embora tenha sido criticada com veemência pela compatriota Ferrari no último fim de semana.

Entre passado e presente, entre arrojo e conservadorismo, caberá apenas a Bernie Ecclestone decidir. Que sua decisão seja para o bem da F1.

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