Coluna Parabólica, por Rodrigo Mattar: A F1 e seus dilemas

Desde 1973, quando 20 carros largaram para a corrida vencida por Emerson Fittipaldi em sua JPS Lotus, não víamos um número tão baixo de competidores quanto os 18 que vimos em Austin, veremos no Brasil e, provavelmente, também em Abu Dhabi. A defecção de Marussia e Caterham ligou o sinal de alerta na FIA

Neste domingo de Grande Prêmio do Brasil, o público presente a Interlagos e os telespectadores estarão assistindo à corrida com o menor quorum por estas bandas numa prova válida pelo Mundial de F1. Desde 1973, quando 20 carros largaram para a corrida vencida por Emerson Fittipaldi em sua JPS Lotus, não víamos um número tão baixo de competidores quanto os 18 que vimos em Austin, veremos no Brasil e, provavelmente, também em Abu Dhabi. A defecção de Marussia e Caterham ligou o sinal de alerta na FIA.

Muito embora a entidade tenha divulgado a pré-lista de inscritos para 2015 com ambas as equipes na relação, sendo que a Marussia foi renomeada como Manor, sabemos que o buraco é muito mais embaixo. As duas escuderias estão sob administração judicial, envoltas em problemas até a raiz dos cabelos e correm o risco de inexistir brevemente, colocando em risco o acordo entre a FIA e Bernie Ecclestone, via CVC. O inglês se compromete com a garantia de ter, sob contrato, um mínimo de 20 carros por temporada. E não só Marussia e Caterham têm dificuldades. A Sauber, outrora atrelada à BMW, hoje precisa se socorrer do expediente de pay drivers para se manter viva. Não à toa, o Banco do Brasil despejou € 18 milhões nos cofres do time helvético para garantir um lugar ao brasileiro Felipe Nasr.

A gente sabe também de que forma essas equipes (Caterham e Marussia, claro) apareceram para competir na F1. Foram "escolhidas" por Max Mosley, num dos últimos e polêmicos atos do controvertido dirigente á frente do comando da entidade máxima do desporto automobilístico. Tendo como candidatas equipes do naipe da Prodrive de David Richards, o que fez Mosley? Num processo mais ou menos semelhante ao que a Simtek, que nunca tinha feito carro algum – exceto o Andrea Moda – ao patamar de equipe de F1, a Manor – que depois virou Virgin, a Campos – que depois tornou-se Hispania e a Lotus – rebatizada Caterham quando surgiu uma "nova" Lotus dos escombros da Renault, todas estas equipes surgiram sem grande respaldo técnico e financeiro, sob a proposta de uma categoria mais competitiva e menos custosa.

Lotus é outra das equipes que vivem dias de drama (Foto: AP)

O tiro saiu pela culatra. Nenhuma destas equipes mostrou sinais de competitividade. A Hispania foi pro vinagre – e nisto incluo a natimorta US F1, também escolhida pelos suspeitíssimos critérios de Mosley, que depois abririam uma chance para a mesma Sauber já citada nesta coluna retornar à categoria. Os custos continuam lá em cima e as oportunidades dos times pequenos mostrarem retorno aos patrocinadores é próxima de zero. A única exceção foi o 9º lugar de Jules Bianchi no GP de Mônaco deste ano, e olhe lá.

Longe vão os tempos em que equipes nanicas eram bem-vindas à F1. Eram esses times que faziam a alegria dos paddocks, com seus carros que poucas vezes eram vistos nos grids, num tempo em que a categoria era mais democrática e, porque não dizer, divertida. Os leitores do blog A Mil Por Hora conheceram alguns destes times na série "Saudosas Pequenas", de ótimas lembranças e boas histórias.
Quem não guarda carinho enorme pela Minardi, por exemplo? Garanto que, se continuasse nas pistas até hoje, o time de Faenza não envergonharia seus torcedores e admiradores. Embora os resultados do time italiano tenham sido um tanto quanto magrinhos, a Minardi era celebrada por sua comida, a melhor do paddock no continente europeu. "Ótima comida, carros de merda", chegou a dizer uma vez o tricampeão mundial de F1 Nelson Piquet.

Cada vez menos a F1 é indicada para "aventureiros". Também pudera: as nuances do regulamento são tantas, os carros cada vez menos atrativos e as corridas cada vez mais artificiais, com asas móveis e quejandos, que a criatividade e a inventividade foram igualmente para o espaço. Vence quem tem mais dinheiro ou, por outra, vence quem consegue interpretar melhor o regulamento vigente e é por isso que a Mercedes-Benz sobra na turma. Sabemos que os alemães não são os que gastam menos: a Ferrari tem um orçamento fabuloso e não venceu nenhuma corrida em 2014. De que adianta tanto dinheiro, então?

Muitos também questionam a entrada de Gene Haas como proprietário de uma equipe de F1, principalmente porque as experiências dos estadunidenses na categoria não foram tão bem-sucedidas assim. Dan Gurney contribuiu com o Eagle-Weslake, até hoje celebrado como um dos mais belos carros de todos os tempos e até venceu corridas. A Penske também, mas Roger carregou consigo o trauma da morte de Mark Donohue em 1975 e a equipe saiu rápido de cena. A Parnelli, idem. E ainda houve outro Haas – o Carl, na malsucedida parceria com a Lola e a companhia de alimentos Beatrice, que tão logo a equipe estreou, rescindiu o contrato de patrocínio. O "novo" Haas tem a vantagem de se autopatrocinar: é dono da Haas Automation, uma empresa que inclusive é parceira da Ferrari, que lhe fornecerá os motores em 2016.

A entrada de Haas e sua trupe pode representar um sopro de novidade que a categoria precisa experimentar. E rápido. Sob pena de perder, não só Marussia e Caterham para já, como também Sauber, Force India e Lotus, que não respiram ares propriamente saudáveis em termos financeiros. Só os times "oficiais" de fábrica e um 'garagista' de prestígio feito Frank Williams, que teve o mérito de reconstruir sua equipe em torno dos ótimos motores Mercedes V6 Turbo, não bastam. A FIA e Bernie Ecclestone têm que olhar com mais carinho para os times médios/menores, pensar em soluções e não em paliativos bestas como a inscrição de um terceiro carro – o que, vamos e venhamos, bota os tais custos lá no alto.

Engraçado que a própria FIA hoje chancela um certame mundial que deve vir com tudo em 2015: o Mundial de Endurance (WEC) tem hoje o mérito de reunir não só times de fábrica, como os de Audi, Toyota, Porsche, Nissan, Ferrari e Aston Martin, mas também construtores independentes e equipes idem. Some-se a isto a questão do regulamento bem mais permissivo no que tange aos motores e aos estudos de aerodinâmica, hoje tão pouco comuns numa F1 de carros feios, de bicos "gonzo" e outras coisas estapafúrdias.
A F1 precisa ter a mesma premissa do WEC e se reinventar, sob pena de num futuro próximo, vivermos de recordações do passado. Para uma categoria que se diz o suprassumo do esporte a motor, a maré não está para peixe. Jean Todt e Bernie Ecclestone têm que buscar alternativas em conjunto para que a situação não piore.

Salvem a F1. Antes que seja tarde demais.

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