Coluna Parabólica, por Rodrigo Mattar: Alea jacta est!

Acho que os dois têm que duelar abertamente pelo título do Mundial de Pilotos, desde que se respeitem. Só que o respeito, depois do imbróglio belga, não existe mais. Ninguém fala em vingança, mas Rosberg pensa intimamente em trucidar Hamilton na reta final do campeonato e chegar ao maior momento de sua carreira. O episódio já trouxe outras consequências

Para entender melhor o que se passa hoje entre Nico Rosberg e Lewis Hamilton, proponho uma volta no tempo. No início da década passada, circa 2000, os dois eram colegas de equipe e kartistas. Defendiam a equipe MBM (corruptela para Mercedes-Benz McLaren), tinham equipamento de ponta e estavam, logicamente, no radar da montadora germânica e no de Ron Dennis, o poderoso dirigente do time britânico. Ambos tinham 15 anos e eram tidos como o futuro do automobilismo mundial.

Nico declinou a chance de se graduar como engenheiro aeronáutico na London Imperial College e partiu para a carreira de piloto de competição, estreando em monopostos um ano depois que o antigo colega de kart. Mas foi mais rápido que Lewis ao chegar aos primeiros sucessos nas provas de fórmula: ganhou logo no primeiro ano a temporada inaugural da GP2 Series. Em contrapartida, Hamilton — já sob a declarada proteção de Ron Dennis e também da Mercedes — vencia o Europeu de F3, para depois, a exemplo de Nico, ganhar a GP2 na primeira tentativa. Estava carimbado o passaporte para a F1, e o resto da história todo mundo sabe.

Àquela altura, Nico já era piloto da Williams e Lewis, aos 22 anos, quase se tornou o mais jovem campeão mundial da história – no que, de fato, se transformaria no ano seguinte. Até aquele ano da graça de 2008, Hamilton era protagonista e Rosberg, coadjuvante. Afinal, a Williams não era mais a potência de outrora. Mas no GP da Austrália que abriu o campeonato de 2009, o alemão chegou ao pódio, e Hamilton estava lá com ele para festejar. Foi uma festa genuína, emocionante, de dois garotos que cresceram juntos e estavam no topo, após anos e anos de luta comum pelos mesmos objetivos: vitórias e títulos.

Enquanto Lewis se tornou um cometa na F1 graças às suas performances ao volante dos carros da McLaren, Rosberg demorou a brilhar. Esse brilho só veio quando trocou a Williams pela Mercedes, que comprara a Brawn GP. E para a marca alemã emplacar na categoria, também demorou um pouco — mas o bastante para Nico mostrar ao heptacampeão Michael Schumacher que a categoria era território de ases tão jovens quanto Schumi o fora em seus primeiros tempos, lá por 1991.

E para suceder Schumacher, veio Hamilton. Parecia que os dois amigos do passado iriam dividir a equipe numa boa. Ano passado, não houve ciumeira: o carro não era dos melhores, mas os dois venceram corridas e Hamilton somou mais pontos que Rosberg. Foi uma temporada de transição, onde o construtor da estrela de três pontas já visava 2014 com a troca do regulamento e um pacote totalmente novo, contemplando o que se chama de “unidades de potência, com turbo, ERS e outros artefatos”. Como purista e saudosista, não curto muito esses baratos, mas enfim… é o que temos pra hoje.

Lewis Hamilton em Spa. Corrida foi desastrosa para suas ambições no campeonato (Foto: Getty Images)

A Mercedes não brincou em serviço. Fez do W05 o melhor conjunto do ano. E com uma dupla de pilotos afiada, relativamente jovem e cheia de vontade de conquistar vitórias e títulos, estava armada a bomba-relógio prestes a detonar. E após cinco corridas — uma delas, por sinal, épica, no Bahrein — em que a tensão podia se sentir no ar — a bomba foi detonada no recente GP da Bélgica.

Intencional ou não, e acredito que não tenha sido uma manobra deliberada — o toque de Rosberg no pneu traseiro esquerdo do carro de Hamilton prejudicou de fato a corrida do rival e companheiro de equipe, fazendo Lewis deixar a disputa. Nico chegou em segundo, foi apupado pela plateia em Spa-Francorchamps e os dois, logo após a corrida, foram chamados para uma reunião em caráter de urgência com os chefões do time, Christian “Toto” Wolff e Niki Lauda. Para pôr mais lenha na fogueira, após essa reunião, Lewis disse que Rosberg lhe batera de propósito e é lógico que o alemão disse o contrário. Ninguém na alta cúpula da equipe confirmou o teor da discussão. Sabe-se que Wolff e Lauda não gostaram do que aconteceu — e com toda razão. Só acredito que tudo isso poderia ser evitado se tanto um quanto o outro tivessem voz ativa de comando para ordenar aos seus pilotos que se comportassem melhor na pista. 

Acho que os dois têm que duelar abertamente pelo título do Mundial de Pilotos, desde que se respeitem. Só que o respeito, depois do imbróglio belga, não existe mais. Ninguém fala em vingança, mas Rosberg pensa intimamente em trucidar Hamilton na reta final do campeonato e chegar ao maior momento de sua carreira. O episódio já trouxe outras consequências: a discussão da renovação de contrato de Lewis com a Mercedes está em segundo plano diante da batalha pelo título. E aí entra uma terceira personagem, rindo descaradamente de todo mundo e que pode ser o coringa para atrapalhar o baralho todo: o australiano Daniel Ricciardo, único neste ano a quebrar a sequência avassaladora de vitórias dos carros prateados e que venceu três vezes. Será que vai dar zebra?

Mal comparando, a história de Hamilton versus Rosberg é a repetição de um filme que já se viu em proporções iguais ou um pouco semelhantes em algumas equipes e campeonatos. Senão vejamos: em 1974, a Ferrari tinha a melhor máquina (a 312 B3) e talvez o melhor piloto da época, o austríaco Niki Lauda. Mas enquanto enfrentava uma absurda falta de confiabilidade no seu equipamento, o ítalo-suíço Clay Regazzoni emergiu com força e chegou à última prova com chances de ser campeão. Tanto Lauda quanto Rega sucumbiram à inteligência e ao trabalho do brasileiro Emerson Fittipaldi, que estreava na McLaren.

Rosberg sabe que essa pode ser a grande chance da sua vida (Foto: Beto Issa)

A Williams também foi useira e vezeira em perder títulos por guerrinhas internas de seus pilotos, muito embora a gente saiba que Frank Williams sempre visou mais os títulos de construtores. E, cá entre nós, isso não interessa aos fãs de automobilismo. O que todos querem é ver seu piloto favorito campeão. Em 1981, uma celeuma entre Alan Jones e Carlos Reutemann favoreceu Nelson Piquet, que não tinha o melhor carro com a Brabham e derrotou o argentino por um ponto apenas. Cinco anos mais tarde, o mesmo Piquet, já na Williams, foi protagonista de uma das derrotas mais doídas da história, quando ele e Nigel Mansell viram Alain Prost, em quem poucos apostavam, ser campeão novamente. 

Para evitar que a história se repetisse no ano seguinte, Piquet declarou abertamente que a equipe estava rachada em “Williams I” e “Williams II”. Passou a trabalhar sozinho com seu engenheiro Frank Dernie e, mesmo após tudo o que lhe aconteceu num acidente nos treinos do GP de San Marino de 1987, ainda foi tricampeão mundial. Não à toa, num raro acesso de falta de modéstia, dedicou o título daquele ano a si próprio.

A McLaren também entrou para a história duas vezes como a Williams. Ao montar a equipe dos sonhos com Alain Prost e Ayrton Senna, talvez Ron Dennis não pudesse prever (ou previu?) o que estaria por vir. O primeiro ano foi de sorrisos, harmonia, domínio avassalador, 15 vitórias e título de Senna. Já o segundo… é aquilo que muita gente conhece: caras amarradas, tensão, política, guerrinha de bastidores, jogo sujo e título de Prost. Níveis de animosidade como jamais havíamos visto na F1.

E veio 2007, muito tempo depois, quando Ron Dennis trouxe o emergente estreante Lewis Hamilton para se juntar ao então bicampeão Fernando Alonso. Era de novo uma equipe dos sonhos e o pesadelo de 1989 repetiu-se em cores vivas. Daquela vez, o estreante pôs as manguinhas de fora e Alonso, também conhecido pelos joguinhos de bastidores, fez das suas: chantageou Ron por ocasião do rumoroso escândalo de espionagem entre Ferrari e McLaren, que quase culminou na expulsão da equipe. O clima belicoso refletiu-se no desempenho nas pistas. Alonso e Hamilton entregaram o ouro e Kimi Räikkönen, emulando o Prost de 1986, foi campeão – e ninguém imaginava que isso pudesse acontecer.

Lauda, que trabalhou em duas dessas equipes como piloto — e também foi dirigente na Ferrari, sabe que um episódio semelhante não pode se repetir nas hostes germânicas. A Mercedes-Benz caminha a passos largos para fazer o campeão de 2014, mas tem que policiar o comportamento de Hamilton e Rosberg. Lewis às vezes se comporta como um menino mimado e talvez o britânico esteja surpreso com este Nico que, se não tem a personalidade fortíssima do pai, o sueco naturalizado finlandês Keke Rosberg (campeão mundial de 1982), mostrou-se velocíssimo — talvez em seu melhor ano na F1 — e psicologicamente menos afeito a guerrinhas de bastidores.

A categoria voltou bem mais animada das férias. Tomara que a batalha entre Nico e Lewis siga em paz. Mas é bom que os dois tomem cuidado. A exemplo do que aconteceu no passado, há um outsider com sorriso escancarado, 500 dentes à mostra, pronto para dar o bote. A sorte está lançada, ou melhor, alea jacta est!

Chamada Chefão GP Chamada Chefão GP 🏁 O GRANDE PRÊMIO agora está no Comunidades WhatsApp. Clique aqui para participar e receber as notícias da Fórmula 1 direto no seu celular!Acesse as versões em espanhol e português-PT do GRANDE PRÊMIO, além dos parceiros Nosso Palestra, Escanteio SP e Teleguiado.