Coluna Parabólica, por Rodrigo Mattar: Crônica do crime contra Jacarepaguá

Como no esporte e na vida não existe talvez, só resta lamentar. E rogar que alguém, com desprendimento e vontade, resolva ceder um terreno que seja, mesmo no interior do estado, para que seja construída uma pista decente e tenhamos de novo uma pista no Rio de Janeiro. O Rio não pode ficar sem autódromo

Amigos leitores do Grande Prêmio (agora no UOL), esta coluna não é das mais prazerosas de se escrever. No próximo dia 28, terça-feira, atingimos dois anos desde o fim do Autódromo de Jacarepaguá. Uma página negra na história do esporte de oito títulos mundiais de F1, outro no Mundial de Marcas, dois no FIA GT, além de incontáveis vitórias e conquistas em diversas categorias internacionais, ainda mais triste quando se percebe que, ao contrário do Brasil, a Rússia não se incomodou em misturar olimpismo com automobilismo.

Todo mundo viu que o recente GP da Rússia, disputado em Sochi, aconteceu num traçado concebido pelo alemão Hermann Tilke em meio às faustosas instalações dos Jogos Olímpicos de Inverno e, se me recordo bem, Sochi também terá um estádio incluso na programação da Copa do Mundo de Futebol de 2018. A menos de dois anos das Olimpíadas no Rio de Janeiro, é algo que me deixa frustrado e com muito mais raiva de todos aqueles que contribuíram para a derrocada do esporte na outrora Cidade Maravilhosa.

Jacarepaguá foi palco da F1 (Foto: Getty Images)

Posso e devo dar nomes. E começo com o falecido Marcello Alencar. Foi sob sua administração que Jacarepaguá e consequentemente o Rio de Janeiro perdeu a F1. O Brasil ficou sob seríssimo risco de ter sua corrida cancelada. Não fosse o desprendimento da prefeita paulistana Luiza Erundina, que atendeu aos apelos do presidente da CBA na época, Piero Gancia, e teríamos ido para o vinagre.

As instalações do Autódromo de Jacarepaguá nunca foram um primor. As arquibancadas eram herança do carnaval e a estrutura tubular montada na Presidente Vargas, no centro da cidade, foi toda para o circuito de pouco mais de 5 km de extensão. O traçado desenhado por Aryon “Lolo” Cornelsen só recebia elogios dos pilotos. A visibilidade para o público era fantástica e, nas três vezes que vi o GP do Brasil de F1 como “arquibaldo”, poucos detalhes passavam despercebidos.

Nos anos 90, voltei para assistir algumas corridas, e Jacarepaguá estava com as arquibancadas em petição de miséria. Tábuas carcomidas, tubos corroídos pela maresia. Riotur e prefeitura, com o perdão da expressão, cagavam e andavam para o autódromo. Mas aí veio a oportunidade de sediar o GP do Brasil de Motovelocidade após o fracasso do evento em Interlagos. A Vadam, de Peter Vader e Moacir Galo, dobrou a prefeitura então comandada pelo funesto Cesar Maia e o evento se realizou por muito tempo no Rio de Janeiro.

Quem também chegou aqui foi a Indy, com um oval construído no entorno do circuito misto. As corridas aqui eram uma festa. Trabalhei em pelo menos três delas e foi muito prazeroso. Mas aí a fonte começou a secar. A Indy não realizou mais as suas corridas no Rio de Janeiro. E depois foi a vez do GP do Brasil de Motovelocidade dar adeus. Adeus a Juan Pablo Montoya, Valentino Rossi, Hélio Castroneves, Tony Kanaan, Alexandre Barros, Gil de Ferran, Cristiano da Matta e outras feras…

Estranho, o tal de Cesar Maia. Quando convinha, despejou uma torrente de grana para reformar Jacarepaguá, que ganhou arquibancadas concretadas e melhorou visivelmente em instalações para o público. Mas depois o alcaide trocou de mal com todo mundo, especialmente quando voltou ao cargo, derrotando o antigo aliado e depois desafeto Luiz Paulo Conde, que abrira concorrência para a exploração do espaço do autódromo – ganha por um grupo capitaneado por Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Paulo Judice. Por motivos que nunca ficaram claros, essa parceria também foi desfeita e o futuro do autódromo ficou em sério risco.

A pista, para quem não a conheceu, ficava perto de uma lagoa e no entorno dela, começaram a surgir dezenas de condomínios residenciais. O olho cresceu, e Cesar Maia, mui espertamente – como convém aos políticos de sua laia – mudou o zoneamento do IPTU, o imposto predial, da região. Mudou de Camorim para a Barra da Tijuca. E aí quem cresceu o olho foi outro vilão da história, o sr. Carlos Arthur Nuzman.

Antigo presidente da CBV, a Confederação Brasileira de Vôlei e desde não sei quando presidente do COB, o Comitê Olímpico Brasileiro, o dirigente nunca escondeu o sonho de ter uma Olimpíada disputada no Rio de Janeiro. Não foram poucas as vezes em que o plano fracassou. Quando eu era estagiário do JB, havia o sonho da Rio-2004. Esse sonho foi pro vinagre. Também lançou-se uma candidatura da capital Brasília, para os jogos de 2000. Nada feito. E aí o sr. Nuzman teve a ideia de fazer os Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro.

A partir do momento em que a candidatura foi aprovada e começaram os rumores sobre o uso do terreno do Autódromo de Jacarepaguá para atender às necessidades do olimpismo, entrou em cena a CBA, através do seu então presidente Paulo Enéas Scaglione, que com uma dezena de liminares e petições, adiou o quanto pôde o fim definitivo do circuito. Também havia outro candidato a vilão, o mesmo Peter Vader da Vadam, que com um consórcio chamado Rio Sports Plaza, prometia manter viva a pista, mesmo com os aparelhos esportivos para o Pan. Mas Vader foi riscado do mapa.

O que todos sabemos é que foram erguidos um velódromo – que foi caríssimo e acabou extinto – uma arena multiuso, até hoje pouquíssimo usada e um parque aquático que hoje mal atende às especificações da Fina, a Federação Internacional de Natação. O setor norte de Jacarepaguá deixou de ser utilizado e a pista, cortada em quase 2 km de seu traçado original, perdeu todo o seu desafio e beleza. Colocar os eventos nacionais na pista carioca tornou-se um tormento para promotores como Carlos Col, então à frente da Vicar, porque a prefeitura do Rio nada destinava para a manutenção da praça desportiva.

Tamanho descalabro, tamanho descompromisso com a história nunca mereceu dos maiores interessados na existência da pista, o devido respeito e reconhecimento. Os pilotos brasileiros, com raríssimas exceções, se omitiram e se calaram. A própria grande mídia também não moveu uma palha para lutar pela sobrevivência de Jacarepaguá e tudo piorou quando o Rio foi aprovado definitivamente como a sede das Olimpíadas de 2016, no dia 2 de outubro de 2009.

Ficou no ar um sentimento de perda, pelo menos para mim, porque toda a luta de quem dependia do Autódromo de Jacarepaguá para sobreviver foi em vão. Sob o pretexto do olimpismo, os governantes esconderam durante anos a real intenção de fazer do terreno do circuito carioca um palco perfeito para a especulação imobiliária. De onde vocês acham, por exemplo, que vêm as maiores doações para as campanhas de políticos feito o sr. Eduardo Paes, prefeito de dois mandatos no Rio de Janeiro, que sempre tratou a questão do automobilismo com desdém, mandando uns “brincar de autorama” e proferindo barbaridades, factoides bem ao estilo do mestre Cesar Maia, dizendo que “o Rio terá um novo autódromo para tirar a F1 de São Paulo”.

Conversa fiada! Foi empurrado goela abaixo o papo de uma pista em Deodoro e sabemos que essa história jamais será concretizada. Inclusive, o tal terreno cedido para o empreendimento é um campo minado do exército. E para começar obras de tamanha monta, seria preciso desarmar todas as bombas lá enterradas. Imaginem um trator revirando terra e voando pelos ares durante a escavação? Uma vergonha.

Para terminar, não posso deixar de citar o inepto presidente da CBA que sucedeu Scaglione no comando da entidade. Cleyton Pinteiro, que diante de vários jornalistas prometeu “acorrentar-se” no portão de entrada do Autódromo de Jacarepaguá, foi conivente com tudo o que foi feito nos últimos anos de vida do circuito carioca, inclusive autorizando a realização de provas da Stock Car e do Brasileiro de Marcas quando as arquibancadas começaram a ser desmontadas e o entulho já tomava conta do interior do terreno.

Autódromo já não existe mais(Foto: Bruno Terena/ Vicar)

Também me entristece ver que, dentro do métier em que trabalho, diversos colegas se omitiram. Inclusive, chegou a ser irônico que o pai de dois filhos hoje pilotos profissionais naquela que dizem ser a principal categoria do automobilismo brasileiro, só se manifestasse sobre o “crime” (palavras do próprio) feito com Jacarepaguá, depois da casa arrombada. Ora, assim, até eu.

Diante dos fatos expostos, de tanta podridão, já nem me animo mais diante da possibilidade do município do Rio de Janeiro receber de novo um autódromo para que o estado possa a figurar novamente no calendário esportivo. Chega uma hora que a gente cansa de dar porrada sozinho, de apontar culpados e cobrar atitudes.

Pobres dos que pensam que automobilismo é esporte de elite. Se o fosse, não haveria preparadores e mecânicos, dependentes da existência da modalidade, até hoje sem trabalho ou então obrigados a prestar serviços em praças que têm pistas, como São Paulo e Curitiba, por exemplo. Se Jacarepaguá tivesse sobrevivido, talvez o GP do Brasil de Motovelocidade voltasse para o Rio de Janeiro. Talvez o WTCC não tivesse saído do país e até as 6 Horas do Mundial de Endurance pudessem ser realizadas em revezamento entre Rio e São Paulo.

Como no esporte e na vida não existe talvez, só resta lamentar. E rogar que alguém, com desprendimento e vontade, resolva ceder um terreno que seja, mesmo no interior do estado, para que seja construída uma pista decente e tenhamos de novo uma pista no Rio de Janeiro.

O Rio não pode ficar sem autódromo.

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