Coluna Parabólica, por Rodrigo Mattar: Lembranças de um “foca”

Piquet é o Romário das pistas. Não tem papas na língua e diz o que pensa, doa a quem doer. Por isso algumas pessoas, em contrapartida, o detestam. Mas vou ser franco: prefiro alguém sincero e autêntico, diria que humano, a esportistas pré-fabricados, cheios de respostas politicamente corretas e inócuas

O ano era 1996. Naquela época, eu entrei no Jornal do Brasil, ainda um órgão de imprensa respeitado, com sua sede na Av. Brasil, nº 500 — hoje um hospital de traumatologia e ortopedia — e fui, por alguns meses, estagiário na editoria de Esportes. Trabalhei com muita gente boa, feito Roberto Falcão, Vicente Dattoli, André Balocco, Carlos Silva, Maurício Fonseca, com o saudoso Vicente Senna e, por outro lado, com outras pessoas que não valem a pena ser citadas.

Ganhava uma ajuda de custo de uns R$ 240, dinheiro que me ajudou a comprar o primeiro videocassete, luxo que não havia na minha casa, ainda que em seis prestações. Ninguém achava ruim — eu, pelo contrário, adorava estar ali e raros eram os dias em que não havia nada a fazer. Só aos sábados, eventualmente, tinha direito a folgas. Sexta-feira era dia do famoso “pescoção” e, domingo, dia quente do Esporte, ninguém podia faltar.

Num belo dia, há 18 anos, chegou à nossa redação um release da InPress Porter Novelli, então comandada pelo jornalista Ivandel Godinho, que tempos depois seria sequestrado e brutalmente assassinado. O material em questão convidava a imprensa para uma coletiva no Hotel Méridien do Rio de Janeiro, ali na esquina de Av. Atlântica com Princesa Isabel. E o Falcão, chefe de reportagem, escalou o então estagiário para trazer detalhes da referida coletiva.

Quem estaria no salão do Méridien respondendo às perguntas da imprensa seria ninguém menos que o tricampeão mundial de F1 Nelson Piquet, ídolo deste colunista desde os tempos da primeira temporada que acompanhei com grande interesse em 1980, um ano antes do primeiro título mundial do piloto. Piquet era a antítese de Ayrton Senna, com sua argúcia tática, muita malandragem, uma capacidade incrível de acertar carros e, ao contrário do outro ídolo brasileiro, era avesso a badalações, puxa sacos e detestava a imprensa, a quem acusava de fazer perguntas idiotas. 

A coletiva serviria para a apresentação de um evento chamado Hollywood Granturismo, com duas provas em Brasília e Curitiba, englobando os carros usados no certame chamado BPR Global GT Endurance Series. BPR era uma sigla formada pelos últimos nomes dos promotores da categoria, Jürgen Barth, Patrick Peter e Stéphane Ratel. Carros como o McLaren F1 GTR, com motor BMW, seriam algumas das grandes atrações do Hollywood Granturismo, ao lado da Ferrari F40, do Porsche 993 GT2, do Dodge Viper e do Corvette Callaway.

Cheguei ao Méridien e me deparei com um detalhe curioso: a coletiva seria num salão-auditório nos últimos andares e ao pegar o elevador, notei que o prédio não tinha o 13º andar. Superstição das brabas. Achei muita graça daquilo e me dirigi ao local da entrevista do tricampeão.

Na época, quem trabalhava na InPress com o Ivandel Godinho era o velho amigo Alexandre “Kaká” Kacelnik, hoje assessor na Stock Car. Dezoito anos depois dessa coletiva, poucos dias depois do meu aniversário, ele mandou mensagem inbox no Facebook dizendo o seguinte: “Você sabe que eu sempre torci por você, desde que apareceu como estagiário do JB na coletiva do Nelson no Méridien”.

Para mim, foi uma grata surpresa o Kaká se lembrar disso, tanto tempo depois. Até porque, como faz quase 20 anos, não tenho mais a caderneta em que anotei as respostas do tricampeão e nem a camiseta que ganhei quando cheguei à coletiva. Mas me recordo que participei ativamente, fazendo perguntas. E nenhuma delas recebeu uma resposta atravessada do Nelsão. Vendo o trato dele com alguns jornalistas brasileiros ao longo dos anos, já sabia como lidar com a fera. E acho que me saí bem.

Nelson Piquet completou 62 anos neste domingo (Foto: Mastermídia)

Em dado momento, o Kaká contou que o Nelson se virou para ele e indagou quem era o garoto que fazia (palavras dele) ‘boas perguntas’ sobre automobilismo. O tricampeão estava de saco cheio de responder perguntas genéricas que normalmente rolam em coletivas e gostou de ouvir um especialista, então desconhecido, que fugia do padrão medíocre na época. Lembro que quem também estava lá no evento era o velho amigo do Nelsão, Carlos Cintra Mauro, o querido “Lua”. Depois que a coletiva terminou, rolou um bate-papo mais descontraído e eu, cara-de-pau, continuei enchendo o Nelson e o Lua de perguntas. Satisfeito, peguei o caminho de volta para a redação e escrevi minha materinha.

Para nenhuma surpresa, o estagiário aqui não foi para nenhuma das corridas do Hollywood Granturismo, ambas vencidas por Nelson Piquet e pelo parceiro Johnny Cecotto, uma vez que as provas tinham duração de duas horas e havia pit stop obrigatório com troca de pilotos. Sobre o evento, soube através do Kaká que o Nelson não perdeu a velha vocação para a falta de paciência com perguntas que não gostava, dando uma patada daquelas no colega Fernando Duarte, a quem conhecia dos tempos de ECO-UFRJ e trabalhava n’O Globo na ocasião.

Bastou o Fernando perguntar se o tricampeão não tinha medo de que Nelsinho (então começando no kart) se machucasse no automobilismo como ele em Indianápolis que a resposta veio na lata: “Já está escolhida a pergunta mais idiota do dia. Alguém tem mais alguma?”

Esse é o Nelson Piquet.

Para quem não o conhece, ele pode até deixar a impressão de que é ranzinza, mal-educado, grosseiro e até chato. Ano passado, porém, tive a oportunidade de acompanhar o Rali Mil Milhas Históricas e o tricampeão estava participando, fazendo “turismo”, com um séquito de amigos, todos em carros da coleção dele. O grupo era o que mais se divertia nos hotéis pelos quais a comitiva do Rali passou no Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, dando risada e contando histórias engraçadas até altas horas da noite. 

Eu podia muito bem ter interrompido o momento de descontração do Nelson para confessar a minha profunda admiração por ele como piloto e tricampeão do mundo. Confesso que preferi respeitar sua privacidade e optei por não falar nada. 

Mas hoje, contando tudo que vivenciei há 18 anos, na primeira vez que estive perto do meu ídolo de infância, aproveito para deixar os parabéns ao Nelson Piquet por mais um aniversário. Sei que ele não se importa com esse tipo de manifestação, mas é bem possível que ele saiba que existe uma quantidade grande de fãs que o admiram, até hoje.

Piquet é o Romário das pistas. Não tem papas na língua e diz o que pensa, doa a quem doer. Por isso algumas pessoas, em contrapartida, o detestam. Mas vou ser franco: prefiro alguém sincero e autêntico, diria que humano, a esportistas pré-fabricados, cheios de respostas politicamente corretas e inócuas.

Chamada Chefão GP Chamada Chefão GP 🏁 O GRANDE PRÊMIO agora está no Comunidades WhatsApp. Clique aqui para participar e receber as notícias da Fórmula 1 direto no seu celular! Acesse as versões em espanhol e português-PT do GRANDE PRÊMIO, além dos parceiros Nosso Palestra e Teleguiado.