Coluna Parabólica, por Rodrigo Mattar: Só não vê a vida fora da F1 quem não quer

A F1 não tem, para mim, o mesmo glamour de outros tempos, por uma série de fatores. Mas o automobilismo não se restringe a ela: há inúmeras outras categorias ao redor do mundo nas quais é possível se construir uma carreira de respeito, e vários brasileiros tem se dado bem por estes caminhos

Neste domingo (16), começou mais uma temporada da F1. A velha rotina de acordar cedo para assistir às corridas em horário europeu ou de madrugar com muito café, energético, petiscos ou qualquer coisa que o valha, está de volta. Ainda é bacana acompanhar a principal categoria do automobilismo mundial. Mas admito que, hoje em dia, não me sinto mais tão seduzido quanto noutros anos.

Alguns fatos contribuem para esse desencanto e o principal deles é a ausência, para a maioria dos brasileiros, de um nome que nos represente com a mesma força e respeito que tínhamos quando Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna marcaram a história do esporte com suas vitórias e títulos. É mais um ano no qual Felipe Massa terá sobre seus ombros um peso enorme que carrega sozinho desde a aposentadoria de Rubens Barrichello. A renovação inexistente da safra de pilotos tupiniquins preocupa. Mas não somos os únicos. Os argentinos não têm ninguém de renome na F1 desde Carlos Reutemann e nisso lá se vão mais de três décadas. Em contrapartida, o automobilismo de consumo interno dos nossos vizinhos é mais forte que o nosso.

Some-se a isso a situação econômica que faz com que os times médios e/ou pequenos se preocupem mais com o vil metal do que com o talento e esse mal tem contagiado não só a F1 como também as categorias de acesso, de custos cada vez mais altos. Também o reduzido número de assentos nos dias atuais não facilita a vida de ninguém e o jeito é procurar ser feliz noutros caminhos. E nisso, alguns pilotos brasileiros se deram muito bem.

O principal exemplo é o de Lucas Di Grassi. Com as portas fechadas após um primeiro ano de poucos resultados na Virgin (hoje Marussia), na qual pouco pode mostrar por absoluta falta de equipamento competitivo, agarrou as chances que lhe sorriram. Convenceu em sua primeira aparição como piloto da Audi no WEC, o Mundial de Endurance. Foi 2º colocado em Sebring, terceiro em Spa e em Le Mans, com o galardão de melhor estreante da prova. Não é pouco. E por isso, acabou merecidamente escolhido para substituir Allan McNish como piloto titular da marca das quatro argolas. Repetir o feito até hoje inédito de Raul Boesel, campeão mundial de 1987, não é impossível.

Lucas Di Grassi vai guiar pela Audi na temporada toda do WEC em 2014 (Foto: Audi)

Outro que mostrou ser possível buscar a felicidade fora dos holofotes de grandes campeonatos foi Augusto Farfus. O curitibano conquistou um posto cobiçado por muitos e ocupado por muito poucos: piloto de fábrica da BMW, primeiro no WTCC, o Mundial de Carros de Turismo, alcançando depois disso as provas longas e, por último, o DTM, com grande investimento de três montadoras e muita tecnologia embarcada. É quase uma F1 de cockpit fechado.

Logo no seu segundo ano na categoria, Augusto foi vice-campeão – um resultado excepcional para quem vinha como o melhor novato de 2012. Nenhum sul-americano chegou tão longe no DTM. Farfus pode ser o primeiro.

Além dele, João Paulo de Oliveira quer ficar marcado pelo pioneirismo de um título inédito no Super GT, um certame que hoje se assemelha muito ao DTM na parte técnica. Já campeão na Fórmula Nippon, hoje Super Formula, o paulista radicado há anos no Oriente busca a glória como piloto da Nissan. E tem a plena confiança do chefe da equipe Impul, Kazuyoshi Hoshino. Tanto que continua inabalável no Team Impul, no qual o novo companheiro de equipe será Masataka Yanagida. Quem sabe não chegou a hora e a vez do Oribeira?

E tem mais: o gaúcho Cesar Ramos abre uma interessante frente de trabalho. Deixou ótima impressão com a Kessel Racing no Blancpain Endurance Series ano passado e escancarou as portas para um contrato mais vantajoso com a equipe WRT da Bélgica, uma das principais representantes da Audi nas corridas europeias de Grã-Turismo. Como efeito, o garoto de 24 anos vai repetir a dose no BES e correr também no Blancpain Sprint Series, que em 2013 foi invadido por uma legião de brasileiros.

Existe um nome, aliás, que pode fazer sua estreia com algum estardalhaço neste campeonato: é o de Nelsinho Piquet, chamado para fazer dois testes com a equipe brasileira da BMW na França, em Nogaro e Paul Ricard. E a possível presença do antigo piloto da Renault de volta ao automobilismo europeu vai suscitar uma série de discussões.

Principalmente quanto ao que ainda não aconteceu com relação aos seus planos de fazer uma longa carreira na Nascar, a alternativa traçada pelo piloto para revitalizar uma carreira que caiu no desvio depois do episódio de Cingapura que decretou o fim de sua trajetória na F1.

Nelsinho entrou por uma porta pela qual poucos brasileiros tinham aventurado passar. Antes dele, de fato, só Christian Fittipaldi, nos idos de 2003, quando o sobrinho de Emerson escolheu correr pela equipe de Richard Petty, então em franca decadência. Piquet Júnior fez o certo: começou na Truck Series para ganhar experiência, venceu corridas, evoluiu, mostrou potencial. Mas a passagem para a Nationwide Series deixou marcas indeléveis. E talvez tenha sido uma decisão tomada de afogadilho.

Isso explica a instabilidade de seus desempenhos em 2013, com quatro trocas de chefe de mecânicos e um carro nitidamente pior que o de seus companheiros de equipe. O 12º lugar na classificação ao fim do campeonato não foi tão ruim num primeiro ano, mas as portas teimaram em não seguir abertas. Some-se a isso o fato de estarmos num ano de Copa do Mundo e é complicado fechar verba de patrocínio para todo um ano. Como resultado, Nelsinho está fora de uma temporada completa da Nascar pela primeira vez.

Nelsinho Piquet vai correr com a BMW brasileira no Blancpain Sprint Series (Foto: CIA Stock)

Saltimbanco, como definiu o Flavio Gomes noutra ocasião? Não, eu não diria isso. Nelsinho ainda mira a categoria estadunidense e, num primeiro momento, parece lógico dar um passo atrás para dar dois à frente, escolhendo uma equipe melhor e mais estruturada para regressar aos circuitos da Nascar em condições de se tornar, no futuro, o segundo representante do país na Sprint Cup.

Mas imaginem a situação: vai que ele se encontra no Blancpain Sprint Series e um novo horizonte se descortina? A julgar pelo teste feito em Paul Ricard com a BMW do time de Antonio Hermann e Washington Bezerra, ele gostou do que teve em mãos. Vai que ele se encontra nesse novo desafio? Afinal, Nelsinho tem 28 anos e muita vida pela frente.

Não é por falta de opção que os pilotos brasileiros deixarão de ser felizes. Vivemos há mais de quatro décadas em torno de uma cultura automobilística que nunca foi tão ampla quanto em muitos países, mas é preciso abrir nossas mentes para uma realidade cada vez mais latente. O importante é que o leitor desta coluna saiba, de uma vez por todas, que existe vida inteligente no automobilismo além da F1.

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