História do GP da Hungria tem entrada na Cortina de Ferro, ultrapassagem épica de Piquet em Senna e acidente grave de Massa

Já se vão quase 30 anos de história do GP da Hungria, única etapa realizada pela F1 no Leste Europeu até a entrada da Rússia. Vários são os marcos históricos da prova, sendo que a histórica ultrapassagem de Nelson Piquet em Ayrton Senna até hoje é lembrada como um dos grande momentos do esporte na opinião dos fãs do automobilismo

Quando a Hungria recebeu pela primeira vez o Mundial de F1, há quase 30 anos, mais precisamente em 1986, o mundo vivia em guerra. A chamada Guerra Fria dividia o planeta em dois lados, tendo Estados Unidos e União Soviética como grandes opostos e, na prática, um ‘duelo’ sem vencedor entre o capitalismo e o socialismo. Sob a influência de Moscou, a Hungria tornou-se um estado comunista no pós-guerra e no regime permaneceu até o rompimento com o Pacto de Varsóvia, quando o país do Leste Europeu avançou para a democracia pluripartidária e abriu sua economia aos mercados.

Mas antes da queda do Muro de Berlim, o fato que simbolizou o fim definitivo da Guerra Fria, a capitalista F1 rompeu a Cortina de Ferro que separava os dois mundos e realizou sua primeira prova na Hungria no circuito de Hungaroring, localizado na cidade de Mogyorod, distante cerca de 20 km da capital, a belíssima Budapeste. Construído no fim de 1985, o autódromo tem lá seu charme, mesmo com as características travadas do traçado, que sempre valorizou a posição de largada.

A primeira edição do GP da Hungria não foi uma corrida histórica não apenas pelo evento em si, mas também pela fantástica manobra de ultrapassagem feita por Nelson Piquet em cima de Ayrton Senna, considerada das mais incríveis da história do esporte. O feito valeu ao então bicampeão do mundo a vitória naquele 10 de agosto. A primeira de muitas do Brasil em Hungaroring.

O automobilismo brasileiro tem uma história de sucesso no chamado Magyar Nagydíj. Piquet venceu as duas primeiras edições do GP da Hungria, enquanto Ayrton Senna triunfou em 1988, no ano do seu primeiro título, e também em 1991 e 1992. Rubens Barrichello também subiu ao alto do pódio em 2002, vestindo o vermelho da Ferrari. Mas sete anos depois, o mundo da F1 viveu um drama com o grave acidente sofrido por Felipe Massa, que perdeu a consciência depois de ser acertado por uma mola que escapou da Brawn de Barrichello e bateu forte na barreira de pneus. Foi o pior acidente sofrido por Massa, que só voltou a competir no início de 2010.

No fim de semana do 30º GP da Hungria, Lewis Hamilton pode fazer história ao quebrar o recorde de Michael Schumacher como o maior vencedor da prova. Ambos estão empatados com quatro triunfos cada. Entre as equipes, a McLaren, hoje buscando se reencontrar na F1, é quem mais venceu, com 11 conquistas em Hungaroring.

A seguir, o GRANDE PRÊMIO destaca alguns fatos que fizeram a história do GP da Hungria de F1:

A MAIOR ULTRAPASSAGEM DE TODOS OS TEMPOS

Ao menos quando se fala da F1 moderna, a espetacular manobra de ultrapassagem de Nelson Piquet sobre Ayrton Senna no primeiro GP da Hungria da história é considerada como a mais incrível de todas. Naquele ano de 1986, os dois brasileiros viviam momentos distintos na carreira: enquanto Nelsão já estava consagrado e era dono de dois títulos mundiais, Senna despontava como um futuro campeão do mundo e trilhava uma trajetória promissora na F1.

Aquele duelo épico em Hungaroring foi um dos ápices da rivalidade entre os dois brasileiros. Senna largou na pole com sua Lotus-Renault aurinegra, enquanto Piquet dividiu a primeira fila verde e amarela com a Williams, que contava com o ótimo motor construído pela Honda.

Momento histórico do primeiro GP da Hungria: a ultrapassagem de Piquet em Senna (Foto: Reprodução)

A corrida foi protagonizada pela dupla, com Senna e Piquet se alternando na primeira posição. O então bicampeão do mundo aproveitou a potência do propulsor japonês e o melhor rendimento do seu carro para buscar a ultrapassagem no único ponto possível em Hungaroring, no fim da reta dos boxes. E depois de uma tentativa malsucedida, Piquet colocou seu carro por fora e, contrariando a lógica, freou bem além do ponto ideal e derrapou com as quatro rodas. De forma genial, Piquet fez a ultrapassagem e rumou para uma conquista histórica na Hungria.

A COROAÇÃO DO LEÃO

Enquanto esteve na F1, Nigel Mansell foi dos pilotos mais carismáticos do grid. Mas, embora competitivo ao extremo e um dos grandes pilotos da sua época, o ‘Leão’ ainda havia batido na trave quanto à luta pelo título: foi assim em 1986, 1987 e 1991, ano que marcou seu retorno à Williams. Mas tudo mudaria no ano seguinte, quando a escuderia britânica construiu o ‘carro de outro mundo’, o FW14B. Com o modelo, Mansell teve um ano incrível e não teve adversários capazes de fazer frente ao seu poderio.

Mansell chegou à Hungria com 86 pontos, contra 40 do seu então companheiro de equipe, Riccardo Patrese. Michael Schumacher somava apenas 33, enquanto Ayrton Senna, num ano difícil com a McLaren Honda, tinha 24. Era a 11ª de 16 etapas do Mundial de F1 em 1992. Um segundo lugar em Hungaroring seria suficiente para que Mansell enfim comemorasse seu primeiro (e único) título mundial. E foi exatamente o que aconteceu.

Patrese tinha apenas chances matemáticas, mas foi o italiano quem largou na pole, lado a lado com Mansell, que foi superado por Senna e Berger. Mas não demorou muito para o ‘Red Five’ superar a McLaren de Berger e subir para terceiro. Patrese seguiu dominando até abandonar por quebra de motor. Senna então assumiu a liderança e a manteve até o fim, tirando leite de pedra de um carro incapaz de brigar com a Williams. Com o segundo lugar, Mansell finalmente, aos 39 anos, soltava o grito de campeão da garganta. Era a grande glória do ‘Leão’ na F1.

O DOCE E O AMARGO SABOR DO INACREDITÁVEL NA F1

Desprezado pela Williams depois de conquistar o título de 1996, Damon Hill partiu rumo ao desconhecido. Ao invés de seguir por uma equipe de ponta, o britânico assinou com a modesta Arrows para ser o líder de um projeto ambicioso que contava com o suporte da Yamaha para fornecimento de motores e os polpudos patrocínios trazidos pelo brasileiro Pedro Paulo Diniz, seu companheiro de equipe na época.

Foi um ano de muita dificuldade para Hill, que teve de se reinventar para a F1. Em alguns momentos, como no GP da Inglaterra, onde pontuou pela primeira vez em 1997, o britânico teve uma performance alentadora. Mas nada como no surreal GP da Hungria, onde Hill viveu um fim de semana quase perfeito, não fosse por um detalhe.

Hill comemora segundo lugar como se fosse vitória na Hungria (Foto: Getty Images)

Desde o início das atividades de pista, Hill mostrava ter um conjunto forte numa pista que privilegia o talento do piloto. Em Hungaroring, ele cravou um excelente terceiro lugar no grid, só atrás de Schumacher e Jacques Villeneuve. Na largada, Hill passou Villeneuve e ficou por cercar a Ferrari de Schumacher até que conseguiu fazer a ultrapassagem na abertura da volta 11. Aí Damon mostrou uma performance soberba, talvez a melhor da sua carreira, e parecia rumar para uma vitória inacreditável.

Mas aí um problema no pedal do acelerador da sua Arrows, quando restavam apenas duas voltas para o fim, colocou tudo a perder. No giro final, Hill acabou sendo superado por Villeneuve e se arrastava para chegar em segundo, à frente de Jhonny Herbert, da Sauber. Em qualquer outra situação, um segundo lugar para a Arrows seria a glória, mas não seria o caso naquele domingo. Mas Hill comemorou o resultado como se fosse um título mundial. Um dia para a história.

A PRIMEIRA VITÓRIA DO ‘PRÍNCIPE DAS ASTÚRIAS’

Grande aposta de Flavio Briatore depois de Schumacher, o jovem Fernando Alonso foi alçado ao posto de titular da Renault em 2003. Dois anos antes, o piloto de Oviedo fazia sua estreia na F1 ao volante da Minardi e, depois de um ano como piloto de testes da Benetton — que virou Renault no ano seguinte —, finalmente o promissor espanhol teve a chance de guiar um carro competitivo.

Seu desempenho na temporada impressionava pelo talento e regularidade. Logo em sua segunda corrida pela Renault, o GP da Malásia, Alonso conquistava sua primeira pole na F1. Mas a vitória levaria um pouco mais de tempo. Afinal, o nível técnico do grid era dos mais fortes: Michael Schumacher, Kimi Räikkönen, Juan Pablo Montoya e Rubens Barrichello estavam em grande forma naquele 2003.

Alonso, ao lado de Räikkönen e Montoya, comemora primeira vitória na F1 (Foto: McLaren Mercedes)

Aí veio o GP da Hungria, 13ª etapa de 16 da temporada. E Alonso dominou como quis aquele fim de semana. Pole-position, o espanhol liderou praticamente todas as voltas da corrida e conquistou uma importante vitória. Ali em Hungaroring Fernando começava a pavimentar uma trajetória vitoriosa que hoje o coloca como um dos grandes nomes da F1 na atualidade.

DIA HISTÓRICO PARA BUTTON E A HONDA

O dia 6 de agosto de 2006 foi marcante para a história da Honda na F1. Naquele domingo, a montadora comemorava 300 GPs como fornecedora de motor. E mal poderia imaginar que, depois de ver Jenson Button largando só em 14º, que o britânico fosse capaz de entregar uma vitória incrível quase 40 anos depois da última conquista da marca como equipe.

Em 2006, a Honda voltava à F1 como equipe depois de adquirir a BAR. A japonesa, disposta a investir pesado para superar a Toyota e se colocar no topo da F1, trouxe Rubens Barrichello para formar com Jenson Button, remanescente da BAR, uma das duplas mais fortes do grid.

O GP da Hungria vinha como mais uma chance para Button e Barrichello marcarem pontos no campeonato. A corrida começou debaixo de muita chuva, impondo um desafio ainda maior aos pilotos. Barrichello começou bem a prova e subiu para segundo, logo atrás de Räikkönen, então piloto da McLaren. Mas quem roubaria a cena mesmo era Button.

Dia de festa para Button e a Honda no GP da Hungria de 2006 (Foto: Honda F1 Team)

Em apenas seis voltas, o britânico já ocupava o quarto lugar na prova. Em frente, o piloto fazia a corrida da sua vida e tirava proveito dos erros dos adversários que vinham à sua frente. Depois do abandono de Räikkönen — após colidir forte com uma Toro Rosso — Jenson subiu para segundo, só atrás de Alonso. Mas o espanhol abandonou porque a roda traseira direita estava com a porca solta depois do pit-stop. Caminho livre para a primeira vitória de Button na F1 e a terceira da Honda como time do grid.

GUERRA DECLARADA

Difícil lembrar de outra rivalidade tão explosiva dentro de uma mesma equipe depois de Senna e Prost como Hamilton e Alonso em 2007. Depois de faturar o bicampeonato mundial com a Renault, Alonso levou o #1 à McLaren, que tinha como piloto o prodígio Lewis Hamilton. Mas diferente de todas as situações vivenciadas pelo espanhol, naquele ano seu companheiro de equipe não era um escudeiro, mas sim um competidor real.

Em 2007, a McLaren tinha feito o melhor carro da temporada, o MP4-22. E Hamilton brigava com Alonso pelo título num ano espetacular. Depois de uma vitória ‘na raça’ e com direito a treta com Massa antes do pódio do GP da Europa, em Nürburgring, Fernando chegava aos 68 pontos, contra 70 de Lewis. A disputa não era apenas na tabela, mas principalmente nos bastidores. Era nítida a preferência de Ron Dennis por Hamilton, algo que Alonso demorou a digerir.

A 'guerra civil' entre Alonso e Hamilton implodiu a McLaren na temporada 2007 (Foto: Reprodução)

Aí veio a polêmica classificação do GP da Hungria. A posição de largada em Hungaroring seria decisiva, e Alonso sabia disso. Restando menos de dois minutos para o fim do Q3, Hamilton tinha a pole provisória. O espanhol veio aos boxes para colocar pneus novos e fazer mais uma tentativa de volta rápida, mas deliberadamente ficou parado nos pits por muito mais tempo, atrasando Hamilton, que estava logo atrás. Foi o suficiente para que Alonso conseguisse abrir sua volta, quebrando a marca do seu companheiro de equipe, mas Hamilton passou depois da bandeirada.

O episódio deixou Dennis furioso. Alonso foi punido pela direção de prova e perdeu cinco posições no grid. Hamilton herdou a pole e rumou para uma vitória marcante na Hungria. E a McLaren viveu dias de ‘guerra civil’, que acabou por culminar na perda do título, que foi conquistado por Kimi Räikkönen, outrora grande azarão na luta pela taça.

O DRAMA DE MASSA

À primeira vista, parecia um acidente ‘comum’. Durante o Q2 do treino classificatório do GP da Hungria, em 25 de junho de 2009, Felipe Massa passou reto pela curva 4 e bateu forte e de frente à barreira de pneus. Numa situação normal, o piloto levantaria do carro pouco depois. Mas o brasileiro estava desacordado, claro indicativo de que algo estava muito errado naquele momento.

De fato. Massa estava no lugar errado e na hora errada, vindo logo atrás da Brawn de Barrichello. Uma mola solta do carro do brasileiro acertou em cheio seu capacete na área mais frágil do casco, na viseira, batendo muito forte no rosto de Felipe que, com o impacto, desmaiou.

Imagem chocante de Felipe Massa após o grave acidente sofrido em 2009 (Foto: Getty Images)

Massa foi levado ao hospital de Budapeste, onde lá começou sua recuperação. Em poucos dias, o brasileiro teve alta e voltou ao Brasil para retomar sua reabilitação. O piloto só teve o OK do corpo médico para retomar sua carreira em alguns meses, de modo que a Ferrari teve de procurar um substituto para a fase final da temporada. Depois de cogitar trazer de volta Schumacher, o time de Maranello contou com Luca Badoer por duas provas e depois assinou com Giancarlo Fisichella.

Felipe só voltaria a competir em 2010, tendo como novo companheiro de equipe Fernando Alonso. Por muito tempo, sua capacidade como piloto chegou a ser colocada em xeque em razão de alguma eventual sequela advinda do acidente. Mas o brasileiro vem se mostrando cada vez mais competitivo e forte, o que ficou mais evidente com sua transferência para a Williams a partir de 2014.

O ÚLTIMO GRANDE DUELO ENTRE BARRICHELLO E SCHUMACHER

A relação entre Rubens Barrichello e Michael Schumacher não chegou a ser de grande rivalidade, como a que o alemão nutriu nos seus anos de glória na F1 com campeões mundiais como Ayrton Senna, Mika Häkkinen, Damon Hill e Jacques Villeneuve, por exemplo. Mas a disputa entre os dois ficou mais acentuada, sobretudo durante a época em que os pilotos dividiram os boxes da Ferrari. Episódios como o desfecho vergonhoso do GP da Áustria de 2002 marcaram a carreira de Rubens e Michael e, por que não, da própria F1.

Mas Barrichello e Schumacher viviam em outra fase em 2010. Ambos, já na fase final das suas respectivas carreiras, buscavam novos desafios. Barrichello, depois de um ano de redenção na Brawn, buscava seu lugar ao sol pela então decadente Williams. Schumacher voltava da aposentadoria como grande aposta da Mercedes no seu retorno como equipe na F1.

Os dois faziam um campeonato discreto, mas pontuavam aqui e ali. Até que veio o GP da Hungria, numa Hungaroring especial para Rubens e Michael, que já venceram no circuito. Mas a luta naquele domingo não era pelo primeiro lugar. O último grande duelo entre Barrichello e Schumacher era pelo décimo lugar, mas talvez, sobretudo para o brasileiro, valia muito mais que uma mera disputa por posição.

Restando cinco voltas para o fim da corrida, Barrichello entrou na reta dos boxes e colocou por dentro para tentar ultrapassar Schumacher. Mas o brasileiro não contava que o piloto da Mercedes jogasse duro, espremendo-o contra o muro de proteção. Corajoso, Rubens não recuou, ficou a milímetros de bater, mas conseguiu fazer uma grande ultrapassagem.

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