Morte de Bianchi passa a ser novo marco de análise dos procedimentos de segurança durante as corridas da F1

A FIA trabalhou muito depois da morte de Ayrton Senna para evitar novas tragédias fatais: reforçou a segurança do carro, do capacete e atualizou o quanto pôde o sistema de sinalização. Mas ainda manteve o trator para retirar os carros

Foram 21 anos e dois meses sem mortes de pilotos em eventos oficiais da F1. Desde o 1° de maio de 1994, quando Ayrton Senna foi atingido na cabeça por uma barra de suspensão de seu Williams, que bateu no muro da curva Tamburello, em Imola, num ângulo francamente desfavorável, ninguém mais morreu. Até Jules Bianchi, nesta sexta-feira (17), nove meses após o trágico acidente sofrido no GP do Japão de 2014.

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Naqueles tempos do Senna, a F1 vivia sob uma falsa sensação de segurança. Acidentes espetaculares aconteciam às dúzias, com carros cujos cockpits eram tão frágeis e mal dimensionados, que expunham até os ombros dos pilotos. Mas a tecnologia aplicada nos crash-tests e o desenvolvimento de novos materiais vinham dando conta do recado. Maurício Gugelmin capotou espetacularmente em Paul Ricard/1989, e nada aconteceu com ele. Voltou correndo para os boxes, com o capacete arranhado, para pegar o carro-reserva. No ano seguinte, em Monza, Derek Warwick virou de cabeça para baixo em Monza e saiu tirando poeira do macacão. Em 1993, ainda em Monza, Christian Fittipaldi decolou com sua Minardi no carro de Pierluigi Martini e não teve como sequela mais do que um pouco de tontura naquela noite.

Mas a proteção à cabeça do piloto era algo que não merecia muita atenção de ninguém. O santantônio parecia ser o suficiente, em caso de uma capotagem. Não era. Depois da batida de Senna, percebeu-se que aquele pedaço do corpo ficava vulnerável demais, dependendo da dinâmica de uma batida. Poderia ser atingido por muita coisa, como um pneu, um pedaço de carenagem, uma barra de suspensão. Poderia, inclusive, ser atingido lateralmente por outro carro.

 
Já em Mônaco, na corrida seguinte à de Imola, em 1994, Karl Wendlinger quase morreu ao bater na saída do Túnel. De novo, lesões na cabeça e um coma prolongado. E a Sauber foi a primeira a, empiricamente, erguer as laterais do cockpit para proteger a cabeça de seus pilotos. A partir de então, estudos foram acelerados para aumentar a segurança dos carros e das pistas – essa equação precisa dos dois elementos sempre.
Karl Wendlinger sofreu acidente em Mônaco/1994, uma corrida depois das mortes de Ayrton Senna e Roland Ratzenberger (Foto: Getty Images)
O legado da morte de Senna foi a melhoria muito rápida da segurança na categoria. Áreas de escape foram repensadas e redimensionadas, os cockpits aumentaram de tamanho e altura lateral, o HANS foi desenvolvido para reduzir as chances de lesões na coluna, novos materiais para a construção de capacetes e viseiras foram aplicados – o que salvou Massa da mola de Barrichello em 2009, na Hungria – e chegou-se a um modelo carro-pista-equipamentos que, se não é 100% seguro, está perto disso. Alguns circuitos, inclusive, ficaram bem chatos, à prova de erros, sejam eles as modificados, como Hockenheim, sejam os idealizados por Hermann Tilke para os novos mercados que passaram a receber GPs.
 
Além disso, a FIA preocupou-se com a implementação de regras mais claras sobre o uso de bandeiras, adotou os painéis luminosos e os avisos dentro do cockpit, estabeleceu procedimentos e protocolos quanto ao uso do safety-car, do medical-car e muito mais. Os carros de intervenção passaram a ter características bem determinadas de potência e velocidade, sendo conduzidos por pilotos experientes. Muitas vezes, a entidade até exagerou na cautela em casos de corridas com chuva – adotando a largada atrás do carro de segurança para evitar maiores problemas. E, também, passou a ser muito rigorosa, às vezes excessivamente, nas punições aos pilotos por manobras consideradas agressivas.
 
Paralelamente a isso, o trabalho nos carros continuou sendo feito, e novos parâmetros de construção foram adotados – como os ridículos bicos baixos para reduzir riscos nas batidas em T. E as exigências quanto ao atendimento médico foram ampliadas, com normas muito definidas sobre as instalações necessárias nos autódromos, o tempo de socorro na pista, transporte do circuito para hospitais etc. Não se começa nenhuma atividade de pista, por exemplo, se um helicóptero não puder decolar. Muitos treinos matinais em Spa foram cancelados por conta disso.
 
Algumas bizarrices, no entanto, não foram contempladas. E uma delas é o uso de tratores para a remoção de carros acidentados. A utilização desses veículos é uma aberração, porque em geral eles atuam dentro da pista – considerando ‘dentro da pista’ tudo que fica no perímetro interno dos muros ou guard-rails – em locais onde carros batem. E se um bate, outro pode bater, também. E se ele bater enquanto houver um trator trabalhando ali, o risco de uma tragédia é enorme. Quase aconteceu em 2003, no GP do Brasil, na Curva do Sol. Vários carros saíram da pista naquele ponto em curto intervalo de tempo, com um trator alegremente tentando tirar de lá os destroços dos que chegavam a cada volta.
 
O que a FIA teve de fazer a partir da morte de Bianchi é mudar completamente os procedimentos de resgate de carros quebrados ou acidentados. Ou se usa uma grua instalada do lado externo do guard-rail, como se faz em Mônaco, ou se determina que quando qualquer veículo estranho à corrida – a saber: qualquer um que não esteja competindo, ou que pertença ao grupo de veículos previstos pelo regulamento, como o medical-car e o safety-car –estiver do lado interno, a prova tem de ser imediatamente neutralizada com a entrada do safety-car e o acionamento das bandeiras amarelas em todo o circuito. O procedimento introduzido em 2015 foi o do safety-car virtual, usado pela primeira vez no GP de Mônaco e, pela segunda, no GP da Inglaterra.
 
Os procedimentos em caso de chuva também deveriam ser revistos. Não faz sentido a regra do Parque Fechado, que proíbe mexer no acerto do carro quando ele é recolhido depois de uma classificação com pista seca, e tem de ir para o grid em condição de pista molhada. É questão de segurança. Um carro acertado para o seco fica perigoso no molhado. Há que se mexer em sua altura, em suspensões, freios, tudo. Já a decisão de interromper uma prova por conta do volume de água tem de ser pautada pelo bom-senso. Em Suzuka, no dia do acidente de Bianchi, a quantidade de água nem era um enorme problema. Muitos pilotos estavam ainda usando pneus intermediários e relatavam que as condições eram difíceis, mas aceitáveis. A chuva estava apertando, é verdade, mas nada impedia os pilotos de colocarem pneus para chuva forte – o que alguns já estavam fazendo. Mas havia o problema da visibilidade, esse, sim, muito sério. Era inaceitável continuar a prova naquela escuridão, que impedia os pilotos de avaliarem, pelo visual, se em determinados trechos de asfalto a chance de aquaplanagem era grande. Sutil disse que aquaplanou por causa disso. A direção de prova tem acesso à comunicação de rádio dos pilotos com suas equipes. Deveria levar a sério o que eles estavam dizendo e pautar suas decisões por esses testemunhos. Agora, todas as corridas precisam começar pelo menos quatro horas antes do pôr-do-sol.
Adrian Sutil, que batera pouco antes no mesmo ponto, testemunhou o acidente com Bianchi em Suzuka (Foto: Getty Images)
O relatório divulgado em dezembro pela comissão de notáveis formada pela FIA para a investigação do acidente concluiu que Bianchi não desacelerou o bastante para um trecho sinalizado com bandeiras amarelas duplas. Passou por isso a criação do safety-car virtual.

Ocorre que – e quem pilota sabe – piloto não liga muito para bandeiras amarelas. O cara fica mais atento, claro, porque sabe que tem algum enrosco à vista, e perto. Mas tirar o pé drasticamente, ninguém tira. Bianchi bateu a 203 km/h. O problema é que seu carro, como o de Sutil, aquaplanou. Com bandeira ou sem bandeira, isso aconteceria de qualquer maneira.

 
O que não podia estar onde estava era o trator. Ou, se ele tivesse de estar ali, que o safety-car fosse acionado imediatamente no momento em que ele deixou a parte de trás do guard-rail para buscar o carro de Sutil batido no guard-rail. Porque se um bateu ali em ritmo de corrida, outro poderia bater também. Como bateu. E, isso, não foi indicado pelo relatório da FIA.
 

As imagens do acidente de Jules Bianchi
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Torcedor registra momento do acidente com BianchiF1 2014: o acidente de Jules Bianchi com um guindaste no GP do Japão

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