Coluna Parabólica, por Rodrigo Mattar: Luciano do Valle, não há palavras

Devemos muito ao Luciano do Valle. Todos nós. Comunicadores, atletas e desportistas em geral. Vai ser estranho ligar a tevê e ver uma transmissão de 500 Milhas de Indianápolis sem ele. Vai ser estranho, também, começar uma Copa do Mundo – logo no Brasil – em que ninguém poderá ouvir ou guardar na memória seus gritos de gol a cada vitória da seleção brasileira

Amigos leitores desta coluna, desde já peço desculpas por não falar exclusivamente de temas ligados ao automobilismo neste espaço desta vez. O jornalismo esportivo perdeu no sábado passado (19), um dos seus mais representativos nomes. Luciano do Valle nos deixou prematuramente, aos 66 anos, para entrar na história da comunicação e do esporte do Brasil. A perda de um profissional tão respeitado pode ser mensurada pela quantidade de homenagens que recebeu nos últimos dias, inclusive da emissora em que o narrador trabalhou por uma década (refiro-me à Globo, claro) e que negava aos seus telespectadores o direito de ouvir as históricas intervenções do Luciano nas transmissões de que participou naquela casa.

Em 2011, quando editei para um programa de automobilismo do canal a cabo Sportv uma série de VTs alusivos aos 30 anos do bicampeonato de Nelson Piquet na F1, lamentei muito não poder usar em nenhum momento as narrações do Luciano. Não consultei ninguém sobre um possível veto, pois sabia que havia restrições – e um “não” deixa qualquer um frustrado, e só aproveitei trechos de comentários do Reginaldo Leme, numa ou noutra oportunidade. Mesmo assim, sem falsa modéstia alguma, o material tinha excelente qualidade, embora os telespectadores tenham sido privados da oportunidade de ouvir as narrações do Luciano.

Como eu sou da turma dos “enta”, tive a oportunidade de acompanhar todo aquele campeonato histórico de 1981 nas vozes da dupla Luciano/Reginaldo, com intervenções do grande Janos Lengyel, o enviado especial d’O Globo e que trazia informações preciosas in loco quando a dupla fazia as transmissões off-tube – sim, elas já existiam. Mas, na maioria das ocasiões, lá estavam Regi e o Bolacha, dando o recado com aquele áudio característico de linha telefônica, que foi por muito tempo marca registrada das transmissões internacionais de automobilismo.

Luciano do Valle

Quem viu o Luciano dos últimos anos nas transmissões da Indy, com algumas gafes que entraram para o folclore, como trocar os nomes dos pilotos – “Dom Wheldon”, “Rei Rânter” e “Bryan Riscoe” foram alguns dos casos mais falados – pode até duvidar, mas nos tempos de F1 na Globo, ele não errava absolutamente nada. Nome nenhum. Emoção na voz, na medida certa, no tempo certo. Nada exagerado feito o que se vê/ouve hoje em dia, em tempos de torcedores-narradores ou narradores-torcedores, como queiram.

O Luciano também esteve presente na minha vida e na de muitos brasileiros com as narrações da Copa do Mundo de 1982. E quem viu, viu. Não há como eleger a narração do gol de Falcão no fatídico dia da Tragédia do Sarriá como um dos mais emocionantes momentos da história do esporte na televisão brasileira. Luciano não gritou. Ele urrou o gol do “Rei de Roma”, acrescido de um aposto: “Só mesmo Falcão”.

E hoje eu adiciono outro. “Só mesmo Luciano”.

Passou a Copa da Espanha e o narrador surpreendeu todo mundo, pedindo demissão da Globo, emissora pela qual cobrira três Olimpíadas, três Copas do Mundo, diversas provas de F1 e muitos jogos de futebol desde 1972. Foi para a Record, virou “Luciano do vôlei”, popularizou o esporte com transmissões históricas – uma delas, o famoso Brasil x URSS do Maracanã. E, de lá, migrou para a Bandeirantes, sua última casa, e onde o narrador pintou e bordou.

Com o Show do Esporte, revolucionou os domingos na televisão, num tempo em que nem em pensamento sonhávamos com a existência da TV a cabo. O programa, que começava de manhã e terminava já de noite, quase nos moldes do que Silvio Santos fez em toda sua vida, não se limitava apenas e tão somente ao futebol. Tinha de tudo: desde o boxe, com as lutas do folclórico Adilson “Maguila” Rodrigues, passando por prosaicas partidas de sinuca – quem há de esquecer de Rui Chapéu? – e pelo hóquei sobre patins.  Os sonhos e os projetos eram ousados e Luciano voava alto. Até treinador de uma seleção de veteranos ídolos do futebol – com Pelé e Zico no time inclusive – ele se tornou.

Voltando ao automobilismo, Luciano voltou a brindar os telespectadores com narrações que retomaram a simbiose que existiu nos tempos de Globo e F1 nos anos 70 e início dos 80. Quinze anos depois do título de Emerson Fittipaldi com a McLaren, lá estava ele abrindo as portas da Indy para os aficionados brasileiros. Se hoje a categoria tem público no Brasil, isto se deve a dois nomes: Fittipaldi e Luciano do Valle.

Quem há de esquecer a transmissão das 500 Milhas de Indianápolis de 1989? Eu, por exemplo, não esqueço. Aquela corrida, amplamente dominada pelo Rato com seu Penske-Chevrolet da equipe de Pat Patrick, quase foi para o espaço num erro de estratégia, em que o chefe de equipe mandou abastecer de metanol o carro do Emerson até o gargalo. Mais pesado, ele foi superado por Al Unser Jr. – era o duelo entre o moço novo e o moço velho. E todos nós torcendo pelo moço velho.

O resto é história. Um tráfego mais pesado bloqueou Little Al, Emerson não cedeu e os dois, a 350 km/h, voaram em direção a curva 3. A narração de toda a disputa entrou para a história e se tornou uma das maiores de sua carreira de 50 anos como jornalista. E Luciano acertava no milhar.

Ele era pressionado pela direção da Bandeirantes porque insistia com a Indy e os resultados de Emerson, nos anos anteriores a esta vitória, não tinham sido bons. O triunfo do bicampeão de F1 e a posterior conquista da temporada de 1989 em Nazareth, solidificaram a aposta e o investimento, que rendeu ainda outras transmissões épicas, como a do tri de Hélio Castroneves e da última Indy 500 que Luciano narrou, no ano passado, ganha por Tony Kanaan.

A minha geração foi movida pela deixa “Bandeirantes, o canal do esporte”. Inegavelmente, são marcas indeléveis que Luciano do Valle deixa para todos nós, profissionais de mídia esportiva. No meu blog, escrevi que ele foi o narrador mais completo que a televisão brasileira teve a oportunidade de conhecer. No auge, foi um monstro. Com uma visão apurada de marketing e grande desprendimento, fez mais do que muito dirigente de terno e gravata pelo esporte, principalmente nas modalidades olímpicas.

Devemos muito ao Luciano do Valle. Todos nós. Comunicadores, atletas e desportistas em geral.

Vai ser estranho ligar a tevê e ver uma transmissão de 500 Milhas de Indianápolis sem ele. Vai ser estranho, também, começar uma Copa do Mundo – logo no Brasil – em que ninguém poderá ouvir ou guardar na memória seus gritos de gol a cada vitória da seleção brasileira.

Não há palavras que mensurem tamanha perda.

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