Coluna Parabólica, por Rodrigo Mattar: O homem tricentenário

Com 19 temporadas no Mundial de Motovelocidade (contando esta) e 35 anos de idade, Rossi sabe que seu tempo está próximo do fim. O Doutor quer terminar a carreira por cima. Já é dono de equipe na Moto3, o futuro está muito bem encaminhado. E mesmo que não vença a temporada 2014 da MotoGP, deixou um sucessor à altura do que construiu nesses anos todos: o espanhol Marc Márquez

Neste domingo, quando você leitor do Grande Prêmio tiver a oportunidade de ler esta coluna, Valentino Rossi chegará ou chegou a uma marca histórica na carreira de qualquer piloto, principalmente se este for do Mundial de Motovelocidade. Para ser sincero com vocês, não me recordo de nenhum outro nome – pelo menos no momento em que escrevo – que tenha atingido a marca expressiva de 300 corridas na carreira.

Essa marca, todos devem saber, já era pra ser alcançada ano passado, talvez. Em 2010, ele sofreu uma fratura exposta numa perna num tombo em Mugello, justamente a mesma pista em que o italiano alcança o marco do GP tricentenário. Ficou fora de quatro corridas naquela oportunidade. Portanto, o GP 300 poderia ter sido o segundo do ano, que aconteceu na Espanha, em Jerez de la Frontera, palco de grandes vitórias do Doutor.

Quis o destino, porém, que essa comemoração acontecesse justamente em casa. Aos 35 anos, Rossi transcendeu a fronteira do atleta, do esportista e do ídolo. Tornou-se um mito vivo, daqueles que arrastam multidões aos circuitos e é ovacionado onde quer que vá. Mesmo na casa do inimigo, o italiano provou que é capaz de romper a barreira da rivalidade e provocar momentos inesquecíveis.

A chegada histórica do GP da Espanha de 2009, ano do último – por enquanto – título do piloto é emblemática. É aquela do baile em Jorge Lorenzo na última curva da última volta. Rossi cruza a linha de chegada diante de uma plateia ensandecida. E na volta de desaceleração, ao invés de vaias, aplausos e gritos em uníssono de "Valentino! Valentino!". O cara é, como costuma dizer meu companheiro de Fox Sports e xará Rodrigo Bueno, diferenciado.

E é carisma puro, também. Rossi conquistou fãs com suas comemorações irreverentes, algumas delas entrando para a história. O piloto pintou e bordou especialmente nos tempos de 125cc e 250cc, categorias em que mostrou suas credenciais de fenômeno, homenageando e sacaneando tudo e todos. Andou com boneca inflável travestida de Claudia Schiffer, foi ao pódio de bermuda, camiseta e sandália havaiana, entrou em banheiro químico, vestiu-se de Robin Hood e até um homem-frango o Doutor carregou na garupa, para homenagear a Polleria Oswaldo, de um velho amigo da Tavullia, região onde o piloto nasceu e que sempre o idolatrou. A comemoração com o galináceo humano foi uma forma – irreverente, como sempre – de homenagear a quem sempre o apoiou.

Rossi vai deixar um herdeiro à altura na MotoGP (Foto: Repsol)

O filho do antigo piloto Graziano Rossi, à medida que ascendia ao panteão dos maiores nomes da história da Motovelocidade, colecionou desafetos mais velozmente que uma moto de 500cc ou da MotoGP. Valentino trocou sopapos com o compatriota Max Biaggi, que nunca se conformou com as surras que levou até sair do campeonato há alguns anos. Outro que não morria de amores pelo italiano foi o espanhol Sete Gibernau, que cansou de ser humilhado por Rossi e também saiu pela porta dos fundos. Mas há pilotos por quem o iitaliano nutria muito respeito e um deles era o brasileiro Alexandre Barros.

Em 2002, quando nasceu a MotoGP como substituta da classe 500cc e as motos 2 tempos ainda conviviam com os protótipos de 4 tempos, Rossi tinha já uma máquina novinha em folha e Barros fazia o que podia com uma 500cc. O brasileiro assustou Valentino em várias corridas e lembro que em Assen, na Holanda, Barros vendeu caríssimo a derrota na oportunidade. Quando teve em mãos a Honda RC211V, igual a do italiano, já campeão antecipado com imensa folga, Alex fez uma aposta com o amigo: as quatro provas finais eram uma espécie de "Mundialito" – um confronto direto pra ver quem se dava bem em condições iguais.

Pois os dois pilotos fizeram exatamente quatro pódios, com o brasileiro ganhando duas vezes e Valentino uma, na Austrália, após uma luta frenética com Barros, que venceu o "Mundialito" por um ponto – 86 a 85. Pena que, pelos anos seguintes, Alex não tenha tido condições mínimas para tentar ser o antagonista de Rossi na MotoGP.

Aliás, cabe notar que todas as sugestões dadas por Alex para melhorar a Yamaha na parte ciclística, o grande problema da M-1 na temporada 2003, foram adotadas no ano seguinte – justamente quando Rossi iniciou seu grande reinado na marca dos três diapasões. Foi providenciado um motor com giro mais suave nas retomadas, o que nunca fora feito pelos japoneses. E Rossi retribuiu, com 47 de seus 106 triunfos e quatro títulos mundiais pela Yamaha, superando os três em sequência que ganhara quando ainda era da Honda.

Acredito que os fãs também gostariam de ver Valentino atingir e até mesmo superar a histórica marca do compatriota Giacomo Agostini, que desde 1976 ostenta o incrível total de 122 vitórias, numa época em que os pilotos podiam se dividir entre uma ou mais categorias – e o número de etapas em cada uma delas era incomparavelmente baixo em relação aos dias atuais, o que faz de Agostini tão mito quanto Rossi. Só que Ago não teve 1% da mídia que o Doutor desfrutou durante todos esses anos, embora o reconhecimento ao feito do antigo piloto italiano seja mundial. Talvez as duas temporadas na Ducati, de apenas três pódios em 35 corridas tenham feito a diferença para que os números de Valentino ainda não chegassem perto aos de Agostini.

Mas isso tem importância relativa, creio eu, neste momento. Com 19 temporadas no Mundial de Motovelocidade (contando esta) e 35 anos de idade, Rossi sabe que seu tempo está próximo do fim. O Doutor quer terminar a carreira por cima. Já é dono de equipe na Moto3, o futuro está muito bem encaminhado. E mesmo que não vença a temporada 2014 da MotoGP, deixou um sucessor à altura do que construiu nesses anos todos: o espanhol Marc Márquez, que neste ano venceu todas as provas da categoria principal .

Tomara que, quando você esteja lendo este último parágrafo, Rossi tenha conseguido quebrar a hegemonia do espanhol para emplacar a vitória de número 107 em sua tricentésima corrida no Mundial.

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