Primeiro brasileiro a disputar TT da Ilha de Man, Paschoalin tem metas claras: classificar e voltar vivo

A bordo de uma Ducati Panigale 1199S, Rafael Paschoalin será o primeiro brasileiro a disputar o lendário Troféu Turista da Ilha de Man. Ciente dos riscos, paulista de 29 anos tem metas claras: classificar e voltar vivo



Todo apaixonado por motociclismo já ouviu, ao menos uma vez na vida, falar da Ilha de Man. Localizada no Mar da Irlanda, a pequena ilha de 572 km² fica entre Inglaterra, Escócia e Irlanda do Norte e recebe desde 1907 uma das mais lendárias – e perigosas – corridas do mundo: o Troféu Turista da Ilha de Man.
 
Na contramão do acontece nos autódromos ao redor do mundo, que se esforçam para afastar o risco de acidente, o TT é sinônimo de perigo. Disputado em um traçado de mais de 60 km com 256 curvas, as motos rodam a uma velocidade média de 208 km/h em vias públicas, que são interditadas para a disputa.
 
A prova, aliás, surgiu como uma reação à decisão do Parlamento Britânico de proibir as corridas de rua no início do século XX. O Automóvel Clube Britânico decidiu, então, pedir apoio ao governo local para a realização da disputa, que só não aconteceu durante os anos da Segunda Guerra Mundial e em 2001, devido a um surto de febre aftosa. 
 
Ao longo de seus mais de cem anos de história, o TT da Ilha de Man já vitimou 233 pilotos, em uma assustadora média de cerca de duas mortes por edição, o que corrobora o lema de ‘prova mais perigosa do mundo’. 
icon_foto As imagens do lendário TT da Ilha de Man
Paschoalin será o primeiro brasileiro a correr no TT da Ilha de Man (Foto: Ricardo Lilla)
Apesar do risco extremo, o TT da Ilha de Man segue atraindo dezenas de pilotos anualmente e consagrando aqueles que enfrentam – e vencem – o arriscado Circuito da Montanha. Conhecido como ‘King of Road’, Joey Dunlop é o maior vencedor nas ruas da pequena ilha. Especialista em provas de rua, o irlandês é até hoje o piloto com mais títulos, acumulando 26 triunfos. 
 
Mesmo com toda sua habilidade, Joey morreu competindo. O piloto sofreu um acidente em 2000, durante uma prova na Estônia, e morreu tragicamente.
 
Além de Dunlop, outros pilotos mundialmente famosos se consagraram em Man, entre eles Giacomo Agostini, Phil Read, Geoff Duke e Mike Grant. Até pouco tempo, Mike Hailwood era o segundo maior vencedor da prova, com 14 vitórias, mas a marca de Mike ‘The Bike’ foi batida por John McGuiness, que começou em 1996 e já soma 19 vitórias. 
 
Na edição de 2013, o TT da Ilha de Man vai contar pela primeira vez com um brasileiro. Aos 29 anos, Rafael Paschoalin se credenciou com participações na North West 200, disputada em um circuito urbano na Irlanda do Norte, e no GP de Macau, na China. 
 
Filho de piloto, Rafael começou no mundo da velocidade aos seis anos, quando ganhou o pai uma Yamaha PW 50. Antes de enveredar definitivamente no mundo das motos, Paschoalin passou pelo kartismo. 
 
“Tinha até um pouco de jeito, ganhei uns torneios, mas quebrei o ‘velho’ por conta do alto custo do kartismo brasileiro”, contou ao GRANDE PRÊMIO, explicando que voltou para o motociclismo aos 17 anos. “Só me ‘profissionalizei’ em 2003, quando fiz o Campeonato Brasileiro de Motovelocidade na categoria 250 – e terminei em 3º – e também o Campeonato Nacional de Supermoto, que venci”, continuou. 
 
Mesmo participando de provas de motovelocidade, Rafael se apaixonou pelo mundo das corridas de rua, também pela longevidade de seus pilotos. “Hoje em dia muita gente que não é do meio já conhece a ‘corrida de loucos que tem numa ilha’. Eu escolhi esse caminho, pois nesta categoria, por incrível que pareça, existe uma longevidade”, justificou. “John McGuinnes, maior piloto da atualidade tem mais de 40 anos e uma barriguinha que entrega o apelido ‘McPint’. Não quero ter a barriga, mas sonho em ganhar o TT”, brincou. 
 
“Existe também o lance da emoção. Até participar da minha primeira prova de rua, eu não tinha noção do que enfrentaria na hora da largada”, contou. “Hoje posso afirmar que não existe nada igual. É incrível e assustador ter nas próprias mãos o controle de viver ou morrer, e pouca gente entende isso.”
 
Apesar de apaixonado pelas corridas de rua, Paschoalin alerta que o Brasil não tem estrutura para corridas deste tipo. “Alguns amigos estão tentando criar uma prova semelhante ao TT. Eu sinceramente não acho que estamos prontos para isso”, opinou. “Se um piloto morrer – e existem chances enormes disso acontecer –, a imprensa vai denegrir ainda mais o nosso motociclismo e as coisas só ficarão mais difíceis para atletas e motociclistas comuns”, ponderou. 
 
“Na Europa a mentalidade é diferente. Claro que todos ficam chateados quando acontece algum acidente, mas todos, sem exceção, estão ali por vontade própria, para superar os próprios limites e viver de forma intensa cada segundo que a vida proporciona”, continuou. 
 
Em busca da credencial
 
Por se tratar de um evento fechado, o TT de Ilha de Man não aceita qualquer piloto e exige a participação em outras disputas similares antes de permitir a inscrição de um competidor. No caso de Rafael, a primeira parada foi a North West 200, na Irlanda do Norte. 
 
“A NW 200 foi incrível”, resumiu, contando que o esforço para participar da prova ganhou destaque na BBC. “Fui com um amigo do Brasil até a Espanha, comprei uma moto e aluguei uma van. Subimos direto sem descansar até a Inglaterra, onde paramos na SBK City do meu amigo, o piloto e mecânico Rhalf Lo Turco, que está me ajudando novamente no TT”, explicou ao GP
Prova em Macau fez parte da preparação de Paschoalin para a prova em Ilha de Man (Foto: GP de Macau)
“Ali preparamos a moto para subir para a Irlanda, onde fizemos a prova”, seguiu. “Na volta fizemos tudo de novo e o resultado são histórias hilárias e mais de 7 mil km rodados com a van espanhola.”
 
O segundo desafio foi no GP de Macau. Na prova chinesa, além de conviver com um problema circulatório no braço, Rafael ainda testemunhou o trágico acidente de Luis Filipe de Sousa Carreira, piloto português que morreu em virtude da batida contra o guard-rail
 
“Em Macau já estávamos mais acostumados com o estilo das corridas de rua, mas a pista em compensação era muito mais difícil e perigosa”, apontou. “Um amigo de Portugal faleceu e isso me abalou muito. Também sofri com problema de ‘arm pump’ no braço direito e, apesar de largar bem e ficar na 15ª posição, não consegui terminar a prova”, explicou.
 
Apesar dos riscos envolvidos, Paschoalin explica que as provas de rua são menos desgastantes que aquelas realizadas em circuitos permanentes. “Fora Macau, as corridas de rua são menos desgastantes que as provas de autódromo”, afirmou. 
 
“Não sei o que vou enfrentar no TT, já que a prova da SBK e Sênior duram mais de uma hora e meia”, lembrou, se referindo às categorias que vai disputar. “O equipamento é basicamente o mesmo dos utilizados em autódromos, porém contam com set-up totalmente diferente. Como existem muitas ondulações, a moto é mais alta e mais macia”, explicou. 
 
Guerreiro do asfalto
 
Apesar do grande mercado de motos do Brasil, as corridas de rua não são tão populares por aqui, e o país nem ao menos conta com uma categoria voltada a esta modalidade. Se chegar ao TT já não fosse desafio o bastante, Paschoalin tem outro adversário: a falta de rotina de treinos.
 
“A minha maior dificuldade é esta, não apenas pela falta de corrida de rua, mas principalmente porque não sou um piloto regular, não ando temporadas inteiras”, apontou. “Sempre que vou para uma corrida estou há meses sem andar de moto. É difícil evoluir nessas condições, com pouca hora de voo. De qualquer forma, a maioria dos pilotos de rua treina em autódromo também, já é uma boa forma de ficar ‘em dia’”, continuou. 
Sem categoria de rua no Brasil, Rafael treina nos autódromos (Foto: Rodrigo Zaim)
Assim como os pilotos que correm em autódromos, memorizar o traçado é um ponto chave, mas decorar 256 curvas não é assim tão fácil. Questionado pelo GP se já conseguiu gravar o mapa da Ilha, Paschoalin riu: “80%”, afirmou. “Estou assistindo incansavelmente os DVDs de voltas on-board. Há pouco tempo fiquei uma semana na Ilha andando de carro. Foram 1.400 km no circuito que tem 60,7 km e 256 curvas a cada volta.”
 
“Mas saber o traçado é o mínimo para qualquer estreante”, comentou. “Difícil é andar rápido e chegar perto do limite em um piso extremamente ondulado, cheio de segredos. Os pilotos do TT dizem que levam no mínimo três anos para se andar rápido por lá. Com isso, minha meta é classificar e voltar vivo para os próximos anos!”, resumiu. 
 
Com o início dos trabalhos em Man programados para o dia 25 de maio, Rafael já entrou nos últimos dias de treinamento e agora aguarda a chegada de sua Ducati Panigale 1199S. 
 
“Estou esperando a moto que comprei em Portugal, uma Ducati Panigale 1199S. Infelizmente o transporte atrasou e até agora não fiz nenhum treino de autódromo aqui na Inglaterra”, lamentou. “Acho incrível como essas coisas acontecem comigo. Deve ser para o sabor de superação ficar ainda melhor no final de tudo.”
 
Em seu ano de estreia na temida prova, Paschoalin mantém os pés no chão e traça metas consistentes com sua condição de estreante: “classificar e voltar vivo e inteiro”, resumiu. “Eu gostaria de ser um dos melhores ‘newcomers’, mas vi que terão caras como Josh Brookes e Tommy Hill andando por lá esse ano.” 
 
“No TT não dá para se empolgar e ir um pouquinho mais rápido”, falou. “Tenho que respeitar os meus limites e tenho certeza que eles não são o suficiente para eu bater esses caras. Pelo menos esse ano”, comentou. 
 
É impossível, entretanto, falar do TT da Ilha de Man sem falar em medo. “Às vezes me emociono lembrando o apoio dos amigos e família”, contou. “Não penso em morrer. Ao contrário, me encho de planos para logo depois da corrida. Acredito e espero que dessa forma o universo conspire a favor para dar tudo certo.” 
Provas de rua são marcadas pelo alto risco de acidentes (Foto: GP de Macau)
“Acho que o medo mantém as pessoas vivas. Sou feliz por ter medo, mas também confio o suficiente nas minhas habilidades para colocar nas minhas mãos a minha própria vida”, declarou. “Claro que ‘shit happens’, mas estamos trabalhando para que nada saia errado, pelo menos na hora dos treinos e corrida”, completou. 
 
Orçamento e desafios
 
Para prova em Ilha de Man, Rafael vai contar com uma Ducati Panigale 1199S, uma superesportiva da fábrica de Borgo Panigale que conta com chassi de alumínio e motor bicilíndrico em V. “Estou muito ansioso para colocar as mãos na moto. Já andei com uma emprestada por um grande amigo e gostei da moto, apesar de ter alguma dificuldade para me adaptar ao seu estilo de pilotagem”, comentou o piloto.
 
“O motor bicilíndrico tem 13 kgfm de torque e isso é realmente impressionante”, elogiou. “Tenho certeza que serei rápido quando aprender os macetes e quero aproveitar a fase importante que a Ducati do Brasil atravessará nos próximos anos”, seguiu, contando que recebe apoio da marca de Bolonha. 
 
“Estamos começando com esse projeto da Ilha de Man”, explicou. “Tenho certeza que o retorno será compensador e bons frutos virão no futuro. Mas conto também com o apoio de outras empresas, entre elas Pirelli, RaceTech, LS2 e muitas outras. O pessoal do Ducati Clube do Brasil também está me ajudando e eu serei eternamente grato por todo esse apoio dos amigos e familiares.”
 
Apesar do envolvimento de algumas empresas, o alto custo da aventura fez Paschoalin optar por uma forma diferente de arrecadar fundos. Por meio de um site de patrocínio coletivo, Rafael tenta arrecadar R$ 66 mil, o valor necessário para completar a verba da corrida. Pelo site, qualquer pessoa pode se tornar um patrocinador, adquirindo adesivos e camisetas, por exemplo
 
“Para essa prova tenho um custo mínimo de aproximadamente R$ 130 mil e os patrocínios não cobrem todo esse gasto”, contou. “Temos ainda alguns dias para concretizar a ação coletiva e eu espero que dê tudo certo, afinal, já vendi carro, bicicleta e pretendo ficar com meus filhos e namorada”, brincou o piloto. 
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