Opinião GP: Sobre o jornalismo que fazemos e por que falamos de coisas que não se relacionam ao automobilismo

É mais do que nossa função ser além de uma página de automobilismo. Porque é estranho demais quando todo mundo aqui se comove e se une em hashtags por vítimas fatais desconhecidas no Bataclan e parte da população comemore uma morte de alguém atuante no Rio de Janeiro

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LEMBRO BEM quando na sexta e última edição de ‘O Grande Estagiário’, programa de busca de talentos que o GRANDE PRÊMIO levava a cabo, decidimos que o tema de inscrição no concurso era ‘O automobilismo não é tudo’. Depois de anos e anos vendo projetos de jornalistas relatando amores e histórias relacionadas ao esporte, era hora de entender o que eles pensavam fora da caixa que ronca – principalmente porque, com o passar dos tempos, verificamos que a qualidade destes jovens caía vertiginosamente. Lembro melhor ainda quando uma das redações de um aluno iniciava corroborando a frase. “O automobilismo não é tudo… mas, para mim, sim”, e, então, seguiu-se um endeusamento comum de torcedor brasileiro.
 
Em uma redação simples, feita no conforto do lar, com tempo mais do que suficiente para pensar e repensar, reler, reler de novo e enviar, esta e outras 70% foram reprovadas na primeira fase. Ali se fazia uma série de alertas, mas a principal: se os estudantes de um curso tão vital quanto o de Jornalismo estão com este tipo de formação, falha em alguns dos casos e desinteressada em muitos outros, quem está na outra ponta, o leitor, também está passando pelas mesmas deficiências.
 
Também me recordo da aflição que foi a véspera do GP do Brasil de 2015. Atentados em Paris levavam à morte de mais de 120 pessoas. Nossa equipe, que estava naturalmente escalada para a cobertura do fim de semana em Interlagos, fez o noticiário do que havia acontecido com a repercussão imediata do mundo da F1, sobretudo os pilotos franceses. A notícia virou manchete no GRANDE PRÊMIO
 
Em um cenário dos mais importantes no nosso mundo, não houve quem fizesse qualquer objeção à conduta editorial adotada.
 
Estes dois pontos ajudam a compor o atual cenário do comportamento de parte do público brasileiro, com cognição falha – reportagem de Karina Yamamoto, do UOL, de 2016 revela que apenas 8% do povo entende e se faz entender, o que inclui a interpretação de texto – e desinteressada – grande parte das pessoas só lê as manchetes das notícias e/ou não observa as fontes, que acabam sendo compartilhadas aos montes e disseminadas como verdades quando muitas das vezes não são; atentem para o alto número de páginas e editorias existentes para checar as informações. E essa massa, em sua grande parte, critica e vocifera contra meramente quando convém, justamente numa situação bizarra: o que é alheio à nossa realidade é palatável; o que diz respeito a nós, brasileiros, só é aceitável se, e somente se, o leitor tiver uma posição favorável ao tema.
 
E, sim, não se pode negar que a qualidade do jornalismo tem interferência direta nesta formação de opinião. Se o leitor está baseando seu conhecimento numa leitura de manchete, aquelas que são tendenciosas e mal escritas só agravam e limitam o pensamento. O jornalista Leandro Demori, do The Intercept Brasil, há pouco concluiu o seguinte em seu Twitter, em uma thread de análise de chamadas feitas por jornais tido como isentos. “Não adianta ficarmos pavoneando por aí de que somos o grande guardião da verdade e dos fatos contra fake news. Estamos lidando com timelines muito velozes e ninguém está nem aí pro nosso conteúdo pra além de 1 ou 2 segundos. Pensemos nisso na hora de escrever manchetes.”
 
Isso tudo elucida o que envolve, neste ponto, a execução da vereadora Marielle Franco, do PSOL-RJ, e seu motorista, Anderson Gomes, na última quarta-feira. A história já é conhecida o suficiente, sobretudo no campo político ao qual ela pertencia, quais eram suas lutas e quem estava sob sua defesa. E, pois, quais foram as reações de quem estava do outro lado deste espectro político, do que se alimentaram em termos de notícias e de que se alimentam há muito tempo. Na última sexta-feira, em seu vídeo para o programa ‘GP às 10’, Flavio Gomes gravou um material de mais de 11 minutos sobre o assunto. Disse ele, em pontos que juntei: “É uma situação inaceitável neste país (…) que está dominado pelo ódio e pela intolerância (…), e hoje tem tanta gente pensando assim (…) que deixa a gente devastado com a perspectiva de futuro que vem por aí. Os comentários que se leem nas notícias dos grandes portais, de muita gente (…), são de perder a esperança, mesmo. O Brasil foi tomado de assalto por uma legião de pessoas – e isso eu estou falando de governo federal e de resultado de eleições, sim, aqui no Rio, em São Paulo, em outros estados e muitas cidades – (…) que não tem o menor senso de coletividade e humanidade.” 
 
Como acontece com todos os vídeos do ‘GP às 10’ – uma seção em que todos os jornalistas emitem suas opiniões, ou seja, destinadas a tal –, eles são embedados e viram uma notícia no GRANDE PRÊMIO, 10 da manhã ou 10 da noite, sendo replicados nas redes sociais. Este vídeo, que considero relevantíssimo para o momento, foi não manchete, mas um dos destaques principais da home da página. Tratou-se, como esperado, de um dos mais desgostados e que recebeu uma enxurrada de críticas. Só no Facebook, mais de 110 pessoas deixaram de seguir a fan page.
 
Pois duvido que grande parte destas pessoas tenha sequer visto o vídeo – já que se alimentam de manchetes. Não viram, pois, que em meio ao comentário, Flavio chegou até a pedir desculpas por justamente não estar falando de automobilismo. Então tem isso: ao verem que se tratava de um comentário não relacionado à natureza da página, passaram a criticar a esquerda que Gomes defende e ao teor político. Daí vieram as ordens no estilo “falem só de automobilismo”, “quando o site fala de política, é uma merda”, “limitem-se a escrever sobre o esporte”. 
 

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Estas pessoas formam a base do perfil do GRANDE PRÊMIO – 68% classe AB, 88% homens, em sua grande maioria brancos – e odeiam mesclar política com esporte; aliás, alguns deles até odeiam que se use 'pilota' para falar das mulheres… É um discurso padronizado e servil que foi visto recentemente em uma opinião publicada por Tiago Leifert na revista GQ, de que futebol não se mistura com política. Sabemos bem que TUDO nesta vida se mistura com política. Nós somos, aqui, em qualquer lugar, resultados de decisões políticas. Assim não é só o futebol, como todos os esportes.
 
Por política, Jacarepaguá morreu. Por política, Interlagos pode morrer. Mas se o GRANDE PRÊMIO, sem qualquer opinião, noticia o que tem acontecido com a tentativa de privatização do autódromo paulistano, a gleba de gente que brota para falar que “tem de privatizar sim, seus comunistas”, defende a ideia “porque vai melhorar e virar autódromo de primeiro mundo” e que vem criticar é altíssima.
 
Nenhuma das notícias sobre esta possível privatização, levada a cabo pelo futuro ex-prefeito João Doria (PSDB) e sua Câmara, tem qualquer adendo nosso falando que somos contra – e, sim, nenhum de nós que pertence ao site é favorável a esta ideia estapafúrdia; por mais que esteja explicado e se desenhe, este projeto de tentativa de desestatização não tem uma linha que garanta, de fato, a vida de Interlagos como complexo automobilístico, muito pelo contrário: há um plano de extinção do kartódromo para construção de um bairro residencial. Mas esta mesma gente, que nem de economia entende, está preocupada que o autódromo dê lucro.  
 
O mesmo leitor ainda há de resmungar sobre o que Marielle e seu motorista têm a ver com isso. Assim, também vale um comentário que o próprio Gomes ponderou no vídeo: “Quem conhece o pessoal do site sabe que a gente recebe o impacto de tudo que acontece no mundo, e não consegue ficar indiferente a isso… Mas isso aqui é apenas um vídeo, e a gente tem a chance de falar do que a gente quiser quando quiser.”
 
É mais do que nossa função ser além de uma página de automobilismo. Porque é estranho demais quando todo mundo aqui se comove e se une em hashtags por vítimas fatais desconhecidas no Bataclan e parte da população comemore uma morte de alguém atuante no Rio de Janeiro – e, lamentavelmente, grande parte dessa gente habita o automobilismo. Nós precisamos debater isso, praticamente desenhar até que se compreenda – e ainda que não concorde com o que esteja manifestado, que ao menos se promova um debate sadio de ideias, diferente do que está proliferado por aí. Como no tema da redação que propusemos tempo atrás, o automobilismo não é tudo. E para nós, tanto faz perder 110, 1.100 ou quantos seguidores forem, ou a notinha baixa que se dá à fan page: nós não vamos deixar de falar coisas que estão batendo na nossa cara com tamanha violência só porque A, B ou C não curtem ou não acham que política seja assunto. 

E, principalmente, aos que não gostam: não percam seu tempo pautando ou limitando o que o GRANDE PRÊMIO deve ou não falar: assim somos, sempre seremos. Nós vamos incomodá-lo quando for preciso e defender os pontos que consideramos justos e válidos a todos. Não queremos só grandes estagiários, mas grandes seres humanos. E se você, diante e depois de tudo, ainda julga que tudo isso seja irrelevante ou desnecessário, que pelo menos saiba que o problema não está no que a gente publica: está aí em você mesmo. Presente.

Marielle Franco (1979 – 2018)
Opinião GP é o editorial do GRANDE PRÊMIO que expressa a visão dos jornalistas do site sobre um assunto de destaque, uma corrida específica ou o apanhado do fim de semana de automobilismo.
 

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