Boesel lembra "assustadoras" 24h de Le Mans e aconselha Di Grassi e Senna: "Tem que usar a cabeça"

Campeão mundial de endurance em 1987, Raul Boesel disputou três vezes as 24 Horas de Le Mans e chegou em segundo na melhor dessas participações. Ao GRANDE PRÊMIO, o ex-piloto falou sobre a carreira nas provas de longa duração e sobre os dois pilotos que tentarão, neste fim de semana, vencer uma das mais importantes corridas do planeta: Lucas Di Grassi e Bruno Senna

90 anos de história, 80 edições realizadas e nenhuma vitória brasileira. Neste fim de semana, Lucas Di Grassi tem uma grande chance para se tornar o primeiro piloto nascido no Brasil a vencer as 24 Horas de Le Mans na classificação geral. O paulista fará sua estreia na prova no próximo sábado, às 10h (de Brasília), correndo pela Audi, que ganhou 11 das últimas 13 edições das 24 Horas, e terá a oportunidade de, ao menos, igualar o feito de Raul Boesel, segundo colocado em 1991 com um protótipo da Jaguar.

Boesel é o maior nome do endurance brasileiro. Após passagens pela F1 e pela Indy, o paranaense se mudou, em 1987, para o antigo Mundial de Endurance. A decisão não poderia obter em um resultado melhor: no fim do ano, ele conquistou o título do certame. No início de 1988, também conquistou outro feito importante, venceu as 24 Horas de Daytona, nos Estados Unidos.

As imagens da carreira de Raul Boesel, campeão mundial de endurance
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A mudança também permitiu a ele conhecer de perto a terceira das três maiores corridas do automobilismo mundial. Com dois GPs de Mônaco e duas 500 Milhas de Indianápolis nas costas, Boesel em Le Mans, em junho, pensando em vitória, é claro. Ele corria pela principal equipe da época.

Raul Boesel foi campeão mundial de endurance em 1987 e correu três vezes em Le Mans (Foto: Divulgação)

Ele já tinha consciência da importância daquela corrida, que comprende “vários significados que, somados, são indescritíveis”. Dentre eles, participar e representando uma grande montadora. Mas, ao se deparar com toda a estrutura montada para o evento, ficou impressionado. Ou melhor, assustado. “Na primeira vez que você chega lá é assustador. Na segunda vez, é assustador. E na terceira vez é assustador”, afirmou o ex-piloto e hoje DJ dos melhores em entrevista ao GRANDE PRÊMIO.

Além de Di Grassi, o outro brasileiro que vai correr na 81ª edição das 24 Horas de Le Mans é Bruno Senna. Fazendo sua primeira temporada com a Aston Martin, Senna venceu na abertura do WEC, as 6 Horas de Silverstone, e terminou em segundo lugar nas 6 Horas de Spa. Na classe GTE Pro, ele pode repetir o feito do paranaense Jaime Melo, que triunfou duas vezes em Le Mans.

“O Di Grassi é o que tem mais chances. Está em uma equipe que está indo com a responsabilidade e o potencial para lutar pela vitória. Entram como favoritos", opinou.

Senna concorda. “O Lucas tem uma ótima chance. Está com o melhor carro. A competição vai ser difícil, mas ele já provou em Spa que pode andar muito rápido e a corrida em Le Mans tem muitas reviravoltas. Desejo ótima sorte a ele e que a gente possa representar o Brasil bem”, disse ao GRANDE PRÊMIO.

“Antes da corrida, não penso nisso”, esquivou-se Di Grassi em conversa com a GRANDE PRÊMIO. “Claro que penso nisso, é um dos objetivos da minha carreira, seria o maior orgulho que eu poderia levar para o meu país. Sem dúvida, é uma meta, não para essa primeira”, declarou. Neste ano, o foco é ganhar mais experiência para chegar mais forte nas próximas oportunidades.

Até o dia da entrevista ao GP, Boesel não havia conversado com Di Grassi ou Senna. Ao falar, com a reportagem, porém, Di Grassi manifestou o desejo de pedir conselhos para o paranaense. “Acho que vou até conversar com ele, perguntar sobre a experiência dele. Seria algo que poderia acrescentar algumas coisas”, falou o piloto da Audi.

“É uma corrida em que você tem que usar muito a cabeça”, recomendou Boesel. “O trabalho de box é muito importante, tem muito mais variáveis que uma corrida de F1, chove em um lugar e não chove no outro, muito cuidado no tráfego e não perder tempo”, continuou. Além das variáveis técnicas, há também as variáveis físicas e psicológicas: “Ser constante o tempo todo, a fadiga pessoal, a fadiga do material, ao mesmo tempo em que você tem que ser rápido sempre, tem que ter um preparo físico para agüentar.”

Senna também demonstrou respeito pelo currículo e pela carreira que Boesel construiu. “Lembro mais do Raul Boesel pela carreira dele na Indy”, admite ele, que tinha três anos em 1987. “O automobilismo mudou muito, mas, com certeza, o Raul Boesel é um cara que teve sucesso, foi campeão mundial de endurance e, aqui no Brasil, isso é coisa super rara de ver. O brasileiro e o Brasil em si não têm cultura de corrida de longa duração, então o Boesel foi um dos pioneiros disso”, destacou.

Voltando ao passado: a primeira vez de Boesel em Le Mans

“[O mais impressionante] é a preparação. Não é só pilotar o carro. A Jaguar teve cinco carros em um ano, três pilotos por equipe. Para você ter ideia, tinha um motorhome pequeno para cada piloto, um motorhome só para a administração da equipe, outro só para o departamento médico, alimentação, massagem. Você fazia teu turno, tomava um banho, se alimentava, tirava a pressão, ia descansar e, 20 minutos antes, ia alguém lá e te chamava. Você se arrumava, fazia cinco minutos de bicicleta ergométrica para ficar bem alerta e ia para o box duas voltas antes. Isso só a parte dos pilotos”, descreveu. “Agora, tem a parte dos mecânicos, o que eles precisam para não ter fadiga, estar sempre atentos. Realmente, é monstruosa a preparação para uma corrida desse tipo.”

Ao GRANDE PRÊMIO, Raul Boesel lembrou sua experiência em Sarthe (Foto: Divulgação)

Dentro do carro, “é uma tensão constante” — Boesel empregou o termo “assustador” para se referir à sensação de pilotar pelos pouco mais de 13,5 km da pista de Le Mans e, especialmente, a reta Mulsanne. Até 1990, não haviam chicanes dividindo o trecho de 6 km de reta. “Agora tem duas chicanes, diminui um pouco o risco”, comentou Raul. “As áreas de escape não são como F1: o guard-rail do teu lado, rente à pista. Eu digo assustador porque as variáveis são diferentes em horários e lugares diferentes da pista.”

No primeiro ano, o piloto sofreu com uma dessas muitas variáveis. Pouco antes do amanhecer, o safety-car foi acionado para a remoção de um carro após um acidente na Mulsanne. A espera atrás do carro de segurança foi, possivelmente o maior desafio que Boesel enfrentou em Le Mans.

Ele narrou os momentos que viveu dentro do cockpit do Jaguar: “Começou a amanhecer. Eu andava a 360 km/h naquela reta, tive que começar a andar a 130 km/h, 140 km/h e começou a me dar sono. ‘Eu não vou chamar no rádio e falar para entrar outro piloto por que eu estou com sono’. Você está em uma posição confortável, relaxa. Começava a bater no capacete para acordar. Imagina, ia ser ridículo. Sabe quando você dá aquela pescada? Eu me lembro direitinho. Eu mesmo brigando contra o meu sono para não ter de fazer um pit-stop para trocar piloto sendo que ainda não era hora de trocar de pneu.”

“Quando você tá pilotando, virando tempo, ultrapassando, não dá sono. Mas quando você está devagar…”, adicionou.

Boesel, Eddie Cheever e Jan Lammers terminaram na quinta colocação em 1987, na prova vencida pela Porsche com Hans-Joachim Stuck, Derek Bell e Al Hobert. Em 1988, correndo junto de John Watson e Henri Pescarolo, o brasileiro abandonou.

Aguenta mais um pouco aí!

“Outra vez, estava andando à noite também, chovendo. Peguei o carro no finalzinho da tarde, na penumbra e à noite. Fazia 2h40 que eu estava no carro, pronto para sair, e o Eddie Cheever ia entrar. Eu estava virando bem rápido, disputando a corrida. Aí ele falou: ‘Deixa ele no carro porque até eu pegar o ritmo de corrida à noite e com chuva, vou ser 5s mais lento’. Uma volta antes de parar, ouço no rádio: ‘Stay in, stay in, [fique no carro]. Only tires and fuel, only tires and fuel [apenas pneus e combustível]’. E eu já estava meio que, psicologicamente, entregando o carro, tive que ficar por mais um stint”, relembrou.

Raul Boesel sempre representou a Jaguar em Le Mans (Foto: Divulgação)

1991: o grande ano

Depois de três anos, Boesel retornou a Le Mans para tentar, mais uma vez, conquistar a prova francesa. Ele chegou perto, bem perto, mas a Jaguar acabou derrotada pela Mazda na estratégia.

“Le Mans tem um limite de combustível para fazer a corrida toda. A gente usava um pouquinho a mais, 5%. A gente estava forçando para ver se eles quebravam, até que chegou uma hora em que a gente precisou tirar o pé para recuperar aquilo que estava gastando a mais. A vontade de ganhar foi uma frustração no fim da corrida. Sei que, se eles tivessem um problema, a gente vencia”, disse.

O endurance hoje

Boesel não acompanha mais de perto o que acontece nas corridas de longa duração. Segue as corridas pelos resultados e pelo noticiário, majoritariamente. Mas destaca a importância da existência de um Mundial de Endurance forte, como o que foi recriado pela FIA em 2012 após um hiato de quase duas décadas.

Ele se lembra da década de 1990, quando o Mundial de Endurance chegou a ficar tão forte quanto o Mundial de F1. “Na minha época, era bem mais competitivo, tinham várias fábricas. Mercedes, Porsche, um monte. Não só as de fábrica, mas as equipes satélites. E o que aconteceu naquela época? A categoria começou a ganhar tanta força que as fábricas começaram a ter mais interesse nesse campeonato do que na F1. Foi quando a FIA deu uma esvaziada no campeonato. O custo era o mesmo de uma equipe de F1 para uma fábrica, e o interesse estava mudando um pouco, tendo menos marcas pesadas na F1”, afirmou Boesel.

“Para as fábricas, é importante ganhar uma prova de longa duração e mostrar que a sua marca é competitiva, rápida e confiável. Os caras usam nas corridas e depois revertem para os carros. Se o carro pode andar 24 horas no limite, você consegue por isso, teoricamente, no carro de rua”, analisou.

Raul Boesel chegou em segundo lugar em 1991 (Foto: Divulgação)

Cara ou coroa: o título do Mundial ou a vitória em Le Mans?

A enorme importância das 24 Horas de Le Mans e das 500 Milhas de Indianápolis faz muitos preferirem o êxito nessas corridas em vez dos títulos dos respectivos campeonatos. Só que o pensamento de Boesel é diferente, ao menos com relação a Le Mans.

“Falando isso, parece que estou indo contra o meu feito, mas claro que seria o morango no topo do bolo ganhar o campeonato e ganhar as 24 Horas de Le Mans. Mas admito que participar das 24 Horas de Le Mans e ser campeão mundial, eu ficaria com o campeonato mundial”, afirmou. “O campeonato da Indy pelas 500 Milhas de Indianápolis, eu trocaria, mas não ser campeão mundial.”

E das três provas que compõem a Tríplice Coroa do automobilismo mundial, conquistada somente por Graham Hill, Boesel diz que, como piloto, sua preferência seria por uma vitória no GP de Mônaco. “Isso não tira o mérito e a importância das outras provas. Mônaco tem uma áurea, uma coisa diferente”, encerrou.

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