Na Garagem: Gomes, Amaral e Guaraná Menezes formam trio do Brasil em Le Mans

Há exatos 40 anos, Paulo Gomes, Marinho Amaral e Alfredo Guaraná Menezes formaram a primeira trinca de pilotos do Brasil a disputar as 24h de Le Mans. E o resultado do icônico trio foi sensacional: sétimo lugar na classificação geral

Em 1978, o automobilismo vivia tempos de entressafra no Brasil. Eram tempos esquisitos, com a equipe Copersucar-Fittipaldi conquistando o 2º lugar na primeira corrida de Fórmula 1 realizada em Jacarepaguá, mas ao mesmo tempo com o Ministério da Educação pressionando a Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) a acabar com as corridas a gasolina, incentivando o uso do álcool como combustível – o que viria a acontecer somente no ano seguinte.
 
Nesse fogo cruzado, uma aventura brasileira das mais espetaculares que se tem notícia aconteceu em território europeu, na França: há exatos 40 anos, entre os dias 10 e 11 de junho daquele ano de Copa do Mundo, como este, Paulo Gomes, Marinho Amaral e Alfredo Guaraná Menezes formaram a primeira trinca de pilotos do país a disputar as 24h de Le Mans, conquistando um histórico resultado na maior prova de longa duração do planeta.
 
Cabe lembrar que a tradição do país no Endurance internacional era pouca ou nenhuma. Tirando José Carlos Pace, nenhum outro piloto conseguiu grandes resultados ou não teve sequência. Vivíamos de feitos isolados como o de Bernardo Souza Ramos nos anos 1930 e posteriormente Nano da Silva Ramos, Fritz d’Orey (cuja carreira se encerrou após um grave acidente em Le Mans) e a trágica perda de Christian Heins, morto na prova de 1963.
 
A empreitada da trupe brasileira em Le Mans contou com o apoio do então presidente da CBA, Charles Naccache e teve início com os contatos do coordenador da equipe Gledson, Alain Vignais, com Claude Le Guezec, que fez a ponte entre os brasileiros e Monsieur Henri Cachia, dono de um esquema em que a estrela era um Porsche 935/77 A Turbo do Grupo 5. Na prova do ano anterior, o mesmo carro terminara em 3º lugar, pilotado por Claude Ballot-Lena/Jacques Borras/Peter Gregg.
 
Com verba de patrocinadores nacionais, obtida pelos pilotos e mais uma colaboração valiosa do empresário Odair Mondelo, a turma foi para a França, sendo então recebida por Olivier Chandon, herdeiro da família fabricante da champagne que virou a bebida da vitória no automobilismo e que correra de Fórmula VW 1600 na corrida de homologação de Jacarepaguá para a Fórmula 1.
Porsche 935/77 número #41 do trio Paulo Gomes, Marinho Amaral e Alfredo Guaraná Menezes em Le Mans (Foto: Reprodução)
Antes das 24h, porém, o cicerone não se fez de rogado e, levou a rapaziada – meio sem jeito, já que não tinham a roupa apropriada para a ocasião – numa festa na Riviera onde o jet-set imperava. E o uísque também. O saudoso Marcus Zamponi, o querido Zampa, contou certa vez que Paulo Gomes, não se sabe se já meio “alto” ou não, ao tomar conhecimento de que a linda Catherine Deneuve, a Sèverine do filme “A bela da tarde”, de Luis Buñuel, estava na festa, começou a bradar: “Catarina? Que Catarina?”
 

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O que se sabe é que, para delírio da turma, Paulão não se fez de rogado e deu aquela apalpada no derrière de la Deneuve. Pano rapidíssimo…
 
Voltando à corrida, o Team ASA Cachia foi rebatizado como Cachia Team Pace, uma maneira bonita de homenagear o Moco, José Carlos Pace, falecido em março de 1977 num desastre aéreo e que, em sua única aparição em Le Mans, foi vice-campeão em 1973. 
 
No primeiro contato dos pilotos com o monstro de 1025 kg, câmbio de quatro marchas, motor 3 litros com um único turbo, pneus enormes nas rodas traseiras, muita pressão aerodinâmica e com cerca de 700 HP de potência, o primeiro susto. Marinho Amaral, que vinha das corridas de Divisão 1, com Opalas e Mavericks pouco mexidos e pneus Pirelli CN36, começou virando em 4min24seg, dezessete segundos mais lento que Alfredo Guaraná Menezes, outro que, apesar de ser reconhecidamente um dos mais talentosos pilotos em atividade no país, também tinha que se adaptar às manhas do carro.
 
Monsieur Cachia interveio e, sutilmente, pôs pressão nos brasileiros, ameaçando efetivar Claude Ballot-Lena, um dos pilotos de 1977, como titular. Afinal, era o nome de sua equipe que estava em jogo. A resposta veio rápida. Marinho melhorou muito seus tempos e logo virava em 4min04seg2, enquanto Guaraná fazia a pista em 4min01seg4. A Paulão Gomes, coube a classificação e o Porsche ficou com a 23ª posição entre 55 carros classificados – tempo de 3min59seg5.
 
No início da disputa, Paulão estava no comando e nitidamente empolgado. Tanto que na primeira volta passou em 18º, logo recebendo de Henri Cachia, o dono do esquema, a orientação de dar uma ‘maneirada’. O piloto entendeu o recado e caiu para a vigésima-oitava posição ao fim da primeira hora.
 
A estratégia da equipe era simples: fazer o mínimo possível de reabastecimentos, evitar grandes problemas mecânicos e levar na manha, já que o grande favorito do Grupo 5, o Porsche 935/78 de Manfred Schurti e Rolf Stommelen, apelidado “Moby Dick” por possuir aerodinâmica refinada, que fazia o carro passar de 330 km/h no retão Les Hunaudières, teria graves problemas de consumo de combustível.
 
Deu certo: na metade da disputa, no fim da madrugada, o Porsche 935/77 número #41 já aparecia em décimo-primeiro, logo subindo para o top 10 no início da manhã. O maior susto apanhado durante a prova foi com Marinho Amaral, quando um dos pneus do carro estourou e o piloto, apesar de sua inexperiência com um carro muito mais potente que seu “Maveco” aqui no Brasil, teve calma e controle para levar o carro ao boxe e processar a troca.
A trinca brasileira conquistou um sétimo lugar no geral em Le Mans (Foto: Reprodução)

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A equipe também era competente e nada mais daria errado até a quadriculada. O resultado foi sensacional: sétimo lugar na classificação geral, com 329 voltas completadas, quarenta a menos que os vencedores Didier Pironi/Jean-Pierre Jaussaud, com um protótipo Alpine A442 de motor Renault Turbo. 

 
E na categoria, o desempenho foi ainda melhor: segundo lugar, sete voltas atrás de um outro Porsche 935/77 A Turbo inscrito pela Kremer Racing para Jim Busby/Chris Cord/Rick Knoop. No fim das contas, os brasileiros chegaram mesmo à frente do Porsche “Moby Dick”, oitavo na geral e terceiro na categoria.
 
Apesar do feito histórico, nenhum dos três seguiu carreira lá fora. Paulo Gomes já tinha inclusive andado na F-3 inglesa em 1976 e se tornou um dos maiores nomes da Stock Car brasileira. Alfredo Guaraná Menezes, falecido ano passado em virtude de uma doença no fígado, conquistaria dois títulos da Fórmula VW 1600, ganharia a Fórmula 2 Brasil e seria depois uma espécie de mentor do início de carreira de Hélio Castroneves no automobilismo. Marinho Amaral morreu cedo, no final dos anos 1980.
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