30 anos depois, Frank Williams relembra primeiro teste de Senna na F1: "Ele já era muito especial"
Em entrevista exclusiva ao GRANDE PRÊMIO, Frank Williams falou sobre o dia 19 de julho de 1983, quando Ayrton Senna andou pela primeira vez em um carro de F1. O inglês destacou a destreza do então novato nas negociações e disse que o tricampeão “seria facilmente presidente do Brasil”
"Ele já era muito especial", diz Frank Williams, sem hesitar. Dono da terceira equipe mais vitoriosa do Mundial de F1, o inglês admira a capacidade de Ayrton Senna desde o dia em que deu ao brasileiro a primeira chance para guiar um carro de F1. Isso foi há exatamente 30 anos, em 19 de julho de 1983, em uma terça-feira nublada no circuito inglês de Donington Park.
Campeão da F-Ford e destaque da F3 Inglesa, Senna estava somente procurando uma vaga para estrear na F1 na temporada 1984, mas já impressionava, por suas atitudes e sua postura dentro e fora da pista. A expectativa em torno dele era grande ao ponto de a TV Globo enviar uma equipe à Inglaterra somente para acompanhar essa atividade.
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Em Donington, Ayrton completou 35 voltas, o suficiente para deixar Williams “bastante inclinado a assinar com ele”. “Ele foi muito bem no teste em Donington”, elogia Frank, falando com exclusividade ao GRANDE PRÊMIO.
Os detalhes daqueles primeiros contatos com o brasileiro continuam bem vivos na memória do britânico de 71 anos. “Ele não pilotou o carro muito. Deu apenas 35 voltas. Eu achei que ele queria fazer 150.”
“[Mas] ele foi muito rápido. Marcou um tempo competitivo com o que, cinco voltas? Fez um tempo muito especial para aquele carro e, depois de mais 30 voltas, falou ‘OK, obrigado’. Achou que o carro tinha ido o mais rápido que podia, ou então queria levar a namorada para almoçar, não tenho certeza, e foi embora”, relata.
Na mesa de negociações, apesar de ser só um novato de 23 anos chegando à elite do automobilismo, pedia alto e se portava como um piloto de primeira linha. Williams não poupa os adjetivos para falar bem da destreza de Senna nas negociações. Inteligente, decidido, persuasivo, duro, um homem que pensava de maneira muito lógica. “Era um homem de negócios”, resume. “Quando ele veio até mim, tinha atitude e um senso do valor dele no mercado. Esse era o preço dele. Eu tentei explicar que ele era novo e ainda tinha muito para provar, pilotos novos costumam bater carros, a velha história, e acho que chegamos muito perto de um acordo”, conta.
O acordo com a Williams não deu certo. Nem com a Brabham, nem com a McLaren, outras escuderias que chegaram a conversar com ele há 30 anos. Senna foi mesmo para a modesta Toleman, pela qual subiu ao pódio três vezes em 1984. “Eles precisavam mais do Ayrton do que o Ayrton precisava deles. Mas ele achou o que ele precisava para o próximo passo da carreira dele”, avalia Williams.
O dirigente também admite que, se ele e Senna tivessem fechado um contrato naquele momento, a parceria não teria sido das melhores. Frank imagina inclusive o que teria acontecido no primeiro teste do brasileiro como piloto titular, em 1984. “Eu acredito que ele daria dez voltas no carro, se levantaria, olharia para mim daquela maneira que ele tinha de olhar e diria: ‘Esse é o pior carro que já pilotei na minha vida’”, brinca.
“Foi um carro terrível, o de 1984. Não devia falar isso, mas era, marcou poucos pontos. Se ele tivesse assinado para 1984, teria sido um tanto infeliz. 1985, a história seria um pouco diferente, mas o carro de 1984 não era bom.”
Em 1984, Keke Rosberg e Jacques Laffite marcaram apenas 25,5 pontos, deixando o time na sexta posição no Mundial de Construtores. No ano seguinte, com Rosberg e Nigel Mansell como pilotos, essa quantia cresceu consideravelmente, e a Williams fechou a temporada com 71 pontos e na terceira posição entre as equipes.
Foi só dez anos mais tarde que Williams e Senna finalmente rubricaram os mesmos papéis. No fim de 1993, o brasileiro decidiu trocar a McLaren, time pelo qual conquistou seus três títulos mundiais e 35 de suas 41 vitórias, para se juntar àquela que era a mais forte da F1 no início da década de 1990.
Segundo o dono do time de Grove, apesar do tricampeão ser, naquele momento, muito maior do que era em 1983, não mudou muito no que diz respeito à postura nas negociações: “A mesma aproximação inteligente, persuasiva, sempre consciente do valor dele. Tinha uma maneira de olhar para mim, levantando uma sobrancelha mais do que a outra, dizendo que ele sabia que eu sabia que ele não estava acreditando no que eu estava falando. Que era besteira. A amizade ajudou um pouco, mas ele era um homem de negócios mesmo. Um grande negociador.”
A diferença é que, dessa vez, Senna necessitava e muito da Williams. “Ele precisava estar em um carro competitivo. O preço que ele estava disposto a pagar, ao menos para a primeira parte do contrato, era aceitar o que estava na mesa. Quando a primeira parte expirasse, ele certamente me pegaria pelo pescoço. Mas nunca chegamos lá”, afirma, demonstrando tristeza no tom da fala.
O brasileiro morreu em decorrência de um acidente na terceira corrida que fazia com a Williams, o GP de San Marino de 1994. Falar da morte de Senna levou Williams a destacar o carisma e a popularidade do piloto, principalmente no Brasil. O inglês acredita que já havia sido criado um mito, uma aura em torno de Senna “antes mesmo de ele morrer”.
“Foi um grande impacto para o Brasil, não foi? Fui àquele funeral. Você não pode acreditar o que foi aquilo. Ele teria sido presidente do Brasil pelo tempo que quisesse, provavelmente. Era muito especial”, exalta.
“O carisma dele, a presença de espírito… Era um homem muito centrado e tinha um dom muito especial, inquestionavelmente, dentro e fora do carro”, completa o homem que colocou Senna em um cockpit de F1 pela primeira e pela última vez.
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