Adeus a Eddie Jordan é aceno de despedida de geração que vestiu amarelo para amar F1
Aos que nasceram entre a segunda metade dos anos 1980 e o começo da década de 1990, despedir-se de Eddie Jordan é fechar livro de F1 que não existe mais
O ano era 1999. Para assistir às transmissões na TV brasileira, pela Globo, era necessário acompanhar as inserções comerciais do Banco Real e da Chevrolet, que tentava vender o novo Corsa 2000 com um engenheiro dançando, e a nova televisão de tela plana da Phillips, numa paródia de filme de horror. Quando a corrida vinha à baila, as figurinhas eram outras: a McLaren de Mika Häkkinen, o atual campeão, e toda a questão sobre quando Michael Schumacher conseguiria tirar a Ferrari de incômoda fila que já durava 20 anos. Mas havia outra protagonista, mais distante, é verdade, mas tão querida quanto. Era a Jordan, a primeira paixão de toda uma geração.
O amarelo vibrante ajudava, escuro e cheio de vida, com uma compreensão do uso de cores e logos de patrocinadores poucas vezes visto na Fórmula 1. A marca de cigarros Benson & Hedges, escrito em branco num bem desenhado plano preto estabelecido na lateral do carro, assim como na asa dianteira, era um espetáculo, como o ajuste da financeira MasterCard, que moldou o seu vermelho e amarelo para vermelho em laranja para que ficasse visível. As duas bolotas em intersecção da marca dos cartões aumentava a quantidade de formatos naquele layout. Ainda havia a abelha desenha nos lados do bico, como quem abençoava a asa dianteira. Em 1997, por exemplo, fora uma cobra, com os dentes e tudo. E as listras pretas representando as vespas barulhentas atrás da tampa do motor.
A Jordan tinha o carro mais lindo do mundo em 1999, como já era há algum tempo. Mas havia um adendo: era rápido. A equipe, irlandesa como o dono Eddie, vinha do grande ano dela em 1998, com a primeira vitória da história, conquistada por Damon Hill na Bélgica. Mas em 1999 o carro era melhor e a aparência também. O carro de 1997 era amarelo demais; o de 1998, preto demais. O de 1999 alcançara um equilíbrio quase alquimista.
E tinha Heinz-Harald Frentzen, que chegava após decepção na Williams e assumia o lugar de Ralf Schumacher, embarcando no caminho contrário. O nome Heinz-Harald Frentzen, complicado na mesma proporção que musical de ser pronunciado, era o ponto de exclamação no carinho adquirido. Conforme Frentzen vivia a apoteose da carreira, vencia duas vezes, fazia pole e colocava Hill no chinelo, a Jordan, numa quimera da velocidade, sonhava até com o título.

Que não veio. A realidade, com vocação estúpida de ser, ora, realista e atropeladora de sonhos, fez a Jordan terminar em terceiro no Mundial de Construtores, mesma posição de Frentzen entre os Pilotos.
Mas faça esse exercício. Feche os olhos por um instante e transporte a sua memória e a paixão pela F1 de volta à 1999. Lembre do que viu. Lembre daquele mundo que discutia a virada do milênio assustada pelo bug possível, pelo alcance ao futuro por tanto tempo aguardado. Transponha-se ao mundo dos pagers, ao grande ano do cinema moderno… Lembre do que você fazia. Para quem nasceu entre a segunda metade dos anos 1980 e o comecinho dos anos 1990, lembre da liberdade de ser o que quiser e ter o mundo a seus pés mesmo quando o que existia, de fato, eram apenas pés descalços.
O que você lembra da F1? Da lesão de Schumacher, a perna quebrada que o tirou de circulação? Do duelo entre Hakkinen e Eddie Irvine? Não, eu duvido.
De olhos fechados, você lembra daquele monstro amarelo fosco cruzando as pistas do mundo. Lembra de Frentzen, do nome que de tão inesquecível virou torcida.

Você lembra da Jordan. Há uma geração inteira que fecha os olhos e lembra da Jordan. Que viveu a torcida por aquele time inesquecível, com alma de seresteiro e carisma de adorável trovador. Aquela F1, do romantismo dos que desafiavam a realidade com virtudes absolutamente quixotescas, fez florescer uma multidão de convencidos Sanchos Panças, dispostos a aceitar que talvez a realidade possa, sim, ser derrotada. Certamente pode ser encarada.
A Jordan nunca foi campeã e nunca mais repetiu os gloriosos anos de 1999 ou 1998. Foi caindo, vítima duma F1 cada vez mais sofisticada e cara nos anos seguintes, até sair de cena de vez, em 2005.
Carismático contador de histórias, habilidoso empresário e dono de personalidade tão forte quanto singular, Eddie Jordan morreu nesta quinta-feira (20), após longo período doente. As homenagens vêm de todas as partes: dos pilotos que lançou, como Rubens Barrichello e Ralf Schumacher, aos que comandou, como Hill e Frentzen, até gente que compartilhou a F1 com ele, caso de Adrian Newey, e os atores atuais do espetáculo.
Para toda uma geração, hoje entre 30 e 40 anos de idade, o adeus a Eddie Jordan é o fechamento do livro daqueles anos 1990. Do descobrimento do esporte e das primeiras paixões. A Jordan e o sonhador que a criou agora se juntam a uma F1 que não existe mais e que tampouco deixou vestígios.
Mas a F1 afetiva da tenra idade, dos primeiros sonhos e amores, da construção do eu pelos meus, pelos nossos próprios olhos, vira para sempre um destaque da biblioteca da memória. Nela, é só fechar os olhos, porque lá de longe, de imediato, vem vindo a Jordan amarela e preta, Frentzen no volante, cruzando a reta das recordações com a eternidade como destino da bandeirada.
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