Coluna Apex, por Andre Jung: Torcendo e distorcendo

Queremos ver pilotos audazes, que não desistam facilmente, que disputem freadas e inventem ultrapassagens. No Canadá, Felipe fez sua melhor prova em muitos anos. No Canadá, Felipe Massa orgulhou sua grande torcida

Torcer é bom. Já dizia o poeta: qualquer coisa que se sinta. Nessa nossa sociedade cada vez mais embrutecida, um pouco de emoção sempre ajuda a colocar novas cores no panorama cinzento. Claro que não estou tratando aqui dos fenômenos doentios causados por torcidas doentias. Estou falando de coisas simples, quando movemos nossos anseios em prol de ver nosso objeto de afeto ter caminhos abertos para conquistar seu objeto de desejo.

É assim quando torcemos por nossos filhos no vestibular, por nosso calouro favorito no programa de TV, nosso político, nosso time do coração, ou, por que não, um piloto de F1. Na coluna passada, comentei sobre minha torcida por Jackie Stewart. Também fui torcedor fervoroso de José Carlos Pace e Nelson Piquet. No automobilismo nacional, torcia por Alfredo Guaraná Menezes e Pedro Victor DeLamare.

Ao torcer, corremos o risco de ganhar junto ou perder junto; ao dividir a causa, somos mais que apenas nós mesmos. O mítico Ayrton Senna soube como poucos motivar sua torcida: além de ser um ganhador contumaz, era místico, enfrentava a FIA, empunhava a bandeira brasileira e conduzia seu enorme público a apoiá-lo nas pistas ou nas batalhas que travava fora delas.

Quando garoto, torcer por meus pilotos favoritos era algo quase visceral, sofria e me alegrava em sintonia com os resultados de cada prova. Dormia cheio de ansiedade, fazendo preces e rogando êxito aos meus escolhidos. Quando Jean Pierre Jarrier apareceu se arrastando na curva do Sargento, no longínquo ano de 1975, das arquibancadas achei que minhas preces estavam sendo atendidas. Sim, eu também tinha minha parte na linda vitória do Moco, um dos momentos de maior felicidade que colecionei até aqui.

Torcendo e distorcendo (Ilustração: Marta Oliveira)

Mas a juventude foi embora, e com ela também um bocado da ingenuidade que me levava a tanta identificação com aquelas pessoas de quem pouco sabia. Depois, passei a comentar corridas e fui deixando esse negócio de torcer para o meu Palestra.

No automobilismo, minha torcida é difusa: não elejo um favorito a priori, o que costuma acontecer é que a dinâmica da prova, em conjunto com algumas outras empatias me levam a torcer às vezes pelo Kobayashi, às vezes pelo Button, às vezes pela Williams, às vezes pela Force India… Torcer instantaneamente, sem vínculo nem compromisso — se der errado, dane-se.

Torcida e isenção não são boas companheiras, daí que não sou fã de narrador torcedor, nem de comentarista torcedor: ao torcer, distorcem. Mas a performance do artista, quando nos empolga, produz essa mágica que nos leva a torcer.

O GP do Canadá cumpriu à risca sua tradição de provas emocionantes, a resistência dos Mercedes finalmente cedeu e pudemos ver uma disputa feroz pelos primeiros lugares. Entre os protagonistas estava Felipe Massa; correndo de forma agressiva num carro bem acertado, lutava nas voltas finais pelo tão almejado pódio. Para acrescentar uma nota dramática, fazia prova de recuperação, mais uma vez prejudicado pelos inconstantes pit-stops da Williams. Tivesse feito uma parada regular, estaria na frente daquele grupo pronto para abocanhar o espólio das Mercedes.

No estúdio da Rádio Globo, onde estava a comentar como convidado, era latente a emoção despertada pela performance de Felipe Massa — estávamos todos torcendo por ele.

Quando do acidente, para além de decepção, despertou-se nas mídias sociais (detesto essa expressão) um caloroso debate eivado de adjetivos maldosos sobre o acidente do piloto brasileiro. Os que “torcem" contra Massa se esmerando numa agressividade insana que caberia num estudo sociológico. A verborragia é uma patologia muito significativa de uma sociedade doente. O resto é essa falta de juízo e respeito comum.

As Red Bull tinham acabado de passar a Force India em apuros de Sergio Pérez, última volta, Massa viu a oportunidade e lançou o ataque. Quando Sergio tentou reagir, não havia mais tempo para Massa tirar o carro. A análise que demonstra, por vetores, a linha de Massa, Vettel, e que o brusco movimento de Perez à esquerda foi o que levou os comissários a punirem o mexicano.

A temporada de Felipe não está fácil, em apenas sete provas já foi vítima em acidentes nos treinos e corridas, além das corriqueiras vaciladas em pit-stops. Pontos são importantes, mas não são eles que enchem os olhos e motivam o coração. Queremos ver pilotos audazes, que não desistam facilmente, que disputem freadas e inventem ultrapassagens. No Canadá, Felipe fez sua melhor prova em muitos anos. No Canadá, Felipe Massa orgulhou sua grande torcida.

Enquanto isso…

…a Ferrari estreou um novo pacote no Canadá que não produziu grande efeito…

…num campeonato de motores, muito mais importante foi o ganho de potência verificado nos carros com motor Renault…

…tradicional fabricante de potentes motores de combustão interna, a Ferrari parece desconfortável para lidar com tecnologias híbridas…

…e até o GP da Áustria, que eu vou ali torcer pra Seleção. Detona, Felipão!!!

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