Coluna Superpole, por Victor Martins: Honra e vendetta

A cabeça de Fernando embolou. Porque mandar naquele pedaço já era habitual. E não se tem como mandar em Kimi. Não se manda, aliás, na casa de Luca: só se finge que tem poder, mas se obedece e sem tem juízo. A certeza de tudo isso, Fernando teve em 10 de setembro, 46 dias depois do ato inicial. A vendetta de Luca se consumou em um mês e meio

 
Sexta, 26 de julho. Já caía a noite e ninguém estava lá muito preocupado em fazer coisa além de sentar nos restaurantes das esquinas famosas pelas moças formosas de Budapeste, jantar e tomar umas boas cervejas geladas para amenizar o calor do ápice do verão europeu. Os poucos que restavam ali no autódromo da cidade depois daquele primeiro dia de treinos livres não muito chamativos deixaram a sala de imprensa rumo ao paddock e resolveram ir pela saída alternativa, passando pelas mansões das equipes. Uns não tão cansados ali viram um movimento esquisito e ergueram as sobrancelhas no espaço entre os motorhomes da Mercedes e da McLaren. Não era nada normal Luís estar lá. Porque Luís, teoricamente, não tinha o que fazer lá.
 
Luís conversava com Christian a respeito de seu cliente e dos bons serviços que poderia prestar na vaga aberta para o ano que vem com a saída de Mark. O currículo que passou era extenso: pró-ativo, líder, incentivador e vencedor, com destaque para o domínio de quatro línguas e a destreza para se encaixar no perfil da empresa e alavancar o marketing. Luís estava ali, também, com uma outra intenção: mostrar-se àqueles poucos mancebos da imprensa. E em tempos de informação na velocidade da luz, o dia seguinte amanheceu pouco preocupado com a definição do grid de largada, mas com as manchetes apontando o interesse de Fernando em vestir o macacão da Red Bull. Se era para causar, conseguiu.
 

Ardiloso, Fernando guiava levando no bolso o pino da granada que havia tirado e se esquivava logo com queixas sobre o carro que não lhe levava além do quinto ou sexto lugares. Talvez o reinante Fernando não calculasse o quão terrível seriam as consequências. Agindo na calada por meio de seu representante, não esperava que as verdades surgissem às claras tão rapidamente. Na segunda de manhã, depois de mais um mau resultado, foi chamado à sala de Luca para tomar um pito que se tornou conhecido mundialmente.
 

Felipe precisava de umas férias e sabia como iria curti-las: conversando consigo. Aquela situação lhe era familiar: estar na Hungria, o país onde nasceu de novo, precisando de resultados e boas performances sem ter o mais decente dos carros. Daí, logo depois da largada, seu ponto alto nas corridas, envolveu-se em um toque e perdeu parte da asa, tirando-lhe desempenho. Mais um revés para botar na caixa cerebral e trabalhar, e rezar para que a Ferrari tivesse novamente a paciência de vê-lo renovado para tentar renovar por mais um ano. Provavelmente alheio, espantou-se com o puxão de orelha no colega de trabalho mais famoso e sorriu: se aquilo estava acontecendo diante de seus olhos, sonhar com um 2014 vermelho era crível.

 
Ao largo estava Nico. Batalhador e quase assalariado, teria muito mais do que reclamar e refletir. Porque sentou na Williams e sofreu, apesar daquela pole em Interlagos. Ganhou como recompensa um ano sabático, coitado. Esperou sua chance voltar pelas mãos da Force India, que não fez um carro tão bom quanto o do ano anterior. E ainda assim quase ganhou, de novo na pista paulistana, não fosse um incidente. Aí já estava assinado com a Sauber, que vinha de sua melhor temporada na história. Mas, coitado de novo, essa Sauber cor de nicotina com alcatrão lhe remeteu aos piores tempos de Williams. No seu currículo popular, pode-se acrescentar como característica que se trata de um azarado. Com direito a doutorado e PhD em zica do pântano. 
 

A vida severina de Nico estava para mudar em Budapeste. Só lhe restava esperar o chamado para comparecer ao motorhome duplo da Ferrari. Era conferir o básico para pôr a assinatura no papel. O convite não veio. Gelou quando soube do microcosmo à volta. 

Stefano não curtiu o que Fernando fez, abraçou e afagou Felipe o máximo que pôde e deixou Nico no aguardo agonizante. Mas Stefano, naquele estágio, já não era mais nada. Não seria ele o responsável pelas decisões e pelos próximos atos. Stefano foi encolhido pelo ego atiçado e remexido de Luca. A cólera travestida do presidente não tolerou Fernando e sua quase insubordinação. Ninguém pode estar descontente no mundo Ferrari e ir procurar a casa do vizinho para comer um spaghetti mais saboroso e nutritivo, é o lema adaptado de Luca, que havia de mostrar quem era maior em Maranello, nem que pra isso evidenciasse um erro catastrófico de um passado recente.
 
Luca pediu para Stefano enrolar Nico e Felipe enquanto reatava os contatos com Kimi. Kimi é o anti-Fernando na personalidade, mas um outro Fernando na pista. E Fernando não sabe muito bem lidar com Fernandos. Nem a Ferrari sabe. Mas havia uma lição a ser passada e um castigo a ser aplicado. Kimi estava à vontade na Lotus, só que a falta de vitórias até poderia voltar a lhe tirar a vontade de correr na F1. A isso se soma o fato de estar na mesma situação financeira de Nico – e provavelmente Kimi só viu tanto dinheiro antes quando foi pago por aquele mesmo Luca para não correr em seu time a partir de 2009. Sem rancor e sem memória, Kimi caga e anda para o que houve antes e não haveria de colocar como obstáculo a um retorno.
 

Kimi só fazia o papel que sabe bem, o de alheio ao mundo, sabedor de que só tinha de esperar Felipe correr as duas provas que a Ferrari lhe deu de bandeja. Felipe foi mais do mesmo, a Ferrari honrou a palavra de não anunciar nada em Monza, onde Nico brilhou. Mas tudo estava acertado. Uns daqueles poucos jornalistas de Budapeste se juntaram a outros tantos para revelar a volta triunfal de Kimi, enquanto Nico ouvia de seu empresário a mensagem recebida pelo celular, o SMS do não, o não outra vez batendo com força na cara. Foi o que Felipe ouviu logo depois e se viu responsável ao contar ao mundo pelas redes sociais.

A cabeça de Fernando embolou. Porque mandar naquele pedaço já era habitual. E não se tem como mandar em Kimi. Não se manda, aliás, na casa de Luca: só se finge que tem poder, mas se obedece e se tem juízo. A certeza de tudo isso, Fernando teve na terça, 10 de setembro, 46 dias depois do ato inicial. A vendetta de Luca se consumou em um mês e meio e nada mais.

E a vendetta de Luca pode tirar Felipe da F1, acrescenta mais um asterisco ao malogro de Nico, suga o ar monarca de Fernando e reconduz Kimi ao estrelato. E vai mudar muitas outras vidas no ano que vem, certamente. Na sua casa, há de conviver intrinsecamente com o clima entre feras do mesmo patamar que vão provocar um maniqueísmo: ou formarem a melhor dupla anti-Ferrari possível para brigar com Sebastian e Daniel ou se consumirem até as chagas ficarem expostas prestes a desmoronar a casa italiana. Quando Fernando se desencostar do ombro amigo de Luís, vai começar a preparação – ou para a guerra ou para devolver o que Luca lhe fez.

 
Luca pegou a granada de Fernando e duplicou sua potência. Em 2014, o presidente vai jogar para cima para ver onde vai estourar com alta capacidade de atingir tantos outros inocentes. E mesmo se explodir sobre si mesmo, não vai se importar. Um homem vingado se satisfaz com a honra da vitória momentânea.
 
***
 
Q1: Felipe e Nico brigam por um ou dois lugares? Se a Renault ressurgir, quem tende a sair como derrotado indireto da vendetta de Luca é Romain.
 
Q2: A última vez que a Ferrari teve dois campeões em sua esquadra foi há seis décadas, com Giuseppe e Alberto. 
 
Q3: O mais interessante que se teria a fazer hoje é se Bernie acabasse com o campeonato e desse a quarta taça a Sebastian o quanto antes. Todo mundo quer 2014.
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