Coluna Warm Up, por Flavio Gomes: Betão

E fui ver a Piscina, e foi a primeira vez que vi umas meninas fazendo topless. A gente, que é meio caipira, fica fingindo normalidade diante das peladonas, mas no fundo não consegue disfarçar uma olhada nos peitinhos ao sol. Vocês são bem sem-vergonhas

Como anda a vida de príncipe? Verdade que seu título oficial é Sua Alteza Sereníssima o Soberano Príncipe de Mônaco? Li na Wikipedia. Que viadagem, hein, bonitão? E como anda o casamento? Demorou, mas casou, né? E então? Nada de filhos? Com ela não, né, malandrão? Pois é, vi que você já deixou seu DNA por aí. Um menino e uma menina. Olhe por eles, rapaz.

Mas não é da sua vida pessoal que quero falar, não. Cada um cuida da sua. Estou lembrando aqui de seu pai, Rainier. Quando fui a Mônaco pela primeira vez, fiz questão de fazer aquilo que todo mundo que gosta de corrida faz: dar uma volta a pé pela pista. Acho legal deixar tudo aberto para o povo se divertir. Também, não podia ser de outro jeito. O trânsito fica uma maluquice, mas ninguém reclama. É só playba desfilando de carrão. Uma vez, consegui entrar na garagem de um daqueles hotéis lá no alto, acho que o Hôtel de Paris. Contei 17 Ferraris estacionadas. Não é pra mim, pensei.

Sabe de uma coisa engraçada? Nesses anos todos nunca me hospedei na sua terrinha. Caro demais. Lamento. Ficava em Nice, ou em Menton, ou ainda em Villefranche-sur-Mer. Uma vez arrumei um quartinho em Cap-d’Ail, também. Tinha alugado um Peugeot conversível. Bom demais. É tudo pertinho, e sabendo os caminhos não é perrengue nenhum chegar de carro. Se bem que nas últimas vezes nem carro precisei alugar. Doze minutos de trem de Menton, estação quase dentro do circuito, mais rápido e confortável. E muito melhor do que parar o carro naquela garagem debaixo do morro onde ficam os caminhões, longe pacas, principalmente na volta, em subida. E ainda economizava uma grana.

Mas eu dizia que na primeira vez que fui a Mônaco fui dar uma volta a pé. Na verdade, há uma imprecisão aqui. Na primeira vez que estive por aí, não era semana de corrida. Era julho, eu estava de férias com minha namorada. E fui ver a Piscina, e foi a primeira vez que vi umas meninas fazendo topless. A gente, que é meio caipira, fica fingindo normalidade diante das peladonas, mas no fundo não consegue disfarçar uma olhada nos peitinhos ao sol. Vocês são bem sem-vergonhas. Então, a história que quero lembrar a você, sobre seu pai, é da segunda vez em Mônaco, mas a primeira para cobrir uma corrida.

Lá ia eu percorrendo a reta dos boxes quando passei em frente ao prédio onde vocês montam aquele camarote para assistir à corrida. Eu tinha chegado vários dias antes do GP e já estava tudo pronto. Sempre tive curiosidade sobre aquele prédio e seus moradores. Nem é um negócio muito luxuoso. Um bom edifício, com um agradável recuo no jardim da entrada. O único lugar onde dava para colocar aquele negócio, no fim das contas. Então parei e toquei o interfone. Tinha lá um sujeito na portaria que veio falar comigo e contou uns casos interessantes. Falou, por exemplo, que seu pai nunca ficava lá depois que começava a corrida. Saía de fininho, pegava o elevador e subia no apartamento de um amigo onde via tudo da janela comendo amendoim e tomando umas cervejas compradas naquele pequeno mercadinho Casino que fica no fim da reta, perto da Sainte-Dévote. Eu mesmo deixava uns francos lá, de vez em quando. Pasta de dente, sabonete, essas coisas.

Ninguém percebia que seu pai picava a mula, porque ficava todo mundo olhando para a pista. Aí, quando faltavam umas cinco voltas, ele voltava, se empertigava e esperava o final, para entregar os troféus. Confesso que ali simpatizei com seu pai. E simpatizei mais ainda quando, no ano passado, vi a coleção de carros dele que você leiloou. Tinha um Fusca. Um príncipe que tem um Fusca merece todo meu respeito.

Mas ver o GP daquele aquário não devia ser tão ruim assim, ainda mais quando os boxes ficavam de frente para vocês. Agora deve ser meio chato. Mudaram os boxes, estão do outro lado, e a visão da reta é dos fundos do pit lane. Não tem mecânico, pit stop, nada. OK, precisava dar uma melhorada, não tinha espaço para nada, mas tenho certeza que vocês preferiam como era antigamente. Mas agora não tem volta.

E lembrei de outra história, também lá da reta dos boxes, onde os caras montavam as cabines de rádio. Eram uns contêiners empilhados com bancadas de frente para o crime. Os carros passavam a centímetros da gente. Um grande barato. Cada um que passava balançava tudo. Um barulho infernal, um calor infernal, tudo infernal, mas delicioso. Eu fazia uns bicos para a rádio Excelsior, na época. Os narradores e comentaristas eram separados por pequenas divisórias nas bancadas e vazava o som de todo mundo. Uma gritaria dos diabos, em todas as línguas, muito engraçado.

Aí teve aquela corrida de 1992, o Mansell voando até ter de trocar um pneu, e voltou dos boxes atrás do Senna. Eu estava com o Luiz Roberto, narrador que hoje está na Globo, que era dona da Tele Montecarlo, lembra?, e do lado da gente o Edgard Mello Filho, da rádio Bandeirantes. Ele era comentarista e viajava sozinho, porque o narrador, Éder Luiz, transmitia de São Paulo pela TV.

Quando o Senna passou, o Edgard ficou enlouquecido. Tirou os sapatos e começou a espancar a bancada berrando feito um doido. Até a última volta. Aí ele gritou: “Se não passar na saída do Túnel, não passa mais!”. E o Mansell, claro, não passou. Ali, naquele dia, nem Jesus Cristo passaria o Senna. Então o Edgard pirou de vez. “Não passa mais! Não passa mais! Não passa mais!”, urrava. Ele dava cada porrada com os sapatos na bancada que os contêiners começaram a balançar ainda mais e eu pensei: vai cair essa porra toda e vai ser o pior acidente da história do automobilismo, cabines de rádio no meio da pista e carros de F-1 explodindo. Os caras das emissoras de outros países até pararam de narrar para assistir àquele espetáculo radiofônico.

No fim o Senna ganhou, o Edgard acalmou e as cabines não desabaram sobre a pista.

Legal, Mônaco.

Um abraço e cuida de tudo por aí. Se for assistir à corrida domingo no apartamento do amigo do seu pai, não esqueça de levar as cervejas e compre um pouco de pistache também. Seja um bom convidado.

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