Coluna Warm Up, por Flavio Gomes: Nigel

Sessentão... Bem vividos. Você marcou época. Sempre que os mais velhos suspiram para falar daquela F1 que era boa de verdade, seu nome aparece. Eles dizem que naqueles tempos tinha Senna, Prost, Mansell e Piquet. Nessa ordem. Ninguém tinha dúvida: ali estavam quatro dos maiores de todos os tempos. E você estava entre eles

 
Sessentão… Bem vividos. Você marcou época. Sempre que os mais velhos suspiram para falar daquela F1 que era boa de verdade, seu nome aparece. Eles dizem que naqueles tempos tinha Senna, Prost,  Mansell e Piquet. Nessa ordem. Porque foi nessa ordem que vocês posaram para uma famosa foto no Estoril, em 1986. Todos tinham chance de ganhar o campeonato. Talvez nenhuma foto mostre com tanta precisão a qualidade de uma geração. Senna era um pouco mais novo, você ainda iria levar um tempo até ser campeão, Prost e Piquet já tinham títulos, mas ninguém tinha dúvida: ali estavam quatro dos maiores de todos os tempos.
 
E você estava entre eles.
 
Pode se orgulhar disso, Nigel. E pode se orgulhar de outra coisa: todos sempre gostaram de você. Apesar de suas maluquices. Como naquela corrida lá mesmo em Portugal, em 1989. Você tinha tomado bandeira preta e não recolhia o carro. Aí bateu no Senna. Aqui no Brasil a turma ficou bem zangada. Foi no mesmo dia em que o Emerson Fittipaldi conquistou seu único título na Indy. Mas isso é outro papo. Vamos lembrar aquele GP de 1989. Você estava na Ferrari e tinha começado bem o campeonato. Ganhou em Jacarepaguá, primeira vitória de um carro com câmbio semiautomático, de borboleta. Lembra? Pois é. Não, a pista não existe mais, é uma pena. Não, não tem nada lá. Arrebentaram tudo e dizem que vão fazer um parque olímpico.
 
Bom, voltemos a Portugal. Você errou o box num pit stop. Normal. Bem a sua cara. Deu ré parou no lugar certo e trocou os pneus. Não pode, todo mundo sabe, dar ré nos boxes. Então meteram uma bandeira preta em você. Uma volta, duas, e nada. Você não parava. Estava em terceiro, perseguindo Senna alucinadamente. Berger em primeiro. Na terceira vez que te mandaram a bandeira preta, tinha um retardatário na frente dos dois. Senna passou. Você também. Na curva 1, colocou por dentro. Senna não viu, ou não percebeu, ou tentou fechar a porta, e vocês bateram. Rapaz… Neguinho aqui queria te matar.
 
Por conta daquele abandono, o Prost praticamente ganhou o campeonato. Ele, que seria seu companheiro na Ferrari no ano seguinte. Foi o maior bafafá do mundo. Ayrton queria te escalpelar. Ele disse que não sabia que você tinha sido desclassificado, a McLaren tentou avisar pelo rádio, alguém não se entendeu direito. O Cesare Fiorio, que era seu chefe na Ferrari, falou que você não tinha visto a bandeira porque estava contra o sol. Hum… O Balestre te esculhambou. Disse que da próxima vez iria colocar o diretor de prova no meio da pista com uma bandeira preta de dois metros de largura. Fala aí, vai… Você não viu mesmo.
 
Cara, você era bem doido. Opa, cara não. Você já é um senhor de idade, sessentão. Respeito é bom e a gente gosta. O senhor era bem doido.
 
Mas é que a gente lembra de tanta coisa… Aquele 360 que deu não sei onde no meio de uma reta. Quem mais faria aquilo? Uma corrida, de Lotus, em que sua gasolina acabou a poucos metros da linha de chegada e você saiu do carro para empurrar e ganhar um pontinho, e desmaiou debaixo de um sol de 200 graus. A cabeçada na ponte na Áustria, quando uma caminhonete levava vocês para o pódio. O troféu que cortou sua mão lá mesmo no Rio, em 1989. E o Piquet te sacaneando na Williams o tempo todo… É verdade aquela história do Mal de Montezuma no México, e o Nelson roubou o papel higiênico do banheiro? Ele que conta, sei lá.
 
E teve mais, aquela corrida em Mônaco, você de Williams, carrinho bom, aquele, um ano na frente de todo mundo, vitória certa, aí solta a porca de um pneu e você aparece em segundo a cinco voltas do final. Teve de parar nos boxes, perdeu um tempão. E o que foi aquilo, rapaz? As cinco voltas mais alucinantes de todos os tempos, Senna assumiu a liderança, você três, quatro, cinco segundos mais rápido por volta, e passar como? 1992, que ano, hein, Leão? Você babava na balaclava, e o cara na sua frente, e ele não errou uma marcha, não tirou o carro um centímetro do traçado, e você babando, e ele ganhou. No meu lado na cabine de rádio, que ficava num contêiner à margem da reta dos boxes, o Edgard Mello Filho gritava tanto, batia com o sapato na bancada, “não passa mais!”, berrou na segunda tentativa na saída do Túnel, e dava tanta porrada na bancada que quase derrubou o contêiner no meio da pista. Foda, aquilo. Lembro como se fosse hoje.
 
Como lembro sua reverência ao Ayrton na volta da vitória. Deixou que ele fosse na frente, comemorando, e você comemorou, também. Comemorou o espetáculo que vocês deram, como foi um espetáculo um ano antes em Barcelona, aquela ultrapassagem no fim da reta, vocês dois separados por uma folha de papel, roda com roda, realmente vocês dois fizeram coisas muito legais. Devemos agradecimentos a ambos.
 
E então você ganha o título na Hungria, isso depois de uma vitória emocionante em Silverstone, não dá para esquecer aquilo, o povo delirando com o 5 vermelho, foi, de fato, um ano comovente, apesar da facilidade para ser campeão. Finalmente campeão, às lágrimas, em Budapeste. Lembrou da sua mulher, que vendeu a casa para você tocar a carreira lá no começo, lembrou das pancadas, dos meses imobilizado numa cama, dos azares, das dificuldades, de tudo. E aí o Frank resolve te pagar menos em 1993 e você vai para a Indy, e encontra um outro brasileiro pela frente, Emerson, e cada corrida, rapaz… E ganhou o campeonato na América! Nigel, você era foda. O fodão do Bairro Peixoto. Em 1994 ainda fez umas corridinhas pela Williams, e teve a manha de ganhar uma, e a McLaren te chamou de volta, e você não cabia direito no carro, fez duas provas em 1995 e disse basta. Basta com isso aqui.
 
Sua carreira foi linda, Leão. Saiu admirado pelos colegas, respeitado pelos dirigentes, amado pelos torcedores. Isso aí não é qualquer um, não.
 
Parabéns, Nigel. Pela carreira, por ser policial voluntário na Ilha de Man, pelas corridinhas no BTCC, pela simpatia, pela sinceridade em todos os momentos, pela camaradagem, e pelos shows, tantos shows que você deu naqueles anos de F1 — e de Indy, como não?
 
Agora, só uma perguntinha, e você pode responder quando quiser. Nem precisa ser por carta. Manda um e-mail, se preferir. Mas me conta: é verdade a história das luvas uma de cada cor? Aquela história de que você não sabia direito qual borboleta subia e qual descia as marchas, e quando virava o volante completamente se confundia e errava as marchas porque invertia a posição das mãos? Aí decidiu que luva vermelha era marcha para cima, luva azul era para baixo? Vai, conta a verdade. Porque se for verdade, te admiro ainda mais.
 
Um abraço, Leão. A gente aqui te adora.

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