Como marca Ayrton Senna movimenta R$ 1 bilhão e quais os desafios para mantê-la relevante na era digital

25 anos após a morte do tricampeão, a marca Ayrton Senna se mantém com potencial mercadológico ímpar no Brasil e também no exterior. Piloto empreendedor, Senna deixou um legado de empresas e produtos licenciados. Mas há o desafio de se manter em evidência para um público que não o viu em ação

Ayrton Senna está vivo e tem capacidade para movimentar cerca de R$ 1 bilhão. Tal afirmação é verdadeira quando se aborda os negócios com a marca do tricampeão mundial de Fórmula 1, morto há 25 anos. O atleta de sucesso se foi, mas seu nome segue sendo alvo do imaginário dos fãs ao redor do mundo, que consomem uma série de produtos a ele associados: desde réplicas dos lendários bonés azuis do antigo Banco Nacional ao superesportivo McLaren Senna, passando por camisetas, bonés, relógios de alto padrão e até mesmo carros e capacetes utilizados pelo brasileiro nas pistas, arrematados por pequenas fortunas em leilões.
 
Senna morreu no auge e na condição em que mais apreciava, quando era líder de uma corrida na F1. O apogeu de Ayrton também se provava nos negócios, com uma série de empreendimentos gerenciados no famoso escritório do 13º andar de um centro empresarial em Santana, zona norte de São Paulo. Nada menos que 25 funcionários trabalhavam nas três empresas da holding comandada pelo piloto, o pai, Milton da Silva, o irmão, Leonardo Senna, e o primo, Fábio Machado.
 
As ações eram diversas: como a marca ‘Senninha’ — que nasceu como revista quinzenal de quadrinhos no Brasil e tinha o projeto de se expandir para o mundo, além de ser também um desenho animado de alcance global — a jogo de videogame, barcos de luxo, modelo de moto exclusiva da Ducati e linha de mountain bike da marca Carraro, dentre tantos outros.
 
De todos os empreendimentos, o que mais chamava a atenção à época foi a associação da marca Senna com a montadora alemã Audi. A Senna Import nasceu para ser a única empresa do Brasil autorizada a importar os carros da fábrica de Ingolstadt, aproveitando a abertura dos mercados da indústria automotiva nacional naquele início de década. A aclamada parceria durou até 2005, quando a Audi rompeu a união de mais de dez anos.
Versão rara de capacete usado por Ayrton Senna foi vendida em leilão na Inglaterra (Foto: Bonhams/Divulgação)

Na época da sua morte, Senna era o maior nome da F1 em atividade e era apontado como o grande candidato a superar os recordes pertencentes a Juan Manuel Fangio. Então dono do maior número de títulos mundiais, o argentino pentacampeão do mundo era o homem a ser batido, e Ayrton passava a pilotar para a Williams, a equipe que havia protagonizado o Mundial com sobras nos dois últimos anos com ‘o carro de outro planeta’. 

 
Mas as expectativas nem de longe se confirmaram por conta de um carro instável e que apresentou um problema incomum que culminou com o acidente fatal sofrido por Senna em 1º de maio de 1994, quando liderava o GP de San Marino e bateu forte no muro da curva Tamburello, em Ímola.
 
Grande ídolo brasileiro da época — e até hoje como um dos maiores da história esportiva do país —, Senna deixava uma lacuna não apenas nas pistas, mas também nos negócios. Coube à família e responsáveis pela gestão da empresa que levava seu nome a missão de manter não apenas seus empreendimentos vivos, mas seu próprio legado, gerenciado pelo Instituto Ayrton Senna.
 
Nos dias de hoje, de uma geração marcada pelo imediatismo e com 'ídolos de barro' geralmente incapazes de saber se comunicar por uma via que não sejam posts patrocinados ou escritos por assessores de imprensa e movidos a likes, a marca Ayrton Senna tem o desafio tamanho de se sustentar e cativar novos consumidores, mesmo aqueles que só viram as performances do piloto por vídeos de YouTube, por exemplo. 
 
Assim, produtos premium como a McLaren Senna, linha exclusiva de relógios TAG Heuer ou a moto Ducati Panigale Superbike 1199 S Senna, itens mais acessíveis como camisetas, pulseiras, capacetes e livros que contam a história do brasileiro, camisas comemorativas — como a lançada pelo Corinthians no ano passado — ou mesmo eventos, como o ‘Senna Day’, são a chave para manter a marca em evidência mesmo com o impacto do passar do tempo. Uma marca que segue sendo uma das mais valiosas do esporte e que já gerou mais de R$ 1 bilhão nos últimos anos.
Camisa do Corinthians fez menção às 41 vitórias de Ayrton Senna na F1 (Foto: Divulgação/Nike)
A inspiração que segue viva
 
Jaime Troiano, fundador da TroianoBranding e autor de livros sobre sua especialidade, listou ao GRANDE PRÊMIO fatores que considera cruciais para Ayrton Senna seguir sendo parte do imaginário dos fãs e com potencial enorme para continuar sendo bem-sucedido enquanto marca.
 
“O Brasil é um país messiânico por excelência. Algo que é um fruto histórico da nossa herança portuguesa, principalmente. O que isso significa? Estamos sempre à espera de alguém que ‘nos liberte’, alguém que nos dê um sentido de grandiosidade e de respeitabilidade, como povo e como nação. Não temos muitas figuras que fizeram isso por nós ao longo do tempo: Villa Lobos, Oscar Niemeyer, Pelé, Gisele Bündchen, Machado de Assis… E mesmo alguns deles não foram capazes de nos representar consensualmente”, explicou Troiano.
 
“Ayrton Senna foi e continua sendo um caso exemplar que mostra a potencialidade escondida em nós, brasileiros. Ele ilustra como poucos, idealmente, o que podemos ser para dar um salto de qualidade e de realização aos olhos de outros povos e aos nossos próprios olhos. Como se pudéssemos dizer, vejam o alcance do que pode ter o brasileiro escondido dentro de nós. Não apenas no plano da performance esportiva, mas da energia criativa, dos movimentos de superação, de serenidade diante das vitórias e derrotas ao longo da vida”, comentou o especialista em branding.
Imagem jovem deixada por Ayrton Senna ajuda a manter sua marca em evidência, dizem especialistas (Foto: AFP)

O GP também ouviu Marcos Machado. Fundador da Top Brands, o professor de Branding em cursos de MBA da Fundação Getúlio Vargas e ESPM ressaltou, além do aspecto esportivo, também a preocupação do tricampeão com o aspecto social. “Ele tinha uma postura que agradava muito à sociedade: de ser uma pessoa comprometida com o país, com o estudo, com as crianças, a própria fundação, com o Instituto Ayrton Senna, que acabou crescendo ainda mais com seu falecimento”.

 
“E isso tudo o torna um ídolo ainda mais valorizado pela sociedade, ou seja, alguém de sucesso em um esporte que ajuda a levantar a autoestima e tem essa postura de compromisso com o país, de não virar as costas para o país. Às vezes, alguns atletas ou mesmo celebridades fazem um pouco isso, ou ao menos passam essa impressão. Então, esses campos fazem com que sua marca seja ainda mais respeitada e mais forte”, disse Machado.
 
A aura da imortalidade
 
Na visão de Erich Beting, jornalista e fundador do site ‘Máquina do Esporte’, maior referência em negócios do esporte no Brasil, o fato de Senna ter morrido no auge, jovem — com apenas 34 anos — e também por imagem de sucesso ter sido exibida por anos na TV aberta é crucial para mantê-lo ainda no imaginário do público que consome sua marca.
 
“A própria morte do Senna ajudou a construir a imagem dele, por mais paradoxal que isso possa parecer. O fato é que o Senna era um grande ídolo, e talvez um ídolo com tanta projeção e exposição como ele fora do futebol não tenha existido. O Guga [Kuerten] chegou mais ou menos perto disso, mas não tinha a mesma exposição pelo fato de o tênis não aparecer tanto na TV aberta, mas o Senna conseguia ter essa projeção, essa presença na nossa vida de uma forma muito forte. E a carreira dele é interrompida no auge, diferente de todos os outros pilotos, também. E isso faz uma diferença tremenda porque a imagem que fica dele é sempre do grande atleta vitorioso e que teve a carreira interrompida pelo acidente”, salientou Beting ao GRANDE PRÊMIO.
 
“Isso ajuda a construir uma imagem de invencível em torno dele, que é diferente, obviamente, dos outros pilotos, que acabam envelhecendo. O Pelé está envelhecendo, nossos ídolos vão ficando mais velhos e não vão tendo mais a performance esportivas para construir essa imagem. Então a gente entra nesse caminho desta forma: o Senna, quando ele morre no auge, a imagem dele continua carregada de todos os bons atributos que ela já trazia, desde a maneira como ele se comportava nas pistas e pela maneira como ele se comportava fora dela”, complementou.
Senna morreu no auge enquanto tentava ser o maior de todos na F1 (Foto: Getty Images)

Marcos Machado segue a linha quando lembra que Senna estava no apogeu enquanto piloto. “Por incrível que pareça, a morte de um esportista no auge, em um certo sentido, o imortaliza”.

 
“Você fica com a imagem do esportista jovem, bem-sucedido, arrojado e que faleceu num acidente trágico. Se você fizer uma analogia com o Pelé, que é um atleta brasileiro que também é um mito, que teve seu momento, ele está envelhecendo e estamos acompanhando esse processo. Então, enquanto marca, o Ayrton Senna tem essa vantagem pelo fato de a imagem ter sido imortalizada no auge da carreira, enquanto jovem", afirmou.
 
Beting também concorda que a ligação com causas sociais é um elemento importante que faz com que a marca Ayrton Senna permaneça em evidência por um bom tempo. “Foi feito um ótimo trabalho de branding, de uso da marca, e de posicionamento de marca a partir do Instituto. Se for pensar, mesmo não sendo mais um cara de carne e osso e presente, sua imagem só esteve atrelada a coisas positivas, seja num projeto social, seja ajudando na educação das pessoas, seja criando uma marca para o público infantil e essa marca ser utilizada para perpetuar a imagem dele para o jovem. Então, tudo o que se refere ao Senna, por meio do Instituto, você cria um legado muito grande porque a imagem dele continua sendo atrelada a coisas positivas”, opinou o jornalista.
 
Os desafios para manter a marca Ayrton Senna viva
 
25 anos depois da sua morte, Ayrton Senna obviamente não tem o mesmo apelo perante os jovens da geração atual, que se unem a centenas de milhões de pessoas para acompanhar e curtir fotos de Lionel Messi, Cristiano Ronaldo, Neymar ou Lewis Hamilton nas redes sociais. Nos dias de hoje, o desafio de quem gerencia a marca Ayrton Senna não diz respeito apenas em manter um público cativo e com potencial elevado de consumo, mas também criar e sustentar um novo público, desta e de outras gerações que estão por vir.
 
Há alguns exemplos de celebridades bem-sucedidas e que continuam gerando milhões mesmo depois das suas mortes, como Michael Jackson, Elvis Presley, Prince, Freddie Mercury e Bob Marley, cultuados mesmo por um público que não chegou a vê-los no auge.
 
Jaime Troiano entende que o mesmo se aplica em relação a Ayrton Senna. “Quando emerge na sociedade uma entidade, uma pessoa, uma figura que ocupa um espaço quase mitológico, eles aí permanecem por uma simples razão: porque passam a fazer parte da cultura dessa sociedade. Porque a sociedade se alimenta dessa substância intangível que dá um significado para sua identidade. A lembrança da figura histórica do Ayrton Senna talvez sofra com a passagem do tempo. Porém, o seu significado para inspirar nossa identidade, não”.
Boné azul do Banco Nacional é uma das grandes marcas deixadas por Senna (Foto: Getty Images)

“Não é muito incomum, embora seja trágico, que a representação mental ou cultural de pessoas como ele ganhem vitalidade sem sua presença física. Afinal, essa representação mental está muito mais protegida de todos os desgastes que as circunstâncias da vida concreta impõem a todos nós. Preservar e cultivar, com todas as ferramentas mais adequadas, o que a marca Senna representa é uma tarefa nobre. Não apenas por suas implicações mercadológicas, mas, sobretudo, como modelo de referência que pode nos representar de forma mais plena como brasileiros”, complementou.

 
Mas ainda que represente a imagem de um ídolo consagrado e reverenciado no mundo inteiro, a marca Ayrton Senna precisa seguir no coração do público para continuar sendo relevante do ponto de vista mercadológico. “Você tem de estar presente na vida das pessoas”, disse Marcos Machado. 
 
“São 25 anos, então os indicativos são claros de que há uma renovação. Então, quanto mais você licencia produtos e quanto mais você tem a marca presente, mesmo você não assistindo corridas, você acaba associando aquela marca àquela pessoa de quem você ouviu falar ou de quem você viu em um filme ou vídeo. O que ajuda é desenvolver conteúdos associados à marca, porque você tem uma história para contar: filmes, documentários, eventos, algo que pudesse alongar esse processo, mas você tem de aparecer. Nos esquecemos de quem não falamos, de quem não encontramos, de quem não vemos, e com as marcas é a mesma coisa. A marca precisa aparecer”, destacou o professor.
 
Por que o automobilismo precisa de novos ídolos
 
A temporada 2019 é a segunda do Mundial de F1 sem um piloto brasileiro no grid de largada, algo que não acontecia desde os anos 1960. Há nomes em potencial que almejam estar na elite do automobilismo e estão próximos, casos de Sérgio Sette Câmara e Pietro Fittipaldi, e outros que sobem a chamada ‘escadinha’ para um dia chegarem lá, como Enzo Fittipaldi, Felipe Drugovich, Gianluca Petecof, Caio Collet ou Igor Fraga.
 
No momento, os fãs brasileiros que se acostumaram a ver Senna vencer corridas e conquistar títulos têm, em boa parte, admiração por Lewis Hamilton, fã incondicional do tricampeão do mundo, sua grande referência nas pistas.
Enzo Fittipaldi e Gianluca Petecof fazem parte da geração de novos pilotos brasileiros (Foto: Prema Powerteam)

Mas para Erich Beting, é importante que nasçam novos ídolos locais para que novas gerações interessadas pelo automobilismo possam surgir. Da mesma forma, quanto maior for a gama de amantes do esporte a motor, maior também vai ser o potencial de alcance da marca Ayrton Senna.

 
“A geração que está chegando aí, com os pais na casa dos 35 até os 50 anos… esse cara foi fãzaço do Senna e perpetuou para o filho a imagem do herói. Acho que é um pouco como se cria a base de uma torcida de futebol no Brasil, algo passado de geração para geração. Os pais que viram o Senna, e falo por experiência familiar: teve uma vez que a gente reuniu a nova geração e ficávamos todos, homens e mulheres, olhando o documentário do Senna e comentando como ele era fora de série em relação a todos os outros para os filhos. E o que isso cria no ideário da criança? Acho que o grande desafio vem para a geração seguinte, que seriam os nossos netos. Esses, sim, o pai ou a mãe dele vai ter de contar sobre o Senna”, afirmou.
 
“Mas para isso, acho que o que precisaria ter muito, e não depende só de quem cuida da imagem do Senna, é o fato de o automobilismo estar forte no Brasil. A perpetuação de geração que a gente tem no futebol é porque o futebol continua sendo muito forte. Ouvi as histórias do meu pai sobre o Pelé, até da minha mãe, que não gosta de futebol, mas comentava, e depois disso como é que fica? Eu consegui perpetuar isso, conto histórias de futebol para meus filhos, mas para meus ídolos. E [no automobilismo] a gente tem esse gap: quem são os ídolos de hoje? A gente não tem piloto na F1. Como isso impacta? Então isso também interfere”, disse.
 
“Pra frente, o trabalho de marca que o Instituto faz, com o personagem Senninha, com desenho animado, tudo isso ajuda. Mas a geração que vem crescendo agora não teve contato com o ídolo, e esse acho que é o grande desafio daqui pra frente, achar novos pilotos para a gente poder dizer: ‘Esse cara realmente é muito bom, mas ele não é o Senna’. Então acho que esse é o grande ponto”, finalizou Beting.
 

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