Conta-giro: Acidente de Bianchi recoloca em pauta discussão sobre proteção para cabeça dos pilotos na F1

É inevitável que a F1 adote cockpits fechados no futuro ou isso descaracterizaria o conceito da categoria? Fato é que os acidentes mais graves dos últimos anos envolveram pancadas na cabeça dos pilotos

A SITUAÇÃO DE JULES BIANCHI
icon_tempoAO VIVO e EM TEMPO REAL, a cobertura do estado de saúde de Bianchi
 
icon_gp Torcedor flagra acidente de Bianchi com guindaste durante GP do Japão
 
icon_gp Bianchi é encaminhado inconsciente para hospital após acertar guindaste
 
icon_gp Com traumatismo craniano, Bianchi passa por cirurgia e respira sem aparelhos
 
icon_gp Assessoria da FIA confirma estado de saúde 'crítico, mas estável' de Bianchi
 

NÃO PODE SER MERA COINCIDÊNCIA que os acidentes mais graves da última década na F1 envolvam impactos na cabeça. Os carros de hoje em dia são seguros — já vimos diversos casos em que a célula de sobrevivência resistiu a pancadas fortes. Robert Kubica sobreviveu àquela horripilante batida no GP do Canadá de 2007. Mas há um ponto de vulnerabilidade, e esse é a proteção à cabeça do piloto.

Antes de mais nada, deve-se dizer que o fato de a cabeça ficar exposta foi uma causa secundária no acidente de Jules Bianchi, no último domingo (5), no GP do Japão. Ali, o grande problema foi a presença de um trator dentro da área de pista, debaixo de chuva forte, sem que o safety-car fosse acionado pela direção de prova. Posto isso, a discussão a respeito de maneiras de proteger melhor o piloto é, sim, válida.

As últimas duas vezes que a F1 entrou em pânico por causa de graves acidentes foram em 2009 e em 2012, com Felipe Massa e María de Villota, respectivamente.

Massa, durante a classificação para o GP da Hungria, foi atingido na cabeça por uma mola que se desprendeu da Brawn de Rubens Barrichello. Desacordado, passou reto na curva mais rápida do circuito de Hungaroring e bateu de frente na barreira de pneus. O piloto sofreu uma concussão e uma fratura no crânio que exigiu cirurgia, mas conseguiu se recuperar plenamente e voltou às pistas oito meses depois. Na primeira corrida que fez após o acidente, o GP do Bahrein de 2010, subiu ao pódio.

O acidente de Felipe Massa foi um dos mais delicados dos últimos tempos na F1 (Foto: Shell/Getty Images)

Depois disso, foi introduzido um reforço de Zylon nas viseiras dos capacetes, com o intuito de aumentar a proteção em casos semelhantes.

O acidente de De Villota, em julho de 2012, foi mais grave — e até hoje é um mistério. Durante um teste aerodinâmico da Marussia na base aérea de Duxfort, a espanhola se chocou contra a rampa de carregamento de um caminhão que estava à beira da pista. Ela havia acabado de deixar o box improvisado na pista de pouso para dar uma volta de instalação e, ao reduzir para estacionar, foi surpreendida por uma aceleração repentina.

A rampa, indevidamente aberta, estava à altura do rosto da pilota. O impacto, frontal, aconteceu através da viseira do capacete. María sofreu fraturas graves no crânio e perdeu o olho direito. Nunca mais guiou um carro de corrida, mas pôde, aos poucos, retomar uma vida normal. Passou a integrar a Comissão de Pilotos da FIA e escreveu um livro que lançaria dias depois de espanhola-maria-de-villota-e-encontrada-morta-em-quarto-de-hotel-em-sevilha">morrer precocemente em 11 de outubro de 2013, em Sevilha. A morte se deu por causas naturais, segundo os médicos, mas ficou claro que isso teve relação com o fato de seu organismo estar frágil desde o acidente.

Agora, Bianchi. O impacto do francês, pelo o que se sabe do acidente de María de Villota, foi o mais violento destes três. Ele perdeu o controle a pouco mais de 200 km/h ao contornar as curvas 7 e 8 e foi de encontro com o guincho que removia o carro de Adrian Sutil, acidentado uma volta antes. Esse guincho, que saiu do chão com a pancada, tem quase 6,5 toneladas.

Carro de Bianchi bateu em guindaste que removia carro de Adrian Sutil no GP do Japão, e piloto sofreu golpe na cabeça (Foto: AFP)

Aparentemente, foi a parte de trás, do lado esquerdo, do capacete de Bianchi que se chocou com o trator. Essa conclusão se tira a partir das poucas imagens existentes: o acidente e as fotos, que não mostram danos na parte frontal do capacete do francês, tampouco sangue. Além disso, há forte desaceleração. Bianchi imediatamente ficou inconsciente.

Rob Smedley, engenheiro-chefe da Williams e colega de Massa desde os tempos da Ferrari, acredita que a questão estética, colocada por muitos como empecilho para a introdução de uma cobertura nos cockpits, deve ser ignorada em prol da segurança.

“Mudaria a aparência dos carros de F1, o que eu acho que é um argumento para quem diz que são fórmulas, carros com cockpit aberto. Muda o conceito? Se você comparar os carros de 2014 com os de 1950, quando o Mundial começou, eles não parecem muito similares. Então se a estética é ou não é um argumento válido, certamente não é para mim. Talvez para outras pessoas”, disse.

O britânico admite, no entanto, que não sabe se tal medida faria a diferença no caso do “louco” acidente de Bianchi.

“Do ponto de vista técnico, é algo muito fácil de implementar. É algo que analisamos em muitos grupos técnicos e que vamos para a frente e para trás. Se faria a diferença no acidente do Jules, não tenho ideia. Não sabemos quão forte o carro é neste tipo de acidente. É um acidente louco”, observou.

F1 2014: o acidente de Jules Bianchi com um guindaste no GP do Japão

A mudança que salvou McNish

Hoje em dia, os protótipos da classe LMP1 obrigatoriamente possuem cockpits fechados, mas não era assim até pouco tempo atrás. A Audi venceu as 24 Horas de Le Mans de 2010 com um modelo aberto, e era nessa linha que o chefão da marca alemã, Wolfgang Ullrich, queria continuar.

Ullrich, no entanto, foi convencido por seu time técnico que, por uma série de razões de performance e de segurança, seria melhor que o conceito fosse alterado. A Peugeot, rival da época, já possuía cockpits fechados.

Allan McNish agradeceu. Nas 24 Horas de Le Mans de 2011, o escocês se enroscou com um retardatário ao tentar ultrapassar o companheiro de equipe Timo Bernhard e saiu capotando até se chocar violentamente com o muro de proteção. O R18 ficou completamente destruído, restando apenas a célula de sobrevivência, protegida também pela cobertura do cockpit. McNish saiu ileso.

Protótipo guiado por Allan McNish ficou completamente destruído (Foto: Reprodução)

Em fase de estudo na Indy

Derrick Walker, presidente de competição e operações da Indy, confirmou recentemente que deseja implantar esse conceito na categoria norte-americana. “É algo que está sendo cogitado. Na verdade, desde que entrei na Indy. Já tive algumas conversas com a Dallara para desenvolvermos uma cobertura parcial nos cockpits. Não uma completa, mas algo que protegesse os pilotos de objetos de aço e pneus voadores, por exemplo. É uma possibilidade”, contou.

“Acho que deveria ser uma prioridade. Nós e a F1 somos as únicas grandes categorias com pilotos com a cabeça totalmente exposta. Precisamos começar com isto urgentemente, já que corremos em ovais em altíssimas velocidades”, opinou.

Em 2011, Dan Wheldon morreu na última etapa do campeonato após bater a cabeça no alambrado em um acidente múltiplo na pista de Las Vegas, na derradeira corrida do modelo antigo dos carros da Indy.

Neste ano, houve outro acidente em que um piloto recebeu um impacto na cabeça — felizmente, sem graves proporções. No GP de Toronto, Mikhail Aleshin acabou entrando debaixo do carro de Juan Pablo Montoya, que estava parado após bater de frente na barreira de pneus. A Penske do colombiano levantou e caiu com a roda traseira direita no capacete do russo, que ficou com a marca do pneu. No entanto, o piloto jamais perdeu a consciência e saiu do carro com se nada tivesse acontecido.

Aleshin ficou preso debaixo da roda do carro de Montoya no GP de Toronto (Foto: Reprodução)

Na F1, um quase recente foi no GP da Bélgica de 2012, na batida iniciada por Romain Grosjean na largada. A Lotus do francês saiu do chão e rodou no ar a poucos centímetros da cabeça do bicampeão Fernando Alonso. O espanhol deixou o carro apenas com dores nas costas, mas ressaltou que teve sorte de não levar uma pancada na cabeça.

“Você pode ter uma lesão na sua mão ou mesmo na cabeça, porque tudo passou muito perto. Eu tive sorte. Não sabia o que tinha acontecido até ver na TV. Foi difícil imaginar como poderia ter sido grave”, comentou.

Hoje em dia, a proteção que ajuda a minimizar o risco deste tipo de acidente é o chamado ‘side padding’, ou protetor de cockpit. Ele atua com duas funções. Internamente, serve de encosto de cabeça e impede que, em um impacto lateral, o movimento do crânio seja muito brusco. Foi muito útil, por exemplo, para Sergio Pérez, que bateu de lado no muro na saída do túnel durante a classificação para o GP de Mônaco de 2011 — ele sequer pôde participar do GP do Canadá, duas semanas depois. Externamente, porque reduz a área do capacete que fica exposta.

Essa proteção foi instituída na F1 em 1996, na esteira dos fortes acidentes de Karl Wendlinger, em Mônaco, em 1994, e de Mika Häkkinen, na Austrália, em 1995. No começo, ela era fixa. Atualmente, é removível, como já acontecia com os carros da Indy há alguns anos.

É possível imaginar que essa proteção tenha ajudado a salvar a vida de Bianchi, diminuindo a força do impacto no capacete do francês — mas essa é uma conclusão que só pode ser tirada a partir de uma análise mais detalhada do acidente de Suzuka, com o uso das imagens da câmera onboard.

Romain Grosjean causou acidente múltiplo na largada do GP da Bélgica de 2012 (Foto: Getty Images)

As imagens do acidente de Jules Bianchi
#GALERIA(5099,82555)

Chamada Chefão GP Chamada Chefão GP 🏁 O GRANDE PRÊMIO agora está no Comunidades WhatsApp. Clique aqui para participar e receber as notícias da Fórmula 1 direto no seu celular! Acesse as versões em espanhol e português-PT do GRANDE PRÊMIO, além dos parceiros Nosso Palestra e Teleguiado.