Conta-giro: Gigante, Honda enfrenta seus demônios para retomar excelência na F1. E MotoGP surge como exemplo

A Honda é uma marca dona de vitórias no esporte a motor ao redor do planeta e está presente em quase todos os principais campeonatos do mundo, mas o desempenho precário e pouco evolutivo na F1 vem manchando o currículo vencedor no Mundial. Mas há uma solução. E a MotoGP, a equivalente à F1 no mundo das motos, talvez seja o melhor exemplo a seguir

A Honda é uma empresa de excelência, e vencedora. Tem no incessante perfeccionismo dos japoneses a grande arma para fabricar carros, motos, motores e peças. O trabalho árduo é o que guia a fábrica criada por Soichiro Honda. Além de deter números poderosos na indústria automobilística e de motocicletas ao redor do mundo, a montadora nipônica também está presente em quase todos os mais importantes campeonatos do planeta no esporte a motor. E o desenvolvimento de tecnologia de ponta é um dos pilares que justificam e sustentam o investimento nas competições. O sucesso nas pistas é apenas a consequência natural e bem-vinda desse trabalho. O objetivo final é também preservar o bom nome da marca e vender.

E é por isso que a Honda decidiu retomar o caminho da F1 neste ano — afinal, o Mundial sempre foi uma das meninas dos olhos, junto com a participação no Mundial de Motovelocidade, além do envolvimento no mercado norte-americano, por meio especialmente da Indy.

A empresa aproveitou a mudança nas regras dos motores na F1 e decidiu trilhar a volta reeditando uma histórica parceria com a McLaren. No papel, a associação não poderia ser mais perfeita. A equipe inglesa também é conhecida pelo altíssimo nível de competitividade, além dos números mais do que expressivos em termos de títulos e vitórias. As instalações em Woking e os recursos humanos que possui também ajudam a fundamentar o papel de liderança do time chefiado por Ron Dennis. Quer dizer, é um acordo que não poderia dar errado, mas 2015 tem se mostrado mais complicado do que o projeto inicial poderia supor.

E esse cenário não é lá muito distinto de situações já vividas pela Honda no passado. A diferença é que, agora, a repercussão de um eventual fracasso retumbante é muito maior, dado o tamanho do investimento, a expectativa e a grande exposição que o Mundial proporciona nos tempos modernos, e isso para o bem e para o mal. O caso é que a Honda precisa retomar também a perfeição. Certamente, a velocidade dessa evolução é que vai determinar o capítulo que a montadora deseja deixar escrito na história do automobilismo mundial.

A Honda voltou pelas mãos da McLaren(Foto: McLaren/Facebook)
O que a história conta
 
Como construtora na F1, a fábrica japonesa nunca teve grande brilho, apesar da ousadia em fazer parte do campeonato no fim dos anos 60 — depois de já ter vencido nas motos. Como equipe, a Honda esteve, primeiro, entre os anos de 1964 a 1968. 
Na verdade, a história da Honda no Mundial começou um ano antes, quando os nipônicos decidiram fazer parte de um projeto com célebre projetista Colin Chapman e a Lotus, mas a associação foi desfeita em 1964. Ainda assim, os japoneses optaram por levar o projeto adiante e trataram de fabricar um carro sob a batuta do engenheiro Yoshio Nakamura. 
 
A estreia aconteceu no GP da Alemanha daquele ano. Esse primeiro campeonato foi um fracasso, mas a fábrica não desistiu e viveu anos melhores, sobretudo em 1967, quando fechou o Mundial com um expressivo quarto lugar. Foram duas vitórias neste período todo. A aventura duraria, entretanto, apenas mais um ano. Foi a primeira desistência da Honda, depois de uma temporada marcada pelo acidente que matou o piloto da equipe, Jo Schlesser. Os maus resultados e o fraco desempenho comercial ajudaram a tirar a marca da F1. A missão, então, se voltou para os carros de rua.
Em 1987, Piquet e Mansell protagonizaram a disputa pelo título (Foto: LAT Photographic)

Quinze anos depois, a Honda decidiu que estava na hora de voltar. Mas foi menos ambiciosa e decidiu somente fornecer motores. Isso aconteceu em 1983. E o recomeço, como tem sido agora, não foi dos mais fáceis, mas também não foi um perrengue completo, e a paciência ditou o ritmo. A recompensa foi saborosa. A Williams foi a primeira parceira, e os laços se fortaleceram nos anos seguintes, até que em 1986 veio o primeiro título entre os Construtores. No ano seguinte, a Williams equipada com os motores da Honda venceu de novo, mas também entre os Pilotos, com Nelson Piquet.

A Lotus também usou os motores nipônicos em 1987, na última temporada em Ayrton Senna defendeu a equipe na F1. A ida dele para a McLaren no ano seguinte teve muito a ver com o acordo fechado entre os japoneses.

Em seguida, teve início a era McLaren. Os ingleses fecharam acordo com os japoneses, enquanto a esquadra de Grove ficou os fracos Judd. A Lotus também seguiu com a parceria. No período entre 1988 e 1991, a Honda reinou com a McLaren, compartilhando os melhores anos da rivalidade entre Ayrton Senna e Alain Prost. Foram três títulos do brasileiro e um do francês. A presença da montadora, entretanto durou até 1992, quando foi vice-campeã. Ao todo, a fornecedora ganhou seis taças entre o fim dos anos 1980 e o início dos anos de 1990.

Depois disso, entre 1992 e 2002, a Honda ainda continuou envolvida, mas fornecendo motores por meio da Mugen para Lotus, Footwork, Prost, Ligier e Jordan. Ainda assim, conseguiu quatro triunfos com as duas últimas.  

Mas a paciência, uma das grandes virtudes dos japoneses, novamente foi colocada à prova. E em 1998, a montadora decidiu de novo reavivar o sonho de ter uma equipe na F1. O projeto, entretanto, sofreu um revés com a morte do engenheiro inglês Harvey Postlethwaite, que liderava a empreitada. E a iniciativa só pode ser levada adiante em 2006, quando a Honda tomou a BAR. O melhor resultado veio no mesmo ano, com Jenson Button, exatamente na Hungria.

Só que o projeto não conseguiu engrenar e, em 2008, a marca deixou a F1 mais uma vez. A saída foi melancólica e agravada pela grave crise financeira que acometeu o mundo naquele ano.

Agora, seis anos mais tarde, a Honda decidiu repetir a história. Ou tentar. Recuou e optou pelo fornecimento de motores outra vez. 

Por mais incrível que pareça, a Honda é uma novata na F1 nesta nova era dos motores V6 híbridos. A montadora esperou um ano inteiro, após a adoção das unidades, para voltar ao campeonato. E vem pagando um alto preço pela decisão. Isso já ficou claro desde a pré-temporada, na Espanha. Ainda que o início de uma nova parceria seja sempre complicado, o caso da McLaren-Honda foi tenso também, marcado por um estranho acidente com Fernando Alonso.

A Honda simplesmente não conseguia fazer seu motor render, muitas vezes nem sair dos boxes, e diversas foram as falhas constatadas. A equipe andou pouquíssimo. E nem os dois campeões mundiais que a esquadra britânica colocou nos boxes foram capazes de ajudar neste primeiro momento.

É bem verdade que, apesar de não parecer pelos resultados de pista, a unidade de potência melhorou ao longo desta primeira parte da temporada. A diferença em tempo de volta para as ponteiras também caiu. Se em Melbourne, a vantagem de Lewis Hamilton, da Mercedes, para Jenson Button, o penúltimo do grid, era de 5s, na Inglaterra, na corrida disputada há quase três semanas, Fernando Alonso conseguiu o 17º tempo andando 2s7 mais lento que o líder do campeonato. Houve, portanto, uma melhora. Porém, indiscutivelmente, o time inglês é o mais lento do grid — e aí não dá para incluir a Manor Marussia aqui porque a equipe ainda usa chassi e motor de 2014.

A montadora japonesa ainda luta para encontrar uma saída e poder enfim aumentar significativamente a potência de suas unidades, sem ficar refém da confiabilidade. E isso tem tirado o sono da McLaren, que vem se mostrando até bastante paciente, evitando uma guerra pública com os nipônicos. Mas até quando?

Retomada difícil da Honda com a McLaren (Foto: AP)

O período de testes já foi. A primeira parte da temporada está prestes a acabar. “A coisa muda muito rápido na F1”, disse Lewis Hamilton ao falar da ex-equipe. E tem razão.

Éric Boullier, diretor de corridas do time de Woking, já deu a entender que o prazo está se esgotando e que o bom nome da Honda não vai segurar mais um ou dois anos de resultados medíocres. A McLaren quer uma mudança de cultura dos nipônicos. E talvez seja a hora, de fato, de a Honda se prender àquilo que a tornou única.

"Os danos são, obviamente, fáceis de entender. Você estabelece uma marca pelo seu sucesso e repetido sucesso. Creio que a McLaren, pelo número de vitórias e títulos, claramente estabeleceu uma marca de excelência. Comercialmente machucou, porque muita gente — muitas empresas — está interessada em se juntar a nós, mas algumas pessoas em suas organizações talvez questionem a falta de resultados", explicou Boullier.

 
"É verdade que há uma questão de timing, porque a Honda está na F1, mas seu negócio principal é vender carros. Nós estamos aqui para ganhar corridas, então temos de nos certificar que o timing de ambos estejam alinhados. Isso já foi muito discutido", seguiu.

E aí vem a pressão. "Pressionamos a Honda, porque precisamos de mais performance do pacote — carro e motor — e hoje metade vem da unidade de força. Todos sabem disso. Se você está na F1, você tem de fazer as coisas do jeito da F1 e no padrão da F1 Nada mais."

Mas a Honda quer fazer do jeito dela. Não aceita este tipo pressão. E exige mais tempo. "Nós já temos os recursos necessários. Eu quero liderar meu programa eu mesmo. Precisamos dar o passo que podemos dar a cada ano. Eu prometo que é um projeto de longo prazo para a Honda", disse Yasuhisa Arai, diretor-esportivo da marca japonesa e principal responsável pelo projeto da F1.

A conclusão que se pode tirar, levando em conta a história rica da Honda, é que, talvez, os japoneses tenham subestimado demais o reinício na F1, as novas tecnologias e a dinâmica de desenvolvimento dentro dos novos regulamentos. Talvez um planejamento mais próximo da realidade, com mais técnicos da McLaren envolvidos, seja um caminho para uma evolução mais rápida. Mas é possível também olhar para o que dá certo, a longo e a curto prazo.

Em um olhar menos purista, pode-se dizer que a Honda talvez deva olhar para fora da F1. E a resposta pode estar mais perto do que se imagina. A Honda vende motos e, naturalmente, a MotoGP, a classe rainha no Mundial de Motovelocidade, é sua principal vitrine.

A outra Honda


Se a vida em quatro rodas não está fácil para a Honda, o mesmo não se pode dizer das duas rodas. A montadora da asa dourada é uma das mais bem sucedidas na história do Mundial de Motovelocidade, soma outros quatro títulos de Construtores no Mundial de Superbike e vem se colocando como uma importante desafiante no Rali Dakar.

No que diz respeito à motovelocidade, a Honda conquistou no ano passado seu 63º título no Mundial de Construtores — 21 na classe rainha, sendo oito na MotoGP e 13 nas 500cc; seis nas 350cc; 19 nas 250cc; 15 nas 125cc; e dois nas 50cc. Além disso, somadas todas as categorias, a marca fundada por Soichiro Honda acumula um total de 704 vitórias.

A temporada 2015, no entanto, é de contrastes. Depois ser massacrada pela KTM nos primeiros anos da era Moto3, a Honda decidiu usar seu poderio para colocar seu envolvimento financeiro no mesmo patamar a rival austríaca e agora faz a marca laranja sofrer com sua mão pesada. Até o GP da Alemanha, eram seis triunfos da Honda contra três da KTM.

A Honda da MotoGP  (Foto: AP)

Na divisão principal, por outro lado, a história é um tanto diferente. Depois de Marc Márquez dominar a temporada 2014 de forma impressionante — vencendo as dez primeiras provas do ano —, a montadora japonesa errou no motor da RC213V, que acabou agressivo demais, deixando seu menino prodígio na mão.

Apesar da fúria do motor da RCV, a Yamaha tem a maior parte do mérito pela boa temporada que faz. A casa de Iwata construiu uma boa YZR-M1 e tem em Valentino Rossi e Jorge Lorenzo dois pilotos no auge da forma.

Ainda assim, a Honda segue trabalhando para evoluir, apesar das limitações impostas pelo congelamento dos motores e, mais recentemente, da eletrônica. Embora Rossi tenha liderado o Mundial em todas as nove etapas disputadas até aqui, Márquez não é carta fora do baralho, e a dupla da Yamaha sabe bem disso.

E a evolução da MotoGP não serve apenas para o Mundial de Motovelocidade. Meses atrás, a Honda colocou nas ruas a RC213V-S, uma versão urbana do vitorioso protótipo. Além disso, a marca da asa dourada também transferiu para a CRF 450 Rally a tecnologia usada nas motos de Márquez e Dani Pedrosa.

Desde 2005, o Rali Dakar vive um domínio da KTM, que conquistou o título das motos dez vezes consecutivas — entre 2005 e 2015 (o rali não aconteceu em 2008) —, mas a Honda voltou à disputa com seu esforço de fábrica depois de 24 anos de ausência para tentar brigar pela coroa.

Na prova deste ano, a marca de Saitama tinha boas chances com Joan Barreda, mas uma queda e um problema na travessia do alagado Salar de Uyuni acabou por melar as chances do espanhol.

Apesar da nova derrota para os austríacos, no entanto, não se pode falar em fracasso, já que a CRF 450 Rally mostrou que tem plenas condições de brigar pela vitória. Falta só um pouco mais de sorte.

Na série das motos de produção o cenário é um pouco diferente. A Honda tem quatro títulos entre os construtores no Mundial de Superbike — 1988, 1989, 1990 e 1997 — e viu quatro de seus representantes vencerem a disputa entre os pilotos — Fred Merkel em 88 e 89; John Kocinski em 97; Colin Edwards em 2002; e James Toseland em 2007 —, mas está longe de ser a melhor moto do grid.

Para a temporada 2015, a Honda assinou com Sylvain Guintoli, mas nem a presença do campeão vigente foi capaz de ajudar a CBR a fazer frente à Kawasaki e Aprilia. Aliás, Jonathan Rea, uma cria da asa dourada, passou a guiar ZX-10R neste ano e vem brilhando, tendo como pior resultado os dois terceiros lugares do último fim de semana em Laguna Seca, uma prova de que nunca faltou talento nos boxes da equipe operada pela Ten Kate.

No mundo das motos, a Honda é reconhecida não só por seus números de sucesso, mas também por sua incrível capacidade de reação. Os acertos na MotoGP são uma bela prova da capacidade dos japoneses. 

Assim sendo, o modus operandi nas duas rodas pode acelerar o processo e a cultura de como a Honda se comporta na F1 e recolocá-la no ponto certo em que é necessário para crescer. Poder financeiro não falta, nem técnico. 

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