Conta-giro: Guerra que eclodiu em Spa entre Hamilton e Rosberg já se desenha em seis capítulos até agora em 2014

Foram pelo menos seis as corridas em que Lewis Hamilton e Nico Rosberg tiveram atritos em 2014, mas a bomba que deveria explodir na garagem da Ferrari estourou mesmo no último domingo (24), no GP da Bélgica

A ida de Kimi Räikkönen para a Ferrari na temporada 2014 gerou uma série de alertas: não vai dar certo. Por vezes, a relação entre o finlandês e Fernando Alonso, número 1 incontestável da equipe de Maranello, foi descrita como bomba-relógio. Em algum momento, os dois campeões mundiais iam entrar em rota de colisão, o que até agora não aconteceu – e parece muito longe de aconter também. A tão mencionada bomba, na verdade, foi explodir é na garagem errada, a que fica logo ao lado: a da Mercedes.

Depois de um ano de convivência pacífica em 2013, Lewis Hamilton e Nico Rosberg pareciam bem entrosados dentro da equipe alemã. Além disso, o passado da dupla guarda uma bonita história de uma amizade que começou em 2000, quando eles dividiram uma equipe de kart montada em conjunto pela McLaren e pela Mercedes. Mas a briga por um título tratou de mudar essa relação.

Nico Rosberg e Lewis Hamilton, de amigos a inimigos por conta do título (Foto: Getty Images)

Tendo nas mãos carros que, de longe, são os melhores do campeonato em curso, Hamilton e Rosberg chegaram a Melbourne para o primeiro GP do ano cientes de que seria diferente. Já sabiam que um dos dois seria o campeão. E isso inevitavelmente muda tudo.

Colocar dois pilotos de alto nível dentro do mesmo time dificilmente resulta em uma convivência pacífica. Exemplos de problemas do gênero são clássicos, com os desdobramentos da briga interna dependendo do perfil de cada um e, principalmente, do quão próxima é a disputa. Alain Prost e Niki Lauda, Prost e Ayrton Senna, Nigel Mansell e Nelson Piquet, Hamilton e Alonso…

Desde o primeiro momento de 2014, Hamilton e Rosberg andaram muito próximos um do outro. Mesmo na sequência de quatro vitórias do inglês, Nico vinha acelerando forte, obrigando o colega a subir o nível, não só nas classificações, como também nas corridas. As diferenças entre eles nos GPs do Bahrein e da Espanha são ótimos exemplos do tamanho equilíbrio. Essa paridade favoreceu os seis momentos de maior tensão entre a dupla até aqui no campeonato, culminando com o tão esperado toque.

Primeiro assalto: GP do Bahrein

De tirar o fôlego. É a expressão que melhor descreve a terceira corrida do campeonato. Cada um chegou ao Oriente Médio com uma vitória, e Rosberg foi quem largou na pole em Sakhir. Hamilton, aproveitando-se da deficiência que o alemão costumeiramente apresenta nas largadas, assumiu a ponta já na primeira volta, sendo seguido de perto durante toda a prova. E as táticas eram diferentes.

Lewis e Nico se encontraram vez ou outra na pista nas primeiras 40 voltas, até o safety-car ser acionado por conta do acidente envolvendo Pastor Maldonado e Esteban Gutiérrez. E encararam uma eletrizante prova de 11 voltas até a bandeirada após a relargada. Enquanto aguardavam atrás do carro de segurança, ouviram pelo rádio a instrução de que não deveriam jogar a corrida fora. Não jogaram.

Hamilton e Rosberg se abraçam após a intensa batalha do GP do Bahrein (Foto: Getty Images)

Em pouco mais de 50 km, Rosberg, com pneus macios, tentou várias vezes ultrapassar Hamilton. Precisou inclusive se esforçar vez ou outra para evitar um toque. A batalha foi tão incrível que, apesar de tudo, eles abriram mais de 20s para Sergio Pérez, então o terceiro colocado. E o inglês deu conta de segurar a dianteira para ganhar pela segunda vez no ano. Cruzaram a linha de chegada separados por 1s085. Desceram de seus carros entusiasmados.

Claro, Rosberg estava insatisfeito por ter perdido, mas eles inclusive recordaram, na coletiva, que haviam protagonizado duelo parecido nos tempos de kart, em 2000. O clima ainda era de paz.

A partir deste momento, os dirigentes da Mercedes começaram a pregar em prol do esporte dizendo que não dariam ordens de equipe desde que os pilotos não passassem dos limites. Tudo em nome do espetáculo oferecido para o público em um ano que iniciou cercado de algum pessimismo, afinal, ninguém imaginava nem mesmo uma derrota das Flechas Prateadas. E foi ali que Wolff admitiu que acreditava que, eventualmente, os dois protagonizariam algum acidente — cujas circunstâncias determinariam ou não uma mudança de postura.

Segundo assalto: GP da Espanha

Difícil apontar qual disputa foi mais acirrada em Montmeló: a do sábado ou a do domingo. Na classificação, eles trocaram voltas rapidíssimas até Hamilton zerar o negócio. No Q3, Rosberg chegou a cravar a melhor volta do fim de semana em 1min25s400. Parecia que a pole estava garantida, mas o #44 quebrou o cronômetro ao anotar 1min25s232.

No domingo, novamente, Hamilton ficou com a ponta a partir da primeira volta, mas outra vez teve de pilotar sem erros para manter tal posição. E o duelo foi particular, é claro. Enquanto um empurrava o outro, Daniel Ricciardo ficava distantes 49s para trás.

A perseguição de Rosberg a Hamilton no GP da Espanha(Foto: Getty Images)

Rosberg, após o segundo pit-stop, voltou à pista colado na Mercedes do rival e tentando encontrar um espaço para dar o bote. Contudo, em um circuito difícil de fazê-lo, ficou mais é tentando induzir Hamilton ao erro, o que não aconteceu. A diferença na linha de chegada foi de apenas 0s636.

Terceiro assalto: GP de Mônaco

O comentário geral no paddock antes do GP de Mônaco era: Rosberg precisa ganhar essa. Hamilton vinha de triunfos consecutivos na Malásia, no Bahrein, na China e na Espanha, sendo que acabara de assumir a liderança. Vinha se mostrando imbatível, afinal, seu único ‘zero’ fora registrado na Austrália, onde ele abandonou nas voltas iniciais com problemas no motor.

Nas apertadas ruas de Monte Carlo, a luta pela vitória sempre começa no sábado. Foi assim que Rosberg garantiu a vitória em 2013, e ele sabia que a receita deveria ser a mesma nesta ano. Assim sendo, tratou de cravar uma volta muito boa na primeira parte do Q3: 1min15s989. Estava superando Hamilton por 0s059 quando eles partiram para as segundas tentativas de cada um, com o #6 à frente.

Lewis Hamilton tenta acompanhar ritmo de Nico Rosberg nas ruas de Monte Carlo (Foto: Mercedes)

Diante dessa última informação, uma coisa estava clara: se Rosberg errasse, ia se dar bem, pois atrapalharia a volta de Hamilton. E o alemão de fato acabou abortando sua volta ao passar do ponto na curva Mirabeau. Bandeiras amarelas foram agitadas, e Hamilton teve de tirar o pé. Ficou furioso.

O piloto britânico estava convencido de que Rosberg agira premeditadamente. De que o rival jogara sujo, e não havia nada para animá-lo. A entrevista coletiva conjunta da Mercedes inclusive foi cancelada naquela tarde. No domingo, ele continuou de cara fechada, ainda mais por não encontrar uma única oportunidade para assumir a ponta. Para piorar a situação, um cisco que entrou em seu olho o obrigou a levantar o pé nas voltas finais e quase o tirou também da segunda posição.

O fim de semana em Mônaco terminou com Lewis indo embora extremamente descontente. Os dirigentes, enquanto isso, tentavam acalmar os ânimos dos pilotos e minimizar a situação diante da imprensa. Não negavam o conflito, mas faziam questão de dizer que tudo seria resolvido. Niki Lauda falou até que depois de dormir e fazer uma boa festa com a namorada Nicole, Hamilton ficaria mais calmo e repensaria seu posicionamento.

O inglês realmente se acalmou um pouco, mas a relação nunca mais foi a mesma — e, no fundo, ele só foi ficar mais alegre depois de vencer o GP da Inglaterra, no começo de julho.

Quarto assalto: GP da Áustria

Depois de sucumbir no GP do Canadá, a Mercedes foi ao Red Bull Ring pressionada para buscar a redenção — e também não lidou bem com isso. Os dois pilotos erraram no sábado na tentativa de superar a surpreendentemente rápida Williams, que fechou a primeira fila do grid com Felipe Massa e Valtteri Bottas.

No domingo, enfim, redimiram-se com a terceira vitória de Rosberg no campeonato e mais uma dobradinha. Mas o problema mesmo foi o que aconteceu dentro das paredes do box do time.

Após o fim de semana, Toto Wolff demonstrou sua irritação com os segredos que os grupos de trabalho de Hamilton e Rosberg mantiveram. Os pilotos não quiseram compartilhar informações entre si e, na visão do diretor-esportivo da escuderia, aquilo prejudicou o desempenho do conjunto. Até onde se sabe, não houve mais segredos após esse episódio.

No Red Bull Ring, a Mercedes se dividiu e os grupos mantiveram segredos (Foto: Getty Images)

Quinto assalto: GP da Hungria

Embora tenha prometido diversas vezes que não daria ordens de equipe, a Mercedes o fez no GP da Hungria. Com seus pilotos em táticas diferentes, a escuderia deixou de lado o discurso em prol do campeonato para privilegiar o do “vença no domingo, venda na segunda”, e determinou que Hamilton permitisse a passagem de Rosberg em certo momento da corrida.

A ideia era: como Rosberg precisa fazer uma parada a mais, precisa ganhar tempo agora ultrapassando Hamilton e Alonso. Assim, teria mais chances de vitória.

De dentro do carro, o inglês fez uma leitura bem mais adequada da situação — pensando, é claro, no objetivo maior, que é o título. Hamilton percebeu que Rosberg realmente poderia vencer caso o ultrapassasse naquele momento e se negou a levantar o pé. O alemão, por outro lado, também não se empenhou muito para ganhar o posto.

Nas voltas finais, a parada extra deu a Nico pneus mais novos que lhe permitiram reduzir na pista a vantagem de quem fizera só dois pits. Terminou a prova atacando Lewis, que se defendeu com agressividade na travada pista de Hungaroring e, após largar dos boxes, garantiu um pódio e uma pequena vitória em termos de campeonato.

Hamilton se negou a abrir passagem ao colega de Mercedes na Hungria (Foto: Getty Images)

Mas o episódio obrigou a Mercedes a realizar uma reunião para reavaliar seus procedimentos e discutir o que seria feito a partir do GP da Bélgica — em suma, os pilotos agora têm de cumprir tudo o que o time os pede.

Sexto assalto: GP da Bélgica

Essa história está fresca na cabeça e nem precisa de tanto contexto. Na segunda volta, Rosberg tentou recuperar a liderança que perdera na largada e colocou por fora na curva Les Combes. Jamais teve vantagem em relação ao companheiro, mas não recolheu o carro, como deveria ter feito, e permitiu que o acidente acontecesse. Isso é o de menos.

A revelação de que o piloto, na reunião do time, admitiu que realmente teve a intenção de se enroscar com o colega muda toda a interpretação que se faz daquilo que pareceu, inicialmente, um toque de corrida. O dedo-duro foi Hamilton, e o reconhecimento em cartório foi feito pela Mercedes.

O toque entre Hamilton e Rosberg na Bélgica – a manobra que mudou a história da corrida (Foto: AP)

O povo que acompanha na F1 está agora no aguardo das consequências do ato. Ordens de equipe agora devem se tornar uma constante no duelo, tirando parte da emoção da disputa pelo título. Ao mesmo tempo, até onde os dois estarão dispostos a ir, a partir de agora, para derrotarem um ao outro?

O próximo assaltado acontece agora no GP da Itália, em duas semanas, que vai dar um bom panorama do quanto que a Mercedes foi capaz de esfriar os ânimos de Hamilton e Rosberg — e do quanto eles estarão dispostos a trabalhar juntos e a cumprir as ordens do time.

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