Conta-giro: polêmica do fluxômetro mancha GP da Austrália e confunde público na estreia dos V6 turbo

As regras introduzidas pela FIA para a temporada 2014 são complexas e confusas, e fica ainda mais difícil a compreensão do público quando, na primeira corrida, um piloto é desclassificado por uma peculiaridade técnica desconhecida pela maioria. Entenda o caso e saiba qual o papel do fluxômetro nas novas unidades de força da categoria


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PARA MUITA GENTE, a exclusão de Daniel Ricciardo do GP da Austrália por uma irregularidade no fluxo de combustível veio acompanhada por um “o que é isso?!”. Trata-se de um dos muitos itens novos no regulamento técnico da F1, que foi aplicado pela primeira vez neste fim de semana (16), em Melbourne. O grande problema, nessa primeira etapa, foi a forma como esse fluxo é controlado, e é isso que a Red Bull alega para tentar se defender e recuperar os 18 pontos conquistados por Ricciardo em sua corrida de casa.

Com a introdução dos motores V6 turbo com capacidade de 1,6 L, a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) exigiu que as montadoras projetassem um equipamento com consumo de combustível significativamente menor. Para forçar ainda mais esse desenvolvimento, foi estipulado um limite de 100 kg de combustível por prova. Até o ano passado, não havia um máximo, mas podia-se gastar mais de 150 kg, dependendo do circuito e do carro.

Mas a FIA acreditava que seria preciso incluir um item a mais nas regras para fazer as fabricantes aprimorarem a eficiência dos motores: o limite do fluxo de combustível. Com essa determinação, o motor precisa ter um desempenho ótimo com menos gasolina entrando nele. Outro objetivo é impedir que as equipes utilizem potência máxima graças a um consumo desenfreado de combustível durante o treino classificatório para tornar ainda mais importante o bom funcionamento do ERS (sistema de recuperação de energia). O desenvolvimento dos sistemas híbridos está se tornando a grande bandeira da FIA.

Chegou-se ao total de 100 kg/h – artigo 5.1.4. Segundo os comissários da primeira etapa da temporada 2014, o carro #3 de Ricciardo "excedeu consistentemente" esse valor ao longo do GP da Austrália.

'Dopado' ou não, Ricciardo resistiu à pressão de Magnussen no fim da prova (Foto: Getty Images)


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Os 100 kg de combustível no tanque na hora da largada significam que, na maior parte dos circuitos, os pilotos vão precisar largar pensando em gerenciar o consumo de combustível. E mesmo numa pista em que seja possível forçar um pouco mais, ou em prova que conte com intervenções do carro de segurança, não é permitido exceder o fluxo de 100 kg/h em momento algum.

Por exemplo: até o ano passado, largava-se com mais gasolina em Barcelona do que em Monza. Contudo, como a corrida italiana é mais rápida, o fluxo acaba sendo maior. Em dados estimados, somente três pistas do calendário tiveram taxa média de consumo maior que os 100 kg/h na última temporada da era dos V8 aspirados: Spa-Francorchamps, Suzuka e Monza.

A polêmica do último fim de semana no Albert Park foi provocada pelos sensores instalados nos carros para garantir o cumprimento dessa regra. Homologados pela FIA, eles apresentaram falhas e medições inconsistentes não só com a Red Bull, mas também com outras equipes.

No caso dos rubro-taurinos, a unidade instalada no carro de Ricciardo teve problemas nos treinos livres de sexta-feira. Autorizada pela FIA, a equipe trocou a peça para o sábado, com a substituta também fazendo medições errôneas. A entidade, então, pediu para que a original fosse remontada no RB10, já em regime de Parque Fechado após a classificação, e orientou a Red Bull no sentido de que uma compensação fosse aplicada aos dados para garantir que o time corresse dentro do regulamento no domingo.

De acordo com o documento divulgado pelos comissários confirmando a exclusão do carro #3, a Red Bull optou por utilizar seu próprio método de controle do fluxo de combustível.

A FIA afirma que, durante a prova, avisou que o time estava com um fluxo de combustível acima do permitido, dando-lhe a chance de corrigir a irregularidade, o que não foi feito. A entidade admitiu que seu sensor não funcionou coerentemente, mas reiterou que uma equipe só poderia utilizar outro método caso fosse autorizada.

Comissários divulgaram extenso documento justificando desclassificação de Ricciardo (Foto: Reprodução)


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Diz o texto dos comissários:

“O delegado técnico relatou aos comissários que o carro #3 excedeu o fluxo de combustível exigido de 100 kg/h. Esse parâmetro está fora do controle do piloto, Daniel Ricciardo. […] O fluxo de combustível é medido utilizando o fluxômetro que é homologado pela FIA e possuído e operado pelo time. […] Contudo, os sensores possuem uma pequena margem de erro e são individualmente calibrados. Só então eles se tornam a referência que os times devem tomar para controlar seu fluxo de combustível. [..] O representante técnico da FIA observou através da telemetria durante a corrida que o fluxo de combustível estava muito alto e contatou o time, dando a ele a oportunidade de seguir sua instrução anterior e reduzir o fluxo de forma com que estivesse dentro do limite, conforme medido pelo sensor homologado. O time escolheu não fazer essa correção. […] Os comissários ficaram satisfeitos com a explicação do representante técnico de que, fazendo um ajuste, como orientado, o time poderia correr dentro do fluxo de combustível permitido. Independentemente da afirmação da equipe de que a culpa era do sensor, eles não podem correr com um método diferente de medição sem a permissão da FIA. Os comissários decidem que o carro #3 não estava em conformidade com o regulamento técnico e está excluído do resultado da corrida.”

O QUE É O FLUXÔMETRO?

Entenda o papel do fluxômetro no carro de F1 (Arte: Rodrigo Berton)

O fluxômetro é um instrumento acoplado ao tanque de combustível que mede a quantidade de gasolina que deixa o reservatório e entra no motor. Ele determina essa quantidade a partir de sinais ultrassônicos emitidos com certa frequência.

No caso da F1, essa frequência foi de 5 Hz no GP da Austrália – era de 10 Hz no início do fim de semana, sendo alterada pela FIA após os primeiros treinos.

No início do ano, a FIA homologou os sensores da empresa Gill Sensors não somente para a F1, mas também para o Mundial de Endurance – que também estreia em 2014 um novo regulamento técnico que visa estimular o desenvolvimento de motores mais eficientes.

Esses fluxômetros são instalados pela própria equipe nos carros e monitorados pela FIA.

A RESPOSTA DA RED BULL

Depois da desclassificação de Ricciardo, a Red Bull não demorou para divulgar uma nota contestando a punição e criticando o funcionamento do fluxômetro.

“Após a decisão da FIA de que a Red Bull violou o Artigo 3.2 do Regulamento Esportivo da F1 e o Artigo 5.1.4 do Regulamento Técnico da F1 com o carro #3, a equipe notificou a FIA sobre seu desejo de apelar imediatamente da decisão. Inconsistências com o fluxômetro da FIA foram predominantes em todo o fim de semana pelo pit-lane. A equipe e a Renault estão confiantes de que o combustível responsável por alimentar o motor estava de total acordo com as regras.”

Na noite de Melbourne, depois de sair da longa reunião com os comissários, Christian Horner também falou com a imprensa. O chefe da Red Bull reforçou que a equipe estava dentro das regras e chamou a tecnologia introduzida pela FIA de “imatura”.

O inglês explicou a razão de a Red Bull ter ignorado o aviso da FIA. “Eles nos informaram, e nós informamos a eles que tínhamos sérias dúvidas sobre os sensores deles. Acreditamos na nossa leitura, do contrário, haveria uma situação em que você reduziria significativamente a potência do motor num momento em que acreditamos que estamos totalmente dentro das regras. Acabamos em uma situação em que, dependendo da calibragem do sensor, para mais ou para menos, vai ditar quem vai ser competitivo e quem não vai”, afirmou.

Christian Horner dá explicações em Melbourne. Já era quase meia-noite (Foto: Getty Images)

De certo modo, Horner credita o resultado de Ricciardo em Melbourne à desobediência à orientação da FIA. Nas voltas finais da corrida, o australiano recebeu pressão de Kevin Magnussen, da McLaren, mas o dinamarquês não conseguiu chegar perto o bastante para tentar uma ultrapassagem. Foi um resultado bastante surpreendente diante do vexame vivido pelo time nos testes da pré-temporada. O time buscou encontrar não só o limite do equipamento, mas também da legalidade, e às vezes, tanto em um como em outro, se passa do dessa tênue linha nessas tentativas.

A equipe austríaca recorreu e vai levar o caso ao Tribunal Internacional da FIA – ou seja, o resultado do GP da Austrália ainda pode mudar novamente.

Ferrari e Mercedes, representadas por seus respectivos chefes, posicionaram-se ao lado da FIA sobre a polêmica. Eles reconheceram que estão havendo dificuldades neste início de ano, mas reiteraram que é preciso colaborar com a entidade para eliminar as falhas que existem neste período de transição.

“Nós precisamos confiar, é um sistema da FIA e ele é feito para ser honesto. Temos certeza de que a FIA vai fazer um bom trabalho com isto e de que não teremos problemas”, disse Stefano Domenicali. “Claro que a FIA está controlando o fluxo de combustível e se comunicando com as equipes, tudo é uma questão de entendimento entre os times e a federação. É um processo de aprendizagem em que os times confiam na federação e vice-versa”, falou Toto Wolff.

Daniel Ricciardo elevou o orgulho australiano neste domingo, mas algumas semanas se passarão até que ele recupere ou não os pontos perdidos na Austrália (Foto: Getty Images)

OS EFEITOS DA POLÊMICA PARA A F1

“Grande farsa”: em letras garrafais, o jornal ‘Herald Sun’ definiu assim a polêmica na capa da edição desta segunda-feira. Esse obscuro item do regulamento técnico da F1 estragou a alegria de Daniel Ricciardo e dos torcedores australianos, e gerou críticas.

A demora na divulgação do veredito também não agrada. A confirmação da desclassificação de Ricciardo aconteceu minutos antes da meia-noite na Austrália. Aliás, isso não é nenhum privilégio desta polêmica. Vários dos casos que foram parar na sala dos comissários recentemente só tiveram sua definição após horas de discussão.

“Eu me sinto, obviamente, muito bem pelo o que fiz ontem. Isso não muda muito. Mas, por outro lado, seria bom obter os 18 pontos. Eu estava no pódio e foi uma sensação incrível”, falou um “nocauteado” Ricciardo à imprensa local na segunda-feira.

Fica a expectativa para que o caso seja resolvido de maneira clara para todos e não abra precedentes, bem como se espera que novas polêmicas por questões igualmente obscuras do regulamento não surjam nos próximos dias.

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