Diários de Viagem: Volta da Alemanha

Entendi o que foi a cidade dividida e notei que essa marca é muito mais presente e evidente que as da Segunda Guerra Mundial

Está chegando ao fim a minha passagem pela Alemanha. Quando amanhecer nesta quarta-feira (24), eu já estarei em Budapeste, na Hungria, para a cobertura da décima prova da temporada 2013 do Mundial de F1, e essas três semanas que passei por aqui se ficarão na memória.

Cheguei aqui no dia 1º de julho, em Frankfurt. De lá fui para Koblenz, onde fiquei hospedado para a cobertura do GP da Alemanha em Nürburgring. De lá, fui a Nuremberg, depois Munique e, por fim, Berlim. A rima não foi intencional.

Ah, Koblenz (Foto: Renan do Couto/Grande Prêmio)

Viajei sozinho, se bem que é difícil se sentir só na Germânia. Tive algumas companhias bem agradáveis durante os últimos dias. A boa Veltins, a interiorana Koblenzer, a encorpada Tuscher, a comum Bitburger, a forte Monschoff, a bávara Augustiner, a estranha Franziskaner, a saborosa Warfeiner e até a australiana Foster’s. Estou esquecendo alguma delas. E, diante dessa lista, já aviso que a precisão também não deve ser o ponto forte deste relato.

Como essa viagem pela Alemanha teve algumas paradas, vamos por partes. Começando pelo começo: a bela região da Renânia (com esse nome, não podia deixar de ser assim).

Primeira etapa: Grosser Preis von Deutschland

Koblenz, Coblença para os lusitanos, é uma cidade de médio porte às margens do Rio Reno. Bem pacata e tipicamente alemã, com aquelas casas com telhados bem inclinados, para a neve não ficar acumulada, e algumas construções bem antigas.
Ela fica a cerca de 60 km de Nürburg, um pequeno vilarejo onde, há décadas, foi construído o Nürburgring.

Minha família é do sul de Minas, de Santa Rita de Caldas, para ser mais preciso. Quando falei com eles, fiz uma comparação um tanto chula, mas que dá alguma noção do que são essas duas cidades: Koblenz é Poços de Caldas e Nürburg é São Bento de Caldas, o pequeno distrito em que meus avós moram, a pouco mais de 60 km de Poços.

Enfim. Apesar da distância, não foi difícil chegar ao circuito. De carro, não levava mais que 1h. Para quem mora em São Paulo, uma hora no trânsito nem é muito. Passa ainda mais rápido quando você está nas Autobahns. Só o trecho final da jornada que era feito por uma estrada menor, com uma pista para ir e outra para voltar. E uma vista muito bonita. Não é uma planície infinita, como a maior parte da Alemanha. Pelo contrário, no caminho uma pequena serra quebra a monotonia da rodovia. E vez ou outra passava um Porsche, um Corvette ou uma BMW duas vezes acima do limite de velocidade.

E não, infelizmente não cheguei a dar uma volta no Nordschleife. Tinha que devolver o carro na segunda de manhã, e aí não deu tempo. Mas outras oportunidades virão, torço. Antes que acabem com a pista.

Esse deveria ter sido o local onde o Partido Nazista realizaria seus congressos (Foto: Renan do Couto/Grande Prêmio)

Segunda etapa: Norisring

Na terça-feira seguinte ao GP, despedi-me de Koblenz. Nuremberg. Ou Niurremberg, como dizem os alemães. Lá fui eu, de trem, daqueles todos chiques e que andam mais rápido que os Porsche na estrada.

Cercada por muralhas, a região central de Nuremberg tem um ar um tanto medieval. Na parte mais alta fica o castelo, que tem uma boa vista da cidade. Descendo o morro, chega-se à área mais movimentada, entre as igrejas, outras construções antigas e o comércio. Ela é relativamente pequena e você não vai precisar de carro para andar por lá. Uma bicicleta ou então os próprios pés já bastam. Eu preferi as bicicletas.

Mas, nas últimas décadas, Nuremberg não ficou marcada como uma cidade medieval e, sim, dentro do contexto do nazismo. Considerada “a mais alemã das cidades alemãs” por Adolf Hitler, ela foi escolhida para receber a festa anual do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, em um enorme complexo localizado a sudeste da área cercada pelas muralhas. O lugar não chegou a ser concluído por causa da guerra, mas as obras iniciadas ainda estão de pé – ainda que em ruínas.

Além do apreço de Hitler por Nuremberg, outro importante acontecimento marca a ligação da realidade com a Segunda Guerra Mundial: o julgamento dos crimes de guerra cometidos pelos nazistas, no Palácio da Justiça.

Além disso, há museus – visita obrigatória para quem for a Nuremberg – nestes dois lugares. É pesado, mas pesado como qualquer coisa que remete ao nazismo. Eu diria que não há nada que seja impactante ao ponto de fazer você pensar duas vezes para conhecer – como imagino que seja em um campo de concentração.

É em meio à história da Segunda Guerra Mundial que o circuito de Norisring é montado para receber os carros do DTM em corridas que normalmente são boas. Neste ano, mais uma vez, foi bem animada. E pouco se fala no passado do lugar. A primeira prova aconteceu ali em 1947.

Englischer Garten, em Munique (Foto: Renan do Couto/Grande Prêmio)

Terceira etapa: München

Passada a prova do DTM, parti para Munique num trem não tão novo quanto o da semana anterior. Mas tudo bem, o que importa é que eu cheguei ao destino na tarde da segunda-feira, com tempo para conhecer a Allianz Arena.

O estádio impressiona pelo tamanho. Não pensava que ele fosse grande como é. Claro que em um dia de jogo é completamente diferente, mas, exceto por essa grandeza e pela parte externa, achei uma arena bem sem graça. Nada marcante, nada que dê um ar de que estádio legal, histórico, importante, sei lá o que mais.

No dia seguinte, fui ao Estádio Olímpico de Munique, palco das Olimpíadas de 1972 e da final da Copa do Mundo de 1974. Esse, sim, tem características que marcam, apesar de sua simplicidade. A arquitetura é única. Podia não ser o melhor lugar para se assistir a uma partida de futebol, já que alguns lugares ficavam muito distantes do gramado, mas é um estádio muito interessante. Agora é usado apenas para shows e outros eventos. E tem também uma tiroleza que funciona diariamente. Mas é muito alta. Alta o suficiente para eu não me arriscar.

Ah, claro, as bicicletas. Falei delas em Nuremberg e reforço agora em Munique. Quando estiverem na Alemanha, aluguem bicicletas. É a melhor maneira para conhecer as cidades. Para chegar ao Parque Olímpico, por exemplo, pensei em fazer um caminho um pouco mais longo, para ver mais de Munique, e errei esse caminho umas três vezes. Do Parque Olímpico, fui ao Englischer Garten, do outro lado da cidade. Bonito demais. O lugar que mais vale a pena em Munique. Ao todo, pedalei uns 25 km nesse dia.

Encerrei a minha passagem pela Baviera com o dia mais turistão da viagem toda: em um tour para os castelos de Lindenhof e Neuschwanstein. Também valem a pena, não só pelos castelos em si, mas pela bela vista que os cerca.

O Muro e suas ruínas são as coisas que mais marcam em Berlim (Foto: Renan do Couto/Grande Prêmio)

Quarta etapa: Berlin

Foi só chegando a Berlim que me caiu a ficha sobre o que foi o período da Guerra Fria e a divisão entre RDA e RFA. Tá, o muro caiu há 24 anos, e muita coisa mudou desde então, mas, aqui, passei a ter uma noção bem maior do que foi o Muro. Entendi o que foi a cidade dividida e notei que essa marca é muito mais presente e evidente que as da Segunda Guerra Mundial.

Primeiro, porque os alemães, vilães da história na guerra, não gostam muito de lembrar essa parte da história. Segundo, porque a Guerra Fria é bem mais recente e envolveu ao menos duas gerações que ainda estão vivas. Estando aqui, você pensa em quantos prédios, casas, praças e ruas que não existiam até a década de 1990 porque havia um muro onde elas foram construídas. E em como trajetos que hoje são tão comuns, como ir da Potsdamer até a Alexander Platz, antes eram impossíveis.

24 anos depois, as diferenças entre a Berlim Oriental e a Ocidental não são mais tão grandes. Andei bastante de bicicleta pelos dois lados da cidade. Dá para notar algumas peculiaridades, especialmente nos prédios, e as influências do capitalismo e do socialismo. O lado Ocidental também é um pouco mais comercial. O lugar que eu achei mais bonito foi a Karl-Marx Allee. Uma larga avenida cheia de árvores, jardins, prédios lindos e fontes igualmente lindas. Uma Champs-Élysées dos comunistas. Isso dos lugares que vi. A Avenida 17 de junho, que divide o Tiergarten em dois, também é bem bonita. A Champs-Élysées da Berlim capitalista.

E o Estádio Olímpico, olha… não conheço tantos estádios assim, mas esse é, de longe, o mais bonito que já conheci. A fachada é dos anos 1930. O interior, atual. O maior exemplo de como modernizar um estádio sem acabar com a tradição – ignorada no Maracanã e no Mineirão reformados para a Copa de 2014.

Para encerrar, vou levar algumas coisas dessa primeira passagem pela Alemanha. A comida é ruim, enjoa no terceiro dia. Nunca gostei tanto da cozinha italiana quanto nestas semanas. As cervejas são muito boas. O país é muito bonito. E fazia uns cinco anos que não andava tanto assim de bicicleta. Além disso, deixarei o quarteto de gordos do GP, que agora vira um trio com Victor, Hugo e Berton.
Semana que vem, os Diários de Viagem volta, com o relato da minha ida à Budapeste para o GP da Hungria.

PS: Tô falando que esse negócio do Muro foi o que mais me marcou aqui em Berlim. De ontem para hoje, tive um dos sonhos mais nonsense da minha vida. Sonhei que estava envolvido com uma espécie de DTM da RDA logo após a construção do Muro. Estávamos tentando resolver o que fazer da vida. Meio clandestino, o negócio, parecia que estávamos fugindo. De repente, voltamos 30 anos no tempo e estávamos fugindo com carros e equipamentos da guerra mesmo. Se algum especialista em Freud estiver lendo este texto, favor entrar em contato. Grato.

Adivinhem qual era o carro do campeonato estranho com o qual sonhei (Foto: Renan do Couto/Grande Prêmio)
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