Entre ascensão, queda e recomeço, Pérez coroa carreira persistente com vitória histórica

A jornada que culminou com a primeira vitória de Sergio Pèrez na Fórmula 1 foi um reflexo da sua trajetória. O mexicano chegou a ter a carreira desacreditada diante do seu maior fracasso nas pistas, soube se reinventar, persistiu e chegou ao topo do pódio em um momento curioso e particularmente duro: na melhor fase e com poucas perspectivas de continuar no grid em 2021

“Tantos anos, tanto esforço, sacrifícios, momentos ruins, [momentos] bons, falta de oportunidades… Tantos momentos na minha carreira, na minha vida, em que sonhei em estar aqui, e hoje é um dia muito especial. Um dia super especial para mim, um dos dias mais incríveis da minha vida porque há tantos anos sonhava com o hino nacional no topo da Fórmula 1, com tanta gente olhando nossa bandeira lá em cima. Um dia de muito orgulho… Para minha família, para Carlos Slim, que tanto me apoiou, para tanta gente envolvida neste projeto. Fiz tanta gente feliz no meu país e tenho certeza que vai ser lembrado por muitos anos, por muitas gerações, e espero que não seja nossa última vitória na Fórmula 1. Muito obrigado por todo o apoio.”

Passada toda a adrenalina pelo momento mais importante e esperado da carreira, o triunfo no incrível GP de Sakhir do último domingo, Sergio Pérez desabafou. Era como se o mexicano de Guadalajara olhasse para trás e visualizasse um filme de tudo o que passou na sua carreira, desde quando ainda era um menino, e tivesse tirado todo o peso de 50 anos sem vitórias do México na Fórmula 1, desde Pedro Rodríguez no GP da Bélgica de 1970.

Pérez coroou uma trajetória de dez temporadas na Fórmula 1 com a vitória em Sakhir (Foto: Racing Point)

Desde então, o país teve alguns nomes relevantes no automobilismo americano, como Adrián Fernández e Michel Jourdain Jr. na Indy e, atualmente, Daniel Suárez na Nascar. Mas ‘Checo’ despontou como o piloto mais importante do país desde os ‘Hermanos’ Ricardo e Pedro Rodríguez. Ainda muito menino, foi o escolhido pelo ambicioso projeto chamado Escudería Telmex, criado pelo bilionário Carlos Slim, para ter seu talento lapidado no automobilismo da Europa desde 2005, quando tinha somente 15 anos.

O investimento no menino mexicano valeu a pena. Sergio se desenvolveu como piloto, evoluiu de maneira significativa correndo por categorias como Fórmula BMW e Fórmula 3 Inglesa, ficou dois anos na GP2 — o antigo nome do que hoje é a Fórmula 2 — e foi vice-campeão em 2010, ficando só atrás de Pastor Maldonado.

O desempenho de Pérez foi determinante para que Slim aumentasse o orçamento na carreira do compatriota, o que elevou ‘Checo’ à Fórmula 1 em 2011, sendo contratado pela Sauber. Naquele mesmo ano, o latino-americano passou a integrar a cobiçada Academia de Pilotos da Ferrari.

No mesmo ano em que Pérez teve sua chance de subir à Fórmula 1 com a Sauber, Maldonado subiu à principal categoria do esporte a motor como piloto da Williams. A chegada dos latino-americanos, impulsionados pelo dinheiro de patrocinadores fortes dos respectivos países e por isso taxados como pilotos pagantes, provocou certa desconfiança no conservador e europeu mundo da F1, que costuma olhar torto para a chamada América Latina hispânica.

SERGIO PÉREZ; SAUBER; FÓRMULA 1; GP DA MALÁSIA; 2012
Sergio Pérez ao lado de Fernando Alonso no seu primeiro pódio na Fórmula 1 (Foto: Sauber)

Em 2012, na temporada marcada pela única e improvável vitória de Maldonado — no GP da Espanha, último triunfo da Williams na F1 —, Pérez apagou por completo o rótulo pejorativo de pagante com uma temporada exuberante pela mediana Sauber. Quase ganhou o GP da Malásia, foi terceiro colocado no GP do Canadá e ficou em segundo no GP da Itália. Uma performance soberba para um piloto que, no seu segundo ano na F1, chamou a atenção do grid. Sergio revelou recentemente que chegou até a conversar com a Mercedes, mas Lewis Hamilton era a primeira opção. O britânico foi para a equipe de Brackley para substituir Michael Schumacher, enquanto ‘Checo’ foi ocupar o lugar deixado por Lewis na McLaren.

A escolha pela McLaren parecia óbvia. Uma equipe historicamente campeã e vitoriosa, acostumada a disputar títulos e que havia fechado 2012 em alta. Pérez não teve dúvidas em mandar às favas o compromisso que tinha com a Ferrari em busca do que parecia ser a grande chance da carreira. Só que deu tudo errado.

Se a McLaren entrava em uma espiral descendente, da qual começou a se recuperar apenas no ano passado, Pérez se transferiu para Woking verde demais, com apenas 23 anos, e não teve a maturidade necessária para lidar com a pressão, com um carro ruim, e por correr ao lado de um companheiro de equipe ‘cascudo’ como Jenson Button. Os resultados esperados não vieram — a melhor performance de Sergio foi o quinto lugar no GP da Índia. Antes mesmo do desfecho da temporada, o mexicano recebia a notícia de que não continuaria em 2014.

Pérez chegou muito verde à McLaren. Uma união que não deu certo (Foto: McLaren)

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Dizem que nas derrotas estão os maiores ensinamentos. Pérez aprendeu na dor, deu o que parecia ter sido um passo atrás, mas na verdade a ida para a Force India em 2014 foi a decisão que representou o seu renascimento para o esporte. Em uma equipe com bases sólidas, em ascensão e com um companheiro de equipe bom e que jamais causou grandes problemas nos bastidores, Nico Hülkenberg, ‘Checo’ teve a chance de mostrar que sua fracassada passagem pela McLaren foi tão somente um acidente de percurso.

Pérez construiu uma carreira consistente e respeitável em uma equipe que não fazia parte do rol das grandes da Fórmula 1. Conquistou nada menos que cinco pódios entre 2014 e 2018, um feito digno de nota para quem não corre pelo trio de ferro formado por Mercedes, Ferrari e Red Bull e, por dois anos seguintes, 2016 e 2017, fechou como o chamado ‘melhor do resto’, terminando o Mundial de Pilotos em sétimo. Neste período, travou uma visceral rivalidade com Esteban Ocon, que por muito pouco não resultou num grave acidente em Spa-Francorchamps.

O mexicano criou uma identidade com a equipe de Silverstone. Não apenas como piloto, mas também como parceiro de uma organização que vivia às voltas com os rumores sobre problemas financeiros enquanto Vijay Mallya, dono da equipe, tinha de se explicar diante das acusações de fraudes em bancos indianos para pagar dívidas incalculáveis da sua companhia aérea, a Kingfisher. Com a equipe em vias de fechar as portas no verão europeu de 2018, Pérez teve de tirar dinheiro do próprio bolso e pagar mais de 400 funcionários, atitude fundamental para salvar os empregos antes que a equipe fosse comprada por Lawrence Stroll, pai de Lance Stroll.

Pérez reconstruiu a carreira na Force India (Foto: Force India)

O preço para que as dívidas fossem todas sanadas foi alto: além da mudança de nome, de Force India para o pouco carismático Racing Point, papai Stroll também promoveu o filho Lance a titular no lugar de Ocon, uma vez que Pérez trazia uma boa quantia em dinheiro oriundo dos patrocinadores mexicanos e foi mantido.

O primeiro ano da Racing Point sob nova gestão foi irregular. O projeto do novo carro não era lá tão bom e, por mais que Pérez tirasse leite de pedra às vezes, nem mesmo o mexicano foi capaz de ir além. Mesmo assim, ‘Checo’ superou de longe o novo companheiro de equipe e goleou Stroll em 52 x 21 pontos no Mundial de Pilotos para terminar em décimo na tabela, cinco posições à frente do canadense.

A história de empresário de sucesso de Lawrence Stroll mostra que o bilionário jamais entra em jogo algum para perder ou ser um mero coadjuvante. Por isso, a Racing Point não mediu esforços para chacoalhar o mundo da Fórmula 1 com a cópia idêntica do Mercedes W10 campeão do ano anterior. Nascia o RP20, ou a ‘Mercedes rosa’ com o qual a equipe de Silverstone buscaria ser não apenas a melhor do resto, mas incomodar as grandes e até sonhar com vitórias.

A vitória quase veio logo na primeira corrida, o GP da Áustria, se não fosse por um erro estratégico com Pérez nas voltas finais da corrida no Red Bull Ring. Mesmo assim, o piloto de Guadalajara marcou posição com um bom início de campeonato, mas foi pior que Stroll na Hungria. Na terceira corrida do ano, foi o canadense que ficou perto do pódio, enquanto Sergio teve uma jornada mais apagada.

Mas o momento mais difícil de Pérez no ano foi o momento em que testou positivo para Covid-19 às vésperas do GP da Inglaterra. O piloto perdeu as duas corridas em Silverstone, no começo de agosto, ficando fora também do GP dos 70 Anos na semana seguinte, e foi substituído por Hülkenberg.

Sergio Pérez ainda não sabe o que faz em 2021 (Foto: Racing Point)

Recuperado do coronavírus, Pérez voltou a pontuar com frequência, embora tivesse apresentado uma performance bastante oscilante. Já Stroll perdia a maior chance de vencer na F1 ao vacilar na relargada do GP da Itália e permitir a ultrapassagem de Pierre Gasly, que alcançou uma vitória marcante no palco dos grandes pilotos, Monza.

Naquele fim de semana em Monza, Pérez soube, aos gritos de Lawrence Stroll, que estava fora dos planos da Racing Point/Aston Martin para 2021. O contrato do mexicano, que valia até 2022, foi praticamente rasgado. O canadense não titubeou ao trazer o tetracampeão Sebastian Vettel e, como jamais dispensaria o filho, ‘Checo’ foi a bola da vez e teve de amargar a dispensa ao fim da temporada.

Da Itália em diante, Pérez apresentou uma performance muito forte na comparação com os outros pilotos do pelotão intermediário da Fórmula 1. Quarto lugar nos GPs da Rússia e de Eifel, o competidor teve uma jornada brilhante na Turquia para voltar ao pódio depois de mais de dois anos, com uma pilotagem soberba no traiçoeiro asfalto de Istambul, sendo superado apenas por Hamilton, enquanto Stroll se perdeu quando parecia, de novo, ser ele o responsável por levar a Racing Point do pai à primeira vitória na F1.

Ironia do destino, Pérez caminhava para mais um pódio no GP do Bahrein quando viu o motor Mercedes abrir o bico e deixá-lo na mão a três voltas da bandeirada, encerrando uma sequência de todas as corridas da temporada em que havia disputado na zona de pontuação.

Para o fim de semana do GP de Sakhir, a Racing Point optou por colocar um motor usado no carro de ‘Checo’ para evitar a punição de grid. O mexicano novamente fez uma ótima classificação e se colocou em quinto lugar, mas estava nitidamente preocupado com a condição da unidade motriz em uma corrida que seria muito exigente para os motores por conta da configuração do traçado do anel externo. Mas estava claro que, dentro da normalidade, Pérez poderia almejar o quarto lugar e, com sorte, algum degrau no pódio.

O azar que tirou o pódio de Pérez uma semana atrás em Sakhir deu lugar à sorte desde o começo. Primeiro, escapou por muito pouco de ter a suspensão do carro quebrada na batida provocada por Charles Leclerc e que levou Max Verstappen também a abandonar. Sergio quase ficou pelo caminho, rodou e caiu para último dentre os 18 pilotos que estavam na pista.

Como no pior momento da carreira, quando amargou o fracasso na McLaren, Pérez não desistiu e seguiu abrindo caminho com uma pilotagem marcante. Subiu os degraus ao longo da corrida, sequer tomou conhecimento de Stroll a fazer uma grande ultrapassagem sem a menor cerimônia e estava no lugar certo e na hora certa quando a Mercedes se enrolou por completo no seu trabalho de pit-stop com George Russell e Valtteri Bottas. De último, ‘Checo’ era o líder da corrida.

SERGIO PÉREZ; GP DE SAKHIR; F1; FÓRMULA 1; VITÓRIA;
Depois de 50 anos, ‘Checo’ Pérez colocou a bandeira mexicana no topo da F1 (Foto: Racing Point)

A sorte voltou a sorrir para o mexicano depois que Russell, cada vez mais perto e despontava como uma ameaça à sua liderança, teve um pneu furado e precisou voltar aos boxes. Daí em diante, foi torcer para que não houvesse nenhum imprevisto. Com a vantagem controlada para Ocon, o seu grande rival dos tempos de Force India, Pérez finalmente alcançou a glória com o topo do pódio na Fórmula 1. O sonho de menino acabava de virar realidade.

A maior conquista da carreira de Pérez veio no momento em que sua permanência na Fórmula 1 é um completo ponto de interrogação. O mexicano deixou claro que só vale a pena ficar no grid se estiver em um carro competitivo, leia-se Red Bull. A equipe taurina não descarta Sergio e considera até Hülkenberg, mas tende a manter o contestado Alexander Albon.

Apesar da ampla campanha a favor do mexicano, Helmut Marko, o falastrão consultor da Red Bull, disse que a vitória de Pérez não mudou nada no processo de escolha do companheiro de equipe de Verstappen para 2021. O ainda piloto da Racing Point deixou escapar que não tem tantas esperanças em receber a ligação do dirigente austríaco.

O fato é que Pérez tem chances reais e cada vez mais fortes de não permanecer no grid da F1 no ano que vem. O que diz muito sobre o que é a categoria nos tempos de hoje e evidencia que performance, talento, capacidade e experiência e possibilidade de vencer muitas vezes não é o mais importante para escolher quem vai ficar com uma vaga competitiva. Seja como for, neste paradoxo que é poder ficar fora justamente no momento em que vive o auge da carreira, Pérez diz que ainda não é o fim. “Espero que não seja nossa última vitória na Fórmula 1”, lembra.

Mas se for o fim da linha, Pérez sairá de cena com motivos de sobra para se orgulhar. E feliz por contar aos filhos que, depois de ser desacreditado tantas vezes, colocou seu nome na galeria dos vencedores da Fórmula 1. Definitivamente, valeu a pena demais, ‘Checo’.

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