Flerte de empresa do Catar põe F1 de novo no radar de países dotados de políticas questionáveis ao longo da história

Segundo o diário britânico ‘Financial Times’, o grupo de investimentos Qatar Sports deseja, em última análise, até comprar a totalidade de ações da F1, virando dona do esporte. A possível negociação colocaria novamente a categoria no raio de países envolvidos em grandes polêmicas ao longo de sua história recente

A história mostra que o dinheiro quase sempre falou mais alto na F1. Não importa, no fim das contas, onde são realizadas as corridas, o que vale é sempre o dinheiro no bolso do organizador. Uma volta ao passado mostra que a categoria já ignorou ditaduras militares, governos envolvidos em denúncias de corrupção e violação de direitos humanos ou mesmo o apartheid, horrendo regime de segregação racial na África do Sul.

O futuro GP da Europa, que a partir do ano que vem será realizado no Azerbaijão, chega a colocar a F1 de volta a um país envolvido em denúncias de violação de direitos humanos. Além disso, outra notícia que caiu como uma bomba na última terça-feira (23) indica que a categoria poderá ter um novo dono em breve. De acordo com o diário britânico ‘Financial Times’, o grupo de investimentos Qatar Sports pode se aliar à RSE Ventures, de propriedade do empresário e dono do Miami Dolphins, Stephen Ross, para adquirir 35,5% das ações do esporte e assumir o controle, que hoje é do grupo CVC, num negócio que giraria em torno de R$ 24 bilhões.

Ainda segundo o jornal, o Qatar Sports deseja, em última análise, até comprar a totalidade de ações da F1, virando dona do esporte. A empresa é proprietária do hoje milionário Paris Saint Germain, um dos clubes mais ricos de todo o mundo.

O Catar recebe a abertura da temporada da MotoGP no belo circuito de Losail (Foto: Repsol)

Tal negociação colocaria o Catar novamente na rota de um grande esporte, é verdade. Recentemente, o pequeno país do Oriente Médio recebeu o Mundial de Handebol e promove há anos a etapa inaugural da MotoGP no circuito de Losail.

O Qatar Sports Investment se apresenta como fundo 100% privado, mas está ligado ao fundo soberano do país (Qatar Investment Authority). E isso ligaria definitivamente a F1 a um país envolvido em muitas polêmicas recentes, sobretudo quanto à realização da Copa do Mundo de 2022.

No recente escândalo que eclodiu na Suíça e provocou a prisão de diversos dirigentes da FIFA — entre eles, o brasileiro José Maria Marin, ex-presidente da CBF —, muitas são as denúncias de corrupção por compra de votos na eleição que definiu o Catar como sede do evento daqui a sete anos. Além disso, outras denúncias sobre trabalho escravo — envolvendo, em sua maioria, trabalhadores oriundos da África, Índia, Paquistão, Sri Lanka e Bangladesh — na construção dos estádios que sediarão o Mundial.

Ao lado do príncipe barenita Salman Bin Hamad Al Khalifa, Bernie Ecclestone faz questão de dizer que a F1 não se envolve em política e religião (Foto: Getty Images)

A própria história conta que a F1 faz questão total de ignorar o cenário interno dos países por onde passa para realizar as etapas do Mundial. A categoria correu pela primeira vez na Rússia no ano passado, baseando seu evento no Parque Olímpico da litorânea Sochi. O país, comandado pelo presidente Vladimir Putin, emprega uma polêmica lei que viola os direitos dos homossexuais, na qual o próprio Bernie Ecclestone já se mostrou favorável, concordando totalmente com a política empregada por Putin.

Ecclestone, aliás, sempre que pode se declara contra a democracia e entende que um regime em que várias pessoas decidem os rumos da F1 é prejudicial ao próprio esporte.

Recentemente, a F1 ignorou o cenário sociopolítico tenso do Bahrein e foi em frente na realização do seu GP (Foto: Divulgação)

Em sua história, muitas vezes a F1 realizou corridas em países governados por regimes totalitários e marcados por denúncias de violação aos direitos humanos. Para citar dois exemplos, estão a indiferença ao regime do apartheid na África do Sul entre os anos 70 e 90, e a ditadura militar na Argentina, quando pneus e fuzis dividiam o mesmo espaço no paddock. Mesmo nos mais cruéis dos anos de chumbo na América do Sul, mais precisamente na Argentina de Videla e no Brasil de Médici, e durante o regime segregacionista no país africano, a F1 simplesmente ignorou o cenário político, as mortes e a violência empregada para colocar seus carros na pista.

Depois de algumas décadas, a F1 voltou a conviver em um cenário de conflito político. Com sede de democracia, o povo barenita aproveitou o auge do movimento chamado Primavera Árabe, que havia eclodido no fim de 2010 na Tunísia e ganhou corpo em boa parte dos países do Oriente Médio. No Bahrein, a luta era para destronar do governo o rei Hamad bin Isa al-Khalifa. No país, a maioria da população é de origem xiita, enquanto a minoria sunita protagoniza a elite e o poder político.

Com a Primavera Árabe, muitos protestos tiveram origem, com a maioria da população insatisfeita com os desmandos do monarca barenita. Ao todo, foram pelo menos oito mortos em manifestações, pelas estatísticas oficiais, enquanto organizações de defesa aos direitos humanos falaram em números muito maiores. O governo do Reino Unido, por exemplo, desaconselhou seus cidadãos a viajarem ao Bahrein para a corrida que seria disputada em 13 de março. Diante de tantos protestos, ameaças e caos político, restou a Bernie Ecclestone, ainda que muito a contragosto, cancelar, em 22 de fevereiro, a prova que marcaria o início da temporada 2011.

O governo do russo Vladimir Putin é alvo de críticas e denúncias de violação aos direitos dos homossexuais (Foto:AP)

No ano seguinte, contudo, mesmo com inúmeras denúncias de violação aos direitos humanos por parte do governo barenita, a F1 seguiu em frente e realizou seu GP do Bahrein, num ciclo que seguiu ininterrupto desde então. Em 2015, a Anistia Internacional publicou um relatório no qual acusa a monarquia por não cumprir com o prometido quanto à violação aos direitos humanos, apontando que as torturas contra rebeldes ao governo do rei Hamad são recorrentes.

Mas Ecclestone, o chefe supremo da F1, garante: “Nós nunca, jamais nos envolvemos com religião e política. Não tomamos decisões baseadas nessas coisas. Não cabe a nós fazer o país andar”, declarou o britânico no começo da década. A máxima, mais do que nunca, deverá prevalecer caso o fundo de investimentos do Catar assuma o controle acionário da categoria.

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