GUIA 2022: Caçador experiente, campeão Verstappen passa a ser maior das caças da F1
Max Verstappen fez o que sempre sonhou e ganha de presente um mundo novo onde todos os pilotos babam para derrotá-lo. E agora?
Quando ia dormir ainda menino, detentor de um óbvio talento e com um pai com experiência suficiente para ensinar os caminhos da carreira – ainda que com métodos discutíveis, como se sabe -, Max Verstappen já contou que sonhou muitas vezes com a glória máxima: ser campeão mundial de Fórmula 1. É uma tarefa árdua, para apenas um punhado de seres humanos que viveram nos últimos 70 anos, mas Verstappen conseguiu. O que recebe em troca é um novo mundo: um mundo em que sua foto é um alvo de rivais que se preparam para batê-lo nas pistas e de jovens que vencem a Red Bull #1 todos os dias na hora do repouso. A síntese é que o mundo dele mudou. Vitórias morais nunca mais serão aceitas como fragmentos de sucesso.
A partir de agora, Verstappen, o caçado, será cobrado sempre por títulos. A despeito de carros, pessoas e situações, a cobrança será por títulos e qualquer coisa diferente disso fará com o holandês seja visto como um fracasso perene. Tem sido com o tetracampeão Sebastian Vettel e com o bicampeão Fernando Alonso ao longo dos anos em que ainda tiravam muitos coelhos da cartola sem que tivessem equipamento ou as circunstâncias corretas para adicionar um título mais à prateleira de glórias.
Mesmo que ainda tenha 24 anos, Verstappen é visto como um piloto experiente na F1. Afinal, como foi o mais jovem da história a participar, tem carreira já longa. A temporada 2022 será a oitava, uma a mais que o pai Jos conseguiu no Mundial ao longo dos anos 1990. Durante todo esse tempo, Max foi o caçador. Pela pequena Toro Rosso ou na grande Red Bull, o fato é que viveu a experiência F1 com um talento colossal apenas no mundo da Era Híbrida. Tinha, assim, uma adversária imbatível representada pela Mercedes.
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Apesar de ter um carro muito forte e totais condições de ser campeão no ano passado e de ter liderado boa parte do ano, mesmo assim Max ainda era o perseguidor. No fim das contas, afinal, a perseguição não estava representada na tabela do campeonato e pelo número de pontos. Com Lewis Hamilton campeão quatro vezes seguidas, batendo os recordes, chegando a inimagináveis 100 vitórias, perseguir significava vencer o invencível. A perseguição na classificação do campeonato perdia importância e o cinturão era a história. Era isso que ambos perseguiam: história. Para Hamilton, a de todos os recordes e números que conferem a ela – justamente – a pecha de maior de todos; para Verstappen, a história era mudar o rumo do campeonato e quebrar um tabu inquebrantável de conquistas seguidas de Lewis e Mercedes.
Como isso veio? Bom, inicialmente, a velocidade que sempre foi cantada em verso e prosa, a agressão invejável, foi lapidada. Max já não é tão impetuoso quanto anos atrás, pelo menos na maior parte do tempo. Sabe muito bem quando controla uma corrida, uma característica sem a qual jamais superaria Hamilton. Ao longo da temporada 2021, a regularidade foi uma arma poderosa. Se faltava a Max a finalização aos sábados para conquistar a pole quando tinha carro para isso naquele primeiro trecho do campeonato, as corridas passavam sem equívocos. Para Hamilton, não. Erros em Ímola e no Azerbaijão entraram no caminho e só não custaram muito mais por pura sorte: uma bandeira vermelha na hora certa e um estouro de pneu do rival, respectivamente. Mas Verstappen raramente saiu do nível máximo de atuação durante o ano.
“Max claramente amadureceu”, disse Helmut Marko, em entrevista à revista austríaca Autorevue. “Esse processo de maturidade nem sempre foi tão visível de fora, mas atingiu um nível alto rapidamente. Você tem de lembrar que ele ainda tem apenas 24 anos. Verstappen guiou quase sem falhas [no ano passado], melhorou em todas as áreas e não é mais impetuoso. No passado, gostaria de fazer tudo na primeira volta. Se alguma coisa não desse certo na preparação, ele sempre explodia. Hoje, fica calmo. Tivemos alguns problemas técnicos, mas agora ele tem outra perspectiva”, acrescentou.
É verdade, claro, que a temporada chegou ao fim de maneira polêmica e que Verstappen contribuiu bastante para tanto nas quatro últimas corridas do ano. É a demonstração de que o ímpeto de adolescente ainda está por ali, navegando em algum canto da psique do campeonato mundial e tende a aparecer de tempos em tempos. Há quem olhe para os toques entre os dois nos GPs da Inglaterra e da Itália com maldade e há quem ignora somente como situações de corrida. A verdade é que, embora tenham sido, sim, situações de corrida, sem um vilão, é possível entender certas coisas em situações como essas.
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No caso da Itália, ficou claro para o mundo todo que Verstappen não cederia um centímetro para Hamilton ou o bom senso naquele momento do ano. Ali, ainda que tenha sido considerado mais culpado que o rival, não foi grande vilão e se defendeu de maneira que até era plausível, ainda que de um jeito kamikaze. Jamais cederia.
Aí, no Brasil, quando a Mercedes chegou repentinamente com uma máquina de correr que o W12 não era há meses, Hamilton só não dominou completamente por punições diversas. Todas justas, claro, mas que tornaram aquela corrida muito mais dramática do que seria em condições normais. Lewis naturalmente trituraria a concorrência, mas da forma como foi a sensação desde a largada era de que Verstappen estava lá como um carneiro para o sacrifício. E aí, já que nada tinha a perder, agiu de maneira a esgarçar o que acontecera na Itália. Não havia como segurar Hamilton, então, na hora de se defender, espalhou e fechou a porta. Não apenas a porta do traçado, veja bem. Uma coisa é tirar o espaço e obrigar o rival a sair da pista, mas Verstappen foi para fora junto e empurrou a Mercedes longos metros para fora. Como não foi punido nem no ato e nem quando a imagem onboard apareceu, aquele se tornou o novo limite.
Na Arábia Saudita, fez uma salada de equívocos, foi chamado a atenção e punido com penalização pequena por diversas vezes e conseguiu ainda terminar em segundo. Era o que dava, mas o arco até chegar lá foi complexo. Incluiu o erro mais grave do ano, a batida na classificação.
“Até então ele era sensacionalmente rápido. Ele estava guiando o carro tão acima do limite que era até visível. Mas não aconteceu nada além de ‘quero vencer e farei tudo por isso’. Eles [pilotos como Verstappen] crescem além de possibilidades normalmente inexistentes”, pontuou Marko.
Assim como o fim do campeonato, em Abu Dhabi, pega mais para a FIA em si que para Verstappen, que apenas recebeu uma chance facilitada de ultrapassar e ganhar o campeonato. E vai lá que, apesar da perna pesar na prática, ficou leve, leve na teoria e conseguiu passar.
As torcidas de Hamilton e Verstappen no Brasil (não só) se transformaram em verdadeiras fandons de BBB ao longo de 2021 e estão prontas a agir como milícia virtual ao primeiro sinal de alguém que não arque os joelhos em sinal de deferência para os personagens de seu afeto. Mas aqui vai algo que está claro na opinião de todos: Verstappen é um sujeito apegado ao limite. Na velocidade, sim, mas também na legalidade. Se passa dos limites e não é contido, o limite ao qual passa a respeitar passa a ser um aquém das fronteiras do original. O bom senso se perde e a voracidade fica semelhante a algo muito diferente. É preciso saber como contê-lo até para preservar a figura de um dos mais talentosos pilotos de que se tem notícia e para que seja um grande campeão nos pilares do legado que ainda constrói.
Há uma outra questão interessante aí. Estar no limite é confortável para Max. A adrenalina funciona para ele, e a Red Bull sabe disso. A equipe se moldou ao jovem piloto nos últimos anos. O carro é a cara dele, as chaves estão com ele e o trabalho junto à Honda, que saiu de motivo de piada na F1 para campeão, é destaque, mas é mais que isso. Muito mais velhos, o chefe Christian Horner e o consultor Helmut Marko sempre tiveram a personalidade belicosa que ainda mostram. Não há nada de errado nisso, mas é curioso ver como, mesmo com essa personalidade, nunca abraçaram o papel de brigões de rua até recentemente. Verstappen deixou também os dois veteranos confortáveis para serem quem são. A Red Bull é uma espécie sofisticada de Bad Boy Pistons do fim dos anos 1980 na NBA. Brigar faz bem a eles e torna a equipe, enquanto grupo, irresistível.
O afeto pela contenda, então, passou a ser parte muito importante do DNA da equipe. Mas Verstappen nem sempre precisa brigar. Pelo contrário: esteve mais confortável que nunca quando pôde controlar. É o sinal de um grande piloto e que pode fazer diferente. Ficar mais confortável que praticamente todos os seres humanos sob pressão não muda o fato de que pressão e limite são duas coisas que favorecem os erros. Controlar é o que te permite a regularidade que Verstappen mostrou no começo de 2021. O próprio piloto sabe disso. “Para mim, não precisa ser assim todo ano, não acho que você consegue durar muito tempo na F1 desse jeito”, afirmou logo após o título.
A pré-temporada de 2022 serviu para esquentar. O RB18 é o primeiro carro do campeão Max Verstappen e começa aprovado. “Tivemos nossas primeiras impressões e o carro parece bom. As regras são muito diferentes esse ano. Eu ainda não tenho miro em nada para a temporada, apenas quero partir para a pista e tentar fazer o melhor que puder, como faço todos os anos”, disse o holandês, que também decidiu ampliar sua ligação com os taurinos, em um novo contrato que agora vai até 2028.
A questão é que 2022 não é como todos os anos. Na verdade, nenhum ano daqui para a frente será como os que passaram. Vitórias morais e boas participações não bastam para um campeão. De um campeão, como Max é agora, o que se cobra são títulos e a construção de um legado. A vida mudou, Max. É preciso se acostumar.
O GRANDE PRÊMIO acompanha o campeonato e abre nesta segunda-feira (14) um guia completo sobre tudo que é preciso saber para o Mundial de 2022.
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