GUIA 2022: Com VAR para fazer ‘tira-teima’, FIA tenta evitar pressão das equipes

Anúncio das mudanças é primeira grande definição da nova presidência da FIA e pretende aplacar os efeitos de Abu Dhabi. VAR é novidade no esporte

Ao avaliar a maneira que terminou a temporada 2021 da Fórmula 1 e a eclosão de todos os equívocos que se enfileiraram ao longo do ano justo nos minutos derradeiros do campeonato, até é possível buscar na memória erros do antigo diretor de corridas e quase inquestionável Charlie Whiting e pensar no quanto Michael Masi fez nos últimos anos e que dá para se recuperar. Até dá para pensar assim, mas é impossível perder de vista que, pressionado, Masi tomou decisões que serão recordadas por muito tempo. Some-se a isso uma nova administração na FIA, começando do zero, e estava claro: não havia estrada para Masi retornar ao cargo. A mudança era óbvia e chegou com VAR e tudo.

Quando Mohammed ben Sulayem assumiu a presidência da FIA, já em janeiro e colocando fim em 12 anos de Jean Todt, a investigação sobre o que aconteceu no GP de Abu Dhabi estava em curso. Reuniões internas, discussões com as equipes, acareações e revistas à situação depois, a nova administração da federação internacional resolveu chamar para si a primeira grande decisão à frente da F1. A investigação demorou mais de um mês e, aparentemente, terminou. As mudanças vieram, mas não as conclusões.

Não deixa de ser interessante questionar os motivos. É uma jogada política para não dar ao antigo presidente a sensação de que há uma crítica direta? Ou a diretores e figuras que seguem na federação? Por que diabos a FIA não vem a público admitir oficialmente que cometeu erros e quais esses erros?

MICHAEL MASI; DIRETOR DE PROVA; FIA; FÓRMULA 1;
Michael Masi esteve no centro da polêmica sobre o GP de Abu Dhabi (Foto: FIA)

Com ou sem declaração, as mudanças dão uma ideia clara. A saída de Masi, que permanece funcionário da FIA – assumirá uma função interna ainda não definida, mas provavelmente temporária até a poeira assentar e ele ser colocado de volta nas pistas, uma vez que é claro que a chefia da federação gosta bastante do luxemburguês – veio colada a um novo sistema na direção de prova. Alterações, aliás, aprovadas de forma unânime pelas equipes.

Em vez de Masi na função, três nomes. Eduardo Freitas e Niels Wittich passarão a ocupar o cargo de maneira alternada ‘in loco’ ao longo do ano. O veterano Herbie Blash, que fez parte da tríade de comando da Brabham – ao lado de Bernie Ecclestone e Gordon Murray – nos anos 1980 e depois foi diretor adjunto de corridas de Charlie Whiting, entre 1995 e 2016, assume um novo papel.

Blash não irá às corridas, mas será um segundo diretor de provas direto de um escritório de controle de corrida semelhante aos dos circuitos e que será instalado em algum prédio da FIA, ainda não divulgado. Será um árbitro remoto, portanto, numa espécie de VAR [Video Assistant Referee, ou Árbitro Assistente de Vídeo, em tradução literal] da F1.

“Para ajudar o novo diretor de provas e suas decisões, um controle de provas virtual será criado, como um sistema de VAR no futebol. Esse sistema será posicionado em um dos escritórios da FIA, como um apoio fora do circuito numa conexão em tempo real com o diretor de provas. Isso vai ajudar a aplicação do regulamento no esporte usando as mais modernas ferramentas de tecnologia”, afirmou Ben Sulayem.

Mohammed Ben Sulayem, presidente da FIA, anunciou mudanças na F1 (Foto: Reprodução/FIA)

“Em segundo lugar, a comunicação de rádio durante a corrida, que atualmente é transmitida ao vivo por todas as TVs, será removida com o objetivo de proteger o diretor de corridas de qualquer pressão para poder tomar decisões com calma. Ainda será possível questioná-lo, mas de forma bem definida e não incisiva”, prosseguiu.

Além do que é anunciado, como o VAR da Fórmula 1, a declaração de Ben Sulayem entrega alguns pontos interessantes. Na proibição da transmissão das conversas dos diretores de corridas com os representantes das equipes, a FIA evita a ultraexposição que criou uma espécie de BBB da F1 no ano passado. As conversas de Masi com Jonathan Weathley, diretor esportivo da Red Bull, e com Toto Wolff, chefe da Mercedes, respectivamente na Arábia Saudita e Abu Dhabi, pegaram muito mal. Com o equívoco de Michael sobre a ordem dos pilotos e as reclamações, ironias e contestações fora do tom, Masi ficou com ares de um árbitro de pulso fraco que pode facilmente ter a cabeça hackeada.

Verdade seja dita, essas interações sempre aconteceram – por rádio ou com membros das equipes se mandando para a torre dos comissários no meio das corridas -, mas as conversas sempre ficaram no campo da imaginação. Quando o comunicado da FIA afirma que contestações das equipes ainda serão permitidas, mas que precisam ser educadas, somente reforça a ideia. A FIA quer dar a impressão de que os chiliques das equipes e as fraquezas dos árbitros foram isolados. Qualquer pessoa com meio bom senso sabe que não é verdade, porque são reflexos humanos em situações de alta pressão.

Parar de transmitir as conversas é manobra de relações públicas, e a saída de Masi é uma tentativa de passar a borracha e começar do zero. Mas e com relação à pressão de verdade vinda das equipes? Aí, sim, entram VAR e a dupla de diretores.

MAX VERSTAPPEN; LEWIS HAMILTON; ABU DHABI;
Polêmico GP de Abu Dhabi motivou mudanças na direção de prova da F1 (Foto: AFP)

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Freitas e Wittich lidam com pilotos experientes em outras categorias tradicionais. O fato de se alternarem nas provas é importante. Ter dois nomes oferece a possibilidade de que os diretores entendam melhor o desenrolar o campeonato também olhando de fora e que tenham refresco de decidirem sobre o destino das mesmas pessoas semana após semana. Se no ano passado diretores diferentes tivessem se encarregado das corridas de Brasil e Arábia Saudita, não dá para dizer que qualquer coisa seria diferente em Abu Dhabi, mas a pressão teria sido certamente menor.

Masi errou grave e ninguém aqui quer aliviar, mas é necessário tentar entender como a pressão externa agiu nele. Tentar equilibrar as decisões entre Mercedes e Red Bull acabou se tornando uma decisão caótica que dificilmente seria replicada se as atribuições fossem decididas entre duas pessoas.

E o VAR. Primeiro, entregam parte importante das rédeas das provas nas mãos de um homem que é verdadeiro especialista nelas. Poucas pessoas vivas no mundo entendem e viveram mais a F1 que Herbie Blash. Ao ter toda a tecnologia dos diretores, mas não ir à pista, passa a ter todas as ferramentas para entender situações e tomar decisões. Só que, talvez tão relevante quanto, sem gente de equipe grudada no ouvido para cruzar com ele em alguns minutos. Ou talvez confiassem tanto em Blash que tiveram de realizar o desejo de que ele pudesse fazer o trabalho sem participar da estrutura itinerante da F1. Blash sempre foi o nome mais adequado para substituir Whiting, mas, agora aos 73 anos, dá para entender que não queria viver a desgastante vida de 23 viagens por ano só para as corridas e diversas outras para atribuições diversas envolvendo o Mundial.

Herbie Blash está de volta à Fórmula 1 como conselheiro-sênior (Foto: Reprodução/Twitter)

Se Blash é esse ‘Sr. Experiência’, Freitas e Wittich são novatos na F1. O português é diretor de corridas há 20 anos, desde 2002, quando começou a comandar eventos no Campeonato Mundial de GT e no ETCC, o Europeu de Turismo. Em 2012, partiu para o WEC, onde esteve nos últimos tempos. Já Wittich se notabilizou por dirigir as provas no DTM e nas primeiras temporadas da Fórmula E. As decisões controversas tomadas pelos dois são outro capítulo à parte, mas é algo natural na vida de quem lida com isso. A não ser que você seja desastroso na função praticamente todo o tempo – algo que o apoio dos pilotos a Masi nas últimas semanas mostra não ser o caso -, a maneira de perder o emprego é cair numa situação em que tenha de ser servido em sacrifício.

A última mudança foi no procedimento de retorno do safety-car aos boxes. Este, sim, uma admissão real do erro em Abu Dhabi. Até o ano passado, o carro de segurança era chamado de volta aos boxes no final “uma vez que o último colocado ultrapassasse o líder” após a ordem dada aos retardatários para descontar suas respectivas voltas. Foi com essa brecha em mente que Masi permitiu que os retardatários que estavam entre Lewis Hamilton e Max Verstappen saíssem do caminho, enquanto mandou que os outros em situação de prejuízo de uma volta ficassem espalhados pela pista onde estavam antes. A mudança faz com que, a partir deste ano, a ordem para o retorno do safety-car aconteça assim que a mensagem de “carros uma volta atrás podem ultrapassar” for enviada a todos os pilotos usando o sistema oficial de mensagens. Assim, não cabe dúvidas – se é que antes cabia. Todos que estiverem uma volta atrás precisam passar.

Abu Dhabi e o fim da temporada 2021 foram um trauma dentro do que parecia um ano de céu de brigadeiro na F1. Não agir para evitar que isso se repita seria de uma fraqueza gigantesca, um período com o qual um novo presidente não pode lidar e que o Liberty Media faria qualquer coisa para nunca mais ver. Resta saber se foi feito o suficiente.

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