Hamilton e Mercedes deixam de falar mesma língua e chegam a divórcio melancólico na F1

O amor entre Lewis Hamilton e a Mercedes foi que nem a chama, infinito enquanto durou, mas nem por isso escapou do desgaste do tempo e das divergências de pensamento

Os últimos versos do famoso ‘Soneto de Fidelidade’, de Vinícius de Moraes, retratam o amor como uma chama: quente, viva, intensa, luminosa. O poeta, porém, lembra que, mesmo assim, ela não é imortal, e talvez essa seja uma boa ilustração para o casamento que Lewis Hamilton viveu com a Mercedes ao longo de 12 temporadas na Fórmula 1. Foi infinito enquanto durou, mas nem por isso deixou de ter um fim melancólico.

2021 deixara feridas profundas em Lewis. A derrota para Max Verstappen da forma como foi, com ação direta dos erros da direção de prova na reta final do GP de Abu Dhabi, o último da temporada, trouxe naturalmente uma versão sedenta do heptacampeão em um ano que traria um regulamento novo para a competição. “Vou atrás do título que me roubaram”, avisou ele em cena da série Drive to Survive, da Netflix, e realmente acreditou-se que seria a revanche do século.

Foi o ‘início de um sonho’, como diz popular meme das redes sociais. E deu tudo errado quando o efeito-solo voltou a fazer parte da categoria máxima do automobilismo mundial. Vale destacar que quando 2014 trouxe a era dos motores híbridos, a Mercedes foi quem acertou em cheio no desenvolvimento e largou com imensa vantagem — inclusive, foi nesse período que Hamilton chegou a seis dois sete títulos que possui.

Não havia, portanto, adversários para as Flechas de Prata, por isso um novo pacote de regras agitou o paddock, e mais ainda quando a então todo-poderosa falhou miseravelmente ao querer inventar a roda e lançar mão de um carro com sidepods tão estreitos que quase não eram perceptíveis. Some-se a isso o sofrimento com o porpoising — fenômeno causado pelo fluxo de ar passando por baixo do assoalho e que faz o carro saltar — para as rachaduras começarem a surgir em uma relação que parecia inabalável.

O sidepod em formato de bigode de gato na Mercedes de 2022 (Foto: Mercedes)

Nada dura para sempre, e ciclos inevitavelmente se encerram. Completamente perdida desde o instante em que escolheu uma direção extrema dentro do regulamento, a Mercedes foi pouco a pouco apagando a chama que existia em Hamilton. Desesperado por uma chance de reviver 2021 e ao menos ter um desfecho justo, viu-se obrigado a ser praticamente uma cobaia das inúmeras mudanças no carro por tentativa e erro. De um dia para o outro, viu Verstappen assumir de vez o protagonismo com a Red Bull e passou a nem sequer ser figura frequente no pódio.

Os testes, no entanto, proporcionaram a Hamilton um melhor entendimento do que realmente acontecia para a surpreendente queda de performance. Ele, então, avisou a todos que o zeropod deveria ser abandonado, só que a Mercedes preferiu acreditar na improvável dobradinha no GP de São Paulo do que em todos os outros disputados com um carro muito oscilante.

Daí em diante, ficou insustentável. 2023 começa da mesma forma como o ano anterior havia terminado, tanto no topo da tabela, com Verstappen prestes a atingir um teto raramente visto na F1 com a Red Bull, quanto na instabilidade das adversárias. Impressionava, todavia, a forma como Toto Wolff, Andrew Shovlin e companhia sempre chegavam diante dos microfones da mídia com a mesma frase preparada: precisamos desbloquear o desempenho.

Foram cinco GPs até que, em Mônaco, finalmente a Mercedes se livrou do sidepod esquisitão e trouxe um modelo convencional. Só que não era apenas mudar a carroceria, já que todo o projeto aerodinâmico havia sido pensado dentro daquele conceito. As tentativas e erros, portanto, seguiram-se até a hora em que Hamilton não viu outra opção a não ser romper definitivamente com um casamento que começou a se tornar tóxico para os dois lados.

Lewis Hamilton cai nos braços de seu povo após voltar a vencer na Inglaterra. Uma das últimas grandes festas com a Mercedes (Foto: Mercedes)

Antes mesmo do início da temporada 2024, a imprensa italiana detonou a bomba: Hamilton estava de partida para a Ferrari. Foi o contragolpe que Wolff talvez jamais imaginou que fosse capaz de tomar, só que a possibilidade se abriu quando o próprio confessou que havia dado ao heptacampeão um contrato flexível para não perder de vista o pupilo de quem tanto espera, Andrea Kimi Antonelli.

Foi a deixa definitiva para Lewis ter a coragem que precisava para seguir em frente e se libertar. Mas havia todo o campeonato derradeiro pela frente, e ele até voltou a vencer — em performance, aliás, apoteótica, diante da aficionada torcida inglesa, como em tantas outras que marcaram a laureada carreira. A desclassificação de George Russell na Bélgica ainda o deixou com mais um troféu de vencedor para colocar na estante, mas tudo era como passou a ser dentro da nova realidade da Mercedes: pontual.

Hamilton e Mercedes chegam ao fim de uma era neste fim de semana, em Abu Dhabi, encerramento da temporada 2024. De certa forma, ir cada um para um lado é um jeito honesto de evitar que a falta de comunicação arranhe uma história que também mudou a maneira como muitos passaram a enxergar a elitizada F1. Com Hamilton, a Mercedes se descobriu capaz de olhar para fora e abrir portas para a inclusão, e esse é um legado do qual ambos poderão se orgulhar para sempre.

Não há, portanto, razão para lamentar o fim, pois a chama que os uniu cumpriu muito bem o seu papel até se extinguir.

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