Na Garagem: Barrichello vence primeira na F1 no GP da Alemanha: “O menino virou homem”

Há 20 anos, Rubens Barrichello conquistava sua primeira vitória na Fórmula 1. Para ele, a lembrança é a de peitar Ross Brawn para construir seu próprio destino

Muitas vezes, histórias são melhores contadas por quem apenas observou de fora, por tal posição permitir uma visão melhor dos acontecimentos. Mas certos contos só podem ser descritos por quem viveu, com toda emoção, o momento histórico.

A vitória de Rubens Barrichello no GP da Alemanha, há exatos 20 anos, é uma destas.

O GRANDE PRÊMIO convidou Barrichello a descrever toda a emoção que viveu naquele domingo em Hockenheim. E uma frase resumiu bem os sentimentos do piloto: “Foi a história do menino virando homem.”

Rubens Barrichello no lugar mais alto do pódio na Alemanha (Foto: F1)

O curioso é que aquele final de semana de julho de 2000 começou sem nenhum indício de que Barrichello viveria um dos maiores momentos de sua vida. No treino de classificação, no sábado, problemas elétricos em sua Ferrari colocaram o brasileiro apenas em 18° no grid.

Mas o domingo seria especial — independentemente de onde largasse. Mas claro que passar 17 carros aumentou o feito.

“20 anos, que coisa… É muito doido isso. O tempo passa, mas tem muita gente que chega para mim e fala: ‘Quando que você parou de correr de F1?”. E eu falo que foi em 2011. ‘Não, nem a pau, você parou de correr faz dois anos’, respondem. Tem gente que, talvez pela situação de não ter alguém (brasileiro) correndo na F1, fica com a memória daquilo que te marcou, e parece menos tempo realmente. Mas já se vão 20 anos da primeira vitória”, falou Barrichello ao GP.

Rubens Barrichello passa a linha de chegada em Hockenheim (Foto: Ferrari)

Para salvar alguns pontos no campeonato, Barrichello então apostou em largar com menos combustível e na estratégia de parada. Seis pilotos pontuavam, então ganhar 12 posições era o mínimo necessário.

Em uma volta, já era décimo; mais cinco giros, aparecia em quinto. Estava na briga — por pontos e, talvez, por mais. Com mais 10 giros completados, era terceiro. O cenário da corrida era, até então, dos mais inesperados: Michael Schumacher havia batido com Giancarlo Fisichella na curva 1 após a largada, um homem invadiu a pista do velho circuito alemão para protestar contra a Mercedes e Pedro Paulo Diniz e Jean Alesi colidiram.

A soma de safety-car mais chuva fez com que a vitória se tornasse possível.

Barrichello fez a aposta da vida: a pista, para ele, não estava tão molhada quanto os outros achavam.

“Para mim, o que mais me marcou naquele dia foi a conversa. Não foi a tocada… O que me marcou mesmo naquele dia foi a conversa com o Ross [Brawn]. Para aqueles que lembram, o Schumacher bateu no começo da prova com o Fisichella. Então ele ficou fora. E o Ross, então, entrou no meu canal (no rádio). Não era o normal, porque ele falava com o Michael o tempo inteiro”, descreveu o brasileiro.

“E em certo momento ele falou assim: ‘Rubens, fica muito à vontade para entrar no box a hora que você quiser, como o Michael não está na prova nós estamos preparados para você o tempo que for’. Eu respondi nesse tom, também: ‘Ross, fica muito tranquilo porque eu não vou entrar, a pista está seca’. Ele falou: ‘Não, não, está todo mundo entrando, você vai entrar. Pensa direito, uma ou duas voltas, mas entra porque vai ficar ruim para você’. Eu falei: ‘Ross, vai ficar ruim para você, porque para mim não está molhada a pista, eu vou continuar’. Ele falou bem assim, eu lembro bem: ‘You are crazy. But if you are crazy enough to win the race, I’ll be happy’. Ou seja: ‘você é louco, mas se for louco o suficiente para ganhar a corrida, vou ficar feliz’. E foi dessa forma.”

“Só que quando a gente desligou essa ligação, me bateu uma coisa, olha o peso que eu acabei de deixar. Meu primeiro ano na Ferrari, o cara fala para eu entrar e eu não entro, não respeitei, peitei o negócio… E agora? Agora tenho que fazer funcionar”, seguiu.

Rubens Barrichello comemora o triunfo no pódio (Foto: AFP)

E ele fez. De fato, a chuva castigava mais a parte do Estádio. No restante, os pneus slicks seguraram Barrichello na liderança, mas sem perder o nervosismo de ver o triunfo se aproximando: “Nessa primeira hora, eu dei uma freada no primeiro ‘S’ de Hockenheim, já dei uma travada que o pneu parecia que eu estava andando de camelo pelo deserto, de tão… Assim, quando você faz isso com um pneu desses já é ruim, carros que chegam a 250 km/h, quando dá uma ‘enquadrada’ no pneu, travar a roda em cima de um pedaço em que o redondinho fica um teco’ quadrado, a 350 km/h você nem vê a pista mais de tanta vibração que é.”

“Então eu, na hora que coloquei o peso, fiquei falando comigo ‘sai fora do peso, sai fora do peso. Só guia, está legal, está realmente seco, molhou um pouco mais toma cuidado…’. Ficou nessa até chegar na última volta.”

E então chegou, de fato, o giro final: pouco menos de 2 minutos para a seca de sete anos do Brasil sem vitórias na F1 acabar. “Eu abri a última volta com 10s para o [Mika] Häkkinen, e aí dei a volta mais lenta de toda minha vida na história da F1 — de cuidado, de frear muito antes —, e na hora em que eu entrei no Estádio estava molhado, muito molhado.”

Rubens Barrichello celebrando com a Ferrari (Foto: AFP)

“Eu estava com tanto cuidado que eu pensava é no ‘Tema da Vitória’. Eu pensava ‘nossa, eu vou me assistir com o ‘Tema da Vitória’. Você imagina o choro. Eu já comecei a chorar antes só de me ver na televisão tocando o tema da vitória. Ayrton Senna, Nelson Piquet, meu Deus do céu… É muito forte.”

E se a prova fosse mais longa? “E ali, assim, eu estava tão devagar que deu certo. Mas talvez com duas voltas a mais eu não teria conseguido. Eu ficaria na pista, mas não teria conseguido ganhar a prova.”

Ele, porém, conseguiu. Häkkinen ficou 7s452 atrás, sem assustar. “Foi essa a história do menino virando homem: eu peitei a história e conduzi o meu próprio destino naquele momento. E foi por isso que eu sempre acreditei que teria essa chance, porque quando eu acho que está certo, vou e peito. Foi dessa forma que aconteceu e me orgulho muito desse momento”, concluiu o vencedor deste dia, há 20 anos.

Paddockast #67 | Barrichello melhor que Schumacher?
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