Na Garagem: Em Suzuka, Piquet e Moreno formam última dobradinha do Brasil na F1

Desde a antiga amizade construída em Brasília, o incentivo fundamental dado por Nelson Piquet no começo da carreira de Roberto Pupo Moreno, o trágico acidente sofrido por Alessandro Nannini, uma ajuda dada pelo amigo projetista John Barnard e a chance que colocou os dois brasileiros lado a lado nos boxes da Benetton. Fatos que culminaram com a última vez em que o Brasil cravou primeiro e segundo no pódio de uma corrida da F1. Há exatos 30 anos

O dia 21 de outubro de 1990 vai ficar marcado para sempre na história do automobilismo brasileiro. Há exatamente 30 anos, Ayrton Senna dava o troco em Alain Prost e, ao acertar a Ferrari do Professor, sacramentava ali, na curva 1 do circuito de Suzuka, a conquista do bicampeonato mundial de F1. De fato, é um acontecimento histórico, mas não é disso que se trata o texto especial a seguir. Outro fato igualmente marcante aconteceu naquela tarde de domingo e envolveu outros dois brasileiros que protagonizaram um fato nunca mais visto desde então na F1: a 11ª e última dobradinha do Brasil na categoria, formada por Nelson Piquet e Roberto Pupo Moreno.

Na sequência do GP do Japão de 1990, logo depois do incidente entre Senna e Prost, a liderança caiu no colo de Gerhard Berger, da McLaren. No entanto, o austríaco rodou na mesma curva 1 na abertura da segunda volta, e a ponta foi assumida por Nigel Mansell, da Ferrari. O ‘Leão’ comandou a prova até a volta 26, mas abandonou com um problema no semieixo.

A partir de então, Piquet, da Benetton, assumiu a liderança da corrida. O brasileiro, consagrado como um dos grandes nomes da Fórmula 1 nos anos 1980 [ao lado de Prost] e tricampeão do mundo, largou em sexto lugar. Com a Benetton-Cosworth #20, Piquet era seguido pelo seu companheiro de equipe e grande amigo, Roberto Pupo Moreno, que abria um novo ciclo na F1 ao ter a chance de sua vida na equipe ítalo-britânica naquele fim de ano.

NELSON PIQUET; ROBERTO PUPO MORENO; AGURI SUZUKI; GP DO JAPÃO; F1; FÓRMULA 1; 1990;
Nelson Piquet ao lado de Roberto Pupo Moreno e Aguri Suzuki no pódio do GP do Japão de 1990 (Foto: LAT Photographic/Forix)

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Ao fim de 53 voltas, Piquet cruzava a linha de chegada na frente e, 7s223 depois, Moreno passava em segundo lugar. Era a 21ª de 23 vitórias da carreira de ‘Nelsão’ e o primeiro e único pódio do ‘Baixo’ na F1. Outra grande surpresa foi a presença do local Aguri Suzuki, da Lola, em terceiro. Na comemoração, sorrisos do irreverente Piquet e muita emoção de Moreno, que viu um filme passar na sua vida até chegar a comemorar com seu grande amigo e incentivador no automobilismo.

Ao GRANDE PRÊMIO, Piquet destacou que ter dividido o pódio com Roberto foi muito mais marcante do que a corrida em si. “Foi bacana porque o Moreno era meu amigo de infância, desde Brasília. A corrida, em si, não teve nada demais. O que marcou foi muito mais pela nossa amizade, por a gente ter ficado em primeiro e segundo, porque a corrida em si não teve nenhum grande mérito”, lembrou o tricampeão.

Senna, o outro brasileiro com quem Piquet dividiu pódio ao longo da sua carreira na F1 poderia ser tudo, menos seu amigo. Mas a primeira dobradinha da história do Brasil na categoria aconteceu em 1975, em Interlagos, quando José Carlos Pace venceu e Emerson Fittipaldi terminou em segundo. No GP da Inglaterra do mesmo ano, as posições se inverteram, com Fittipaldi comemorando a vitória.

Já a primeira vez de Piquet e Ayrton Senna no pódio foi no GP do Brasil de 1986, já em Jacarepaguá, quando o piloto da casa venceu com a Williams. Daí em diante, Piquet-Senna fizeram a dobradinha em outras quatro oportunidades, e a ordem inversa, Senna-Piquet, em três. Mas o pódio do GP do Japão foi muito diferente para Piquet, para a Benetton e, principalmente, para Roberto Pupo Moreno. No fim das contas, o segundo lugar naquele domingo em Suzuka representou muito mais do que uma vitória para o ‘Baixo’, mas também uma forma de agradecimento ao responsável direto por Moreno ter virado, muitos anos atrás, um piloto profissional.

De fato, a história daquela que viria a ser a última dobradinha brasileira na F1 começou muito antes de 1990.

A ajuda providencial de Piquet para a carreira de Moreno

“Em 1979, quando eu queria correr de carro, tinha acabado de ficar bom de um acidente de moto que sofri e fiquei quase um ano e meio sem correr de kart. O Nelson tinha voltado da Europa e tinha acabado de ser campeão da F3, batendo todos os recordes possíveis da época. E o Nelson sempre passava o fim e o começo do ano em Brasília, onde eu morava, e aí, conversando, ele me perguntou: ‘Roberto, você não quer começar a correr de carro? Acho que seria bom você começar a correr na Inglaterra’”, contou Moreno ao GRANDE PRÊMIO, reproduzindo em seguida o divertido papo que teve na casa do grande amigo às vésperas do Natal daquele ano.

PIQUET: “Se você correr no Brasil, tem a restrição do petróleo por aqui. Cada categoria só pode fazer oito corridas por ano, afastadas umas das outras, gasta-se muito dinheiro com viagem e acaba ficando um projeto muito caro para oito corridas. E com esse dinheiro você vai fazer quase 30 corridas lá na Inglaterra.”

MORENO: “Mas Nelson, eu não tenho esse dinheiro nem para correr aqui e nem correr lá.”

PIQUET: “Ah, cara, tenho um patrocinador que estava na F3 e não quer ir para a F1 comigo, muito amigo meu, e vou conversar e ver se ele não quer te ajudar para você dar sequência na Inglaterra ao que ele estava fazendo comigo esse ano.”

MORENO: “Mas Nelson, eu não falo inglês!”

PIQUET: “Roberto, e precisa falar inglês para dirigir?”

MORENO: “Mas vem cá, não conheço nada na Inglaterra, não sei nem como me direcionar lá.”

PIQUET: “Não tem problema, não. Tem um amigo meu na F3, já falei com ele para te ajudar a comprar seu carro de corrida, comprar um trailer para você, comprar seu motor. Mas você que vai ter de se virar com seu carro, ele só vai te ajudar a comprar, vender as coisas, o que precisar. Até você aprender inglês, ele vai te dar uma mão. Mas você vai ter de ser sua própria equipe: seu próprio piloto, seu mecânico, você vai fazer tudo para aprender.”

MORENO: “Isso para mim não tem problema, não. Mas Nelson, eu nunca corri de carro, cara. Só corri de kart. Como vai ser eu saindo do kart direto para correr na Europa? E se não der certo? E se não levar jeito para o negócio?”

PIQUET: “Roberto, o que você faz no kart tenho certeza que você vai fazer bem na F-Ford. E, no ano seguinte, as fábricas que precisam vencer para vender seus carros de corrida vão querer você, e você vai acabar correndo de graça no ano seguinte. E sabe de uma coisa? Você vai ficar um ano lá e vai aprender a falar inglês. Se você for um ‘pé de breque’, você vai voltar ao Brasil com dois idiomas e vai fazer alguma coisa no Brasil falando inglês.”

MORENO: “Então eu vou [risos].”

“Acabei fazendo 22 corridas naquele ano”, recordou Roberto. “Sempre um me ajudava aqui, outro ajudava ali, sempre aparecia uma ‘mão camarada’ estendida de alguma forma para dar continuidade à minha carreira lá. Aconteceu que, ao fim daquele ano, fui um dos seis melhores pilotos da F-Ford, a equipe de fábrica [Van Diemen] me contratou para o ano seguinte, corri de graça como o Nelson falou — a fábrica me pagava para viver e eu, em contrapartida, dirigia uma van deles —, e com isso fiz dois anos de F-Ford na Inglaterra”, disse.

“Isso foi muito importante porque me colocou num caminho no qual soube me virar, aprendi a falar inglês. E naquele momento, no pódio em Suzuka, que eu estava muito emocionado, era porque não só minha carreira tinha voltado da noite para o dia e de repente tive uma chance de ouro, mas também por estar agradecendo ao Nelson por ter me ajudado em 1979 a direcionar minha carreira para o exterior. Aquele momento para mim teve um duplo significado, e aquela foi a razão de tanta emoção”, lembra, ressaltando o sentimento de gratidão por tudo o que Piquet fez na sua carreira e na sua vida.

O desastre que proporcionou a grande chance

Alessandro Nannini era um dos principais expoentes da nova geração italiana em meados dos anos 1980. Nascido em Siena, na belíssima região da Toscana, o talentoso piloto fez sua estreia com a Minardi em 1986. No antigo time de Faenza, que hoje é a AlphaTauri, ‘Sandro’ Nannini teve de lidar com muitas dificuldades e completou pouquíssimas corridas, mas sua habilidade era observada com muita atenção pela Benetton, para onde foi contratado para correr a partir de 1988.

Na equipe italiana, Nannini fez grandes exibições. Em 1988, foi ao pódio em duas corridas, sendo terceiro lugar nos GPs da Inglaterra e da Espanha. No ano seguinte, o italiano manteve sua ascensão na F1. Vieram mais dois pódios e outros dois quartos lugares, até que ocorreu o famoso GP do Japão de 1989.

Nannini largou em um bom sexto lugar, mas era apenas mais um coadjuvante em meio à batalha entre Senna e Prost pelo título daquele ano. O francês fechou seu grande rival na entrada da chicane Casio e barrou a ultrapassagem do brasileiro. Ayrton conseguiu voltar à pista, mas o fez cortando caminho por fora da chicane. Foi o que bastou para a direção de prova punir o brasileiro com a desclassificação, fazendo a vitória ficar com o segundo colocado, justamente ‘Sandro’.

Alessandro Nannini venceu o polêmico GP do Japão de 1989 (Foto: LAT/Forix)

Mas quis o destino que essa fosse sua última corrida de F1 em Suzuka.

1990 começou de forma brilhante para Nannini, que fazia de longe sua melhor temporada: entre os resultados, um terceiro lugar em San Marino, quarto no México e na Bélgica, segundo lugar na Alemanha e terceiro no GP da Espanha, em Jerez, em 30 de setembro. Seria seu último pódio e sua última corrida na F1.

Uma semana antes do GP do Japão, Nannini queria curtir sua mais nova aquisição, um helicóptero novo, que era pilotado por um profissional. A tripulação sobrevoava a chácara dos pais antes de pousar. Mas aí o piloto perdeu o controle do helicóptero, que despencou de traseira, fazendo com que ‘Sandro’, dois amigos que o acompanhavam e o próprio piloto fossem jogados para fora da aeronave.

De todos eles, Nannini foi quem levou a pior: teve seu braço arrancado ao cair em cima de um dos rotores do helicóptero. Por sorte, depois de um pronto atendimento médico, o braço foi reimplantado, mas chegava ao fim uma carreira das mais promissoras na F1.

Um dia antes do acidente, Moreno, decepcionado com a falta de condições que a EuroBrun lhe proporcionava em 1990 — em 13 corridas naquele ano, o brasileiro só passou da pré-classificação em Phoenix e em San Marino —, já começava a correr atrás de uma vaga para 1991. Roberto desembarcou em Londres para uma reunião com Herbie Blash, que era chefe da Brabham. Mas o encontro acabou sendo adiado.

“Então peguei minha agenda e liguei para algumas pessoas que considerava muito: Gary Anderson, Ron Tauranac, pessoas que me ajudaram muito, e também liguei na Benetton para o John Barnard, com quem trabalhei na Ferrari quando desenvolvi o câmbio semiautomático em 1988. O John me considerava muito. E ele me deixava fazer alguns testes na Benetton naquele ano mesmo sendo piloto da EuroBrun”, relatou Moreno.

Tauranac, cofundador da Brabham, morreu em julho deste ano, dormindo, aos 95 anos.

“Então liguei para ele, e ele me disse: ‘Estou com um mock-up [chassi de madeira que era uma prévia do chassi do ano seguinte]. Você poderia vir fazer um favor para mim? Aí não precisaria chamar meus pilotos na Europa, eles estão se preparando para a corrida no Japão. Estou te esperando depois que você sair da Brabham’”, lembrou Roberto.

ROBERTO PUPO MORENO; BENETTON; GP DO JAPÃO; 1990; F1; FÓRMULA 1;
Roberto Moreno contou como foi convidado por John Barnard para correr pela Benetton no GP do Japão de 1990 (Foto: LAT/Forix)

Durante a reunião na Brabham, Moreno recebeu uma ligação da secretária de John Barnard querendo confirmar sua ida à sede da Benetton, em Witney, na Inglaterra. O piloto confirmou presença e para lá seguiu. Quando chegou, recebeu a notícia do acidente de Nannini. Muitos pilotos procuraram a Benetton se oferecendo para correr no lugar de ‘Sandro’, como Michael Andretti, em nome da Ford, e Andrea de Cesaris. Mas a preferência de Barnard era por Roberto.

“Você foi o único piloto que ligou antes do acidente e você veio aqui fazer um favor para a gente. Você quer correr? Te dou uma hora para você decidir. O [Flavio] Briatore quer colocar um piloto que paga para correr. Eu quero você naquele carro e confio em você”, conta Moreno, lembrando as palavras do projetista Barnard, que fez um alerta. “Você tem uma hora para conseguir a liberação para mim.”

Nesse momento, Moreno acionou a chefia da EuroBrun, uma equipe ítalo-suíça bancada por Walter Brun, empresário do ramo de caça-níqueis na Suíça, e Giampaolo Pavanello, dono da Euroracing, responsável pela parte esportiva do time. Por telefone, Roberto soube que a EuroBrun, sem dinheiro, não iria para Japão e Austrália, o que, na prática, o liberaria para a Benetton.

Mas dois dias depois, ao dar uma carona para um dos membros da cúpula do time na Inglaterra, este exigiu de Moreno nada menos que US$ 30 mil como valor para liberá-lo para correr em Suzuka pela Benetton. O brasileiro não se conteve com a situação. “Desce, filho da puta, some da minha frente”.

“E aí lembrei que a mala dele estava no porta-malas… peguei a mala dele e joguei lá no meio do mato. E quando ele foi pegar a mala, peguei o carro e deixei o cara pra lá”, recorda. De lá, Moreno seguiu para a sede da Sparco, na Itália, para fazer o macacão com o qual correria em Suzuka.

Mas a situação ainda era incerta para o brasileiro, já que havia o receio de alguma exigência a mais por parte da EuroBrun. Por este motivo, Barnard disse que enviaria Martin Brundle para Suzuka como stand-by. “Se ele mandou ou não eu não sei, mas não consegui dormir mais depois que ele falou isso. Só fiquei tranquilo mesmo na quinta-feira, quando a EuroBrun não apareceu no Japão.”

Depois de muitos anos de amizade, Moreno voltaria a encontrar seu grande incentivador. Desta vez, Piquet e Moreno seriam companheiros de equipe na Benetton.

Um fim de semana histórico

Quarta força da F1 naquela época, a Benetton teve um desempenho bem razoável no começo do fim de semana em Suzuka. No segundo treino livre, por exemplo, Moreno, outrora acostumado às últimas posições do grid, garantiu o terceiro melhor tempo, à frente inclusive de Senna e Piquet, quarto e sexto, respectivamente. No treino classificatório de sexta, Moreno ficou em 14º, enquanto Nelson foi o nono. Mas os melhores tempos viriam no sábado.

Na segunda sessão classificatória, as Benetton tiveram um desempenho bem decente. Piquet confirmou o sexto lugar do grid, com Moreno abrindo a quarta fila, em sétimo. Mas as coisas não estavam fáceis para Roberto, que não estava acostumado a encarar um fim de semana tão intenso a bordo de um carro de F1.

F1; FÓRMULA 1; ROBERTO PUPO MORENO; F1; GP DO JAPÃO; SUZUKA;
Roberto Pupo Moreno no fim de semana do histórico GP do Japão de 1990 (Foto: LAT/Forix)

“O carro acelerava pra caramba… não acreditava que aquele carro era tão melhor que o meu. Fiquei de boca aberta”, sorriu Moreno ao relembrar o começo do fim de semana em Suzuka. “Eu gostava da pista, mas era um circuito muito difícil fisicamente. Ao fim do primeiro dia, estava com a língua de fora, cara. Não estava acostumado com aquele ‘rojão’. Não era como hoje. Achei que não conseguiria dar conta de correr com um carro daquele, ainda mais em Suzuka”, contou.

“Tinha um amigo meu em Brasília, engenheiro e que era faixa preta de caratê, e liguei para ele. E ele disse para eu abrir a Bíblia e ler o Salmo 23. E aí eu falei que meu problema era físico, não emocional [risos]. Mas ele insistiu e disse que esse salmo lhe dava energias durante a época da faculdade. E disse: ‘Tenha fé. Você não está nessa posição à toa’. Aí desliguei, li o salmo, rezei bastante e fui dormir. No sábado, estava ainda mais cansado, mas consegui fazer bem meu trabalho”, diz Moreno.

No domingo, já na volta de alinhamento para o grid, o B190 #19 apresenta uma pequena falha, o suficiente para alarmar toda a equipe, que pediu para Moreno recolher para os boxes. O carro reserva estava com os pedais ajustados a Piquet, mas houve tempo para adaptar ao tamanho de Roberto, que conseguiu retornar à pista em tempo para alinhar no grid. Piquet tinha uma estratégia de largar com um pneu mais duro para não precisar ter de fazer uma parada, o que foi seguido à risca pelo seu companheiro de equipe.

BENETTON; NELSON PIQUET; GP DO JAPÃO; SUZUKA; 1990; F1;
Benetton festeja vitória de Nelson Piquet no GP do Japão de 1990 (Foto: LAT/Forix)

Piquet e Moreno largaram muito bem e, beneficiados pela confusão entre Senna e Prost, pularam para terceiro e quarto, respectivamente. A dupla da Benetton ganhou uma posição cada com o abandono de Berger na abertura da segunda volta. “O Mansell parou nos boxes, mas ele saiu muito forte com o carro e, com isso, quebrou o semieixo. Aí ficamos Nelson e eu na ponta da corrida”.

Piquet tinha o carro inteiro e muito bem acertado para conquistar mais uma vitória na F1. A jornada do tricampeão era tranquila. Mas não se podia dizer o mesmo de Moreno. “Quando chegou mais ou menos na metade da corrida, eu comecei a cansar. Comecei a ter um ritmo um pouco mais lento que o do Nelson. E ele foi abrindo. Com isso, me preocupei se conseguiria terminar a corrida. A cada volta, ficava mais difícil, já estava perdendo a concentração, tanto que cheguei a errar em uma das curvas. Logo em seguida, lembrei do salmo e pedi: ‘Senhor, me ajude!’ E três curvas depois, tive uma injeção de endorfina, e aquilo me deu um gás tão grande e fui até ao fim da corrida sem problema algum, como se fosse um Super-Homem”.

Toda a tensão ao longo da prova se transformou em alívio para Moreno, que finalmente pôde relaxar ao cruzar a linha de chegada em segundo lugar, só atrás de Piquet. Aí, o cansaço bateu forte de novo, mas foi algo recompensado com o choro no pódio e a festa do champanhe ao lado de Nelsão. Um momento de muita emoção que Moreno jamais vai esquecer. “Aquilo foi um momento tão especial quanto o nascimento das minhas filhas”, descreveu, com o sentimento de recompensa depois de tantos os anos de luta para se estabelecer no automobilismo.

Roberto Moreno e Nelson Piquet: os dois amigos de infância no pódio do GP do Japão de 1990 (Foto: Forix)

Nova dobradinha brasileira “vai demorar para acontecer outra vez”, diz Piquet

As lembranças daquele 21 de outubro de 1990 continuam bem vivas na mente de quem acompanha o esporte naquela época. O que poucos poderiam imaginar é que o automobilismo brasileiro jamais viveria tal situação depois de Suzuka. Depois da geração de Piquet, Moreno e Senna, a última vez que a bandeira verde e amarela se fez presente em dose dupla no mesmo pódio foi no GP da Alemanha de 2008. Coincidência ou não, com a presença de outro Piquet, Nelsinho, segundo colocado em Hockenheim. Felipe Massa, então na Ferrari, foi o terceiro. A vitória ficou com Lewis Hamilton, da McLaren.

Nelsão reflete e acha ser improvável outra dobradinha brasileira em curto prazo: “Vai demorar para acontecer outra vez”, reconhece o tricampeão. Moreno vai além e lembra que será ainda mais difícil ver dois brasileiros lado a lado num mesmo pódio e representando uma equipe do porte da Benetton naquele começo dos anos 90. “Vai ser muito difícil isso acontecer de novo. Se não é toda a sequência de acontecimentos e o bom relacionamento com Barnard, aquilo jamais aconteceria”.

Foram outros tempos. Desde quando Massa deixou o grid do Mundial, em 2017, o Brasil não tem mais representantes no grid da Fórmula 1. Alguns pilotos, de alguma forma, fazem parte deste universo, mas sequer são cogitados como possíveis titulares para o ano que vem, por exemplo, casos de Pietro Fittipaldi e Sergio Sette Câmara, vinculados a Haas e AlphaTauri, respectivamente.

Os nomes que estão na fila, contudo, são bastante promissores. Felipe Drugovich desponta como grande talento e faz ótima temporada de estreia na Fórmula 2. Caio Collet é vinculado ao programa de desenvolvimento de jovens pilotos da Renault e luta pelo título da Fórmula Renault Europeia neste ano, assim como Gianluca Petecof batalha pela taça da Fórmula Regional Europeia e tem ao seu favor o fato de pertencer à Academia de Pilotos da Ferrari, assim como Enzo Fittipaldi. Gabriel Bortoleto, diga-se, também tem feito bonito na temporada correndo na Fórmula 4 Alemã e Italiana.

A médio prazo, é possível que o Brasil tenha novamente bons pilotos na Fórmula 1. No momento, contudo, o país vive um momento de indefinição que passa também pela provável não-realização do GP do Brasil nos próximos anos e pela incerteza até mesmo sobre quem vai transmitir as corridas na TV, seja aberta ou fechada, a partir da próxima temporada.

Uma realidade muito diferente e diametralmente oposta àquele domingo histórico de bicampeonato para Ayrton Senna e da última dobradinha brasileira, protagonizada por Nelson Piquet e Roberto Pupo Moreno, no pódio de uma corrida do Mundial de Fórmula 1.

FOLHA DE S.PAULO; GP DO JAPÃO; 1990; FÓRMULA 1;
Destaque do caderno de Esportes da Folha de S.Paulo para a vitória de Nelson Piquet no GP do Japão de 1990 (Foto: Reprodução/Acervo Folha)
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