Na Garagem: Lauda efetua recuperação e conquista agônico tri da F1 em Portugal

Niki Lauda saiu do 11º para o segundo lugar, exatamente a posição que precisava para se tornar tricampeão mundial de Fórmula 1 por 0,5 ponto. Alain Prost venceu o GP de Portugal, mas ficou com o vice-campeonato

Nem sempre as temporadas da Fórmula 1 oferecem desfechos dramáticos, definidos no final e por parcas diferenças entre postulantes ao caneco. Mas quando acontece acaba se transformando num clássico para todos os tempos. Foi exatamente o que aconteceu há exatos 40 anos, num 21 de outubro como hoje, mas em 1984. Niki Lauda conquistou o tricampeão mundial, único dos títulos pela McLaren, de maneira memorável e terminou a contagem de pontos somente 0,5 na frente de Alain Prost. Até hoje, a menor diferença entre campeão e vice na história da categoria.

A história do campeonato de 1984 foi acachapante desde o começo. A McLaren não entrou na temporada tida como favorita. No ano anterior, a Brabham levara o Mundial de Pilotos com Nelson Piquet, enquanto Ferrari e Renault ficaram com o título e o vice de Construtores. As três chegavam com moral para a briga.

Mas a McLaren havia investido. Se Lauda fora contratado por um inédito contrato de US$ 3 milhões para sair da aposentadoria em 1982, a equipe esticou ainda mais as mangas. Passou a utilizar motores da Porsche nas últimas provas de 1983 e foi para cima de Prost, talento evidentemente gigantesco que defendia a Renault e estava em ascensão na carreira, mas ainda sem títulos. Assim, formou o grupo que seria responsável pelo MP4/2, desenhado pelo inovador John Barnard. Apesar do investimento, a McLaren entrava naquele ano como azarão e já vivia seca de uma década sem título.

A justaposição dos dois pilotos não poderia ser mais interessante. Prost era ainda um jovem piloto aos 29 anos – numa época em que a juventude era medida com réguas diferentes das atuais. Havia começado a trajetória na F1 justamente pela McLaren, em 1980, num período hostil para a equipe inglesa. Foi decisão dele, então, mudar-se para a Renault a partir de 1981, onde venceu nove GPs e foi vice-campeão em 1983. Mas a relação com o time francês se deteriorou demais. Lauda, enquanto isso, era a glória em pessoa. Bicampeão, tido como o melhor piloto de uma geração, voltara para a F1 após breve aposentadoria após recuperar o apetite pela velocidade. Nos dois primeiros anos de retorno, porém, não tinha condições de competir na frente e sofreu. Faltava a chance de comprovar que ainda tinha combustível suficiente para queimar.

Niki Lauda, tricampeão mundial de Fórmula 1 (Foto: McLaren)

A TEMPORADA 1984 E O 0,5 PONTO EXPLICADO

O MP4/2 não era um foguete de carro em comparação aos demais, mas tinha uma enorme vantagem contra todos os outros: a capacidade de economizar combustível. As cinco primeiras corridas das 16 do campeonato já davam um gosto do que viria pela frente. Prost venceu no Brasil e em San Marino, Lauda levou a melhor na África do Sul e França. Apenas na Bélgica, quando os dois tiveram problemas mecânicos e abandonaram, a vitória ficou para Michele Alboreto e a Ferrari.

A sexta corrida do campeonato era pelas ruas apertadas e glamurosas de Monte Carlo. E o GP de Mônaco daquele ano contava com a expectativa de muita chuva. Havia dúvida sobre a resposta dos carros em pista molhada, já que não havia acontecido em momento algum até ali – e não mais aconteceria ao longo do ano. A corrida, num verdadeiro dilúvio, tornou-se uma das mais memoráveis e bélicas de todos os tempos.

Prost conseguiu algo que a McLaren ainda não conseguira fazer na temporada: uma pole. Mas a chuva torrencial do domingo foi uma das maiores que o GP de Mônaco já viu. A corrida foi atrasada por quase uma hora e, a partir da largada, viu uma loucura tremenda em que só nove dos 20 carros que partiram, chegaram ao fim – e a corrida teve apenas 31 das 76 voltas previstas.

O caótico e histórico GP de Mônaco de 1984. Na imagem, Prost foge de Senna (Foto: McLaren)

Lauda errou no meio do caminho e abandonou, então sequer participou da distribuição de pontos. A corrida marcou atuação de gala de dois pilotos novatos na F1 1984: Ayrton Senna, com a Toleman, e Stefan Bellof, com a Tyrrell. Os dois dispararam pelotão afora com a chuva como aliada e tirando do caminho pilotos que tinham carros mais poderosos. Prost, lento, segurava a liderança, mas Senna e Bellof, que tinham largado respectivamente nas posições 13 e 20, surgiam em segundo e terceiro. Os pedidos para interromper a corrida se montava, e foi exatamente o que fez o ex-F1 Jacky Ickx, lembrado como grande piloto de chuva, que era diretor de prova na ocasião.

Ickx expediu a bandeira vermelha na 32ª volta, justamente o mesmo giro em que Senna ultrapassou Prost perto da linha de chegada. De acordo com as regras da F1, porém, a bandeira vermelha faz valer o resultado da última volta encerrada antes da interrupção. Portanto, da volta 31. Prost venceu, Senna e Bellof estrearam no pódio. Ao fim do ano, Bellof e Martin Brundle, outro piloto da Tyrrell, seriam desclassificados de todas as corridas da temporada por uma infração técnica do carro inglês. René Arnoux, da Ferrari, ficou para a história como o terceiro colocado oficial.

A interrupção com menos de 50% da prova concluída, porém, fez com que as pontuações distribuídas fossem somente a metade daquelas normalmente correspondentes ao resultado. Prost ficou com 4,5 dos 9 pontos ao que teriam direito em provas normais, enquanto Senna levou três dos seis; Arnoux, dois dos quatro; Keke Rosberg, 1,5 dos três; Elio de Angelis, um dos dois; e Alboreto, 0,5 em vez de um.

De lá em diante, o campeonato continuaria uma troca de golpes. Piquet venceria as duas provas seguintes, mas com Prost e Lauda no pódio no Canadá e apenas Alain com pontos, pelo quarto lugar, em Detroit. Rosberg levou a melhor em Dallas sem a dupla da McLaren chegar ao fim da prova. Ao sair da perna norte-americana, os líderes voltaram a dominar. Lauda venceu na Inglaterra; Prost, na Alemanha; Lauda, na Áustria; Prost, nos Países Baixos; Lauda, na Itália; Prost, no GP da Europa, em Nürburgring. Assim, após 15 das 16 etapas, Lauda tinha 66 pontos contra 62,5 de Prost. Bastava Niki chegar num segundo lugar em Portugal que seria campeão mesmo se Prost vencesse.

O GP de Portugal de 1984 logo após a largada (Foto: Reprodução/Red Bull)

A DECISÃO EM PORTUGAL: LAUDA X PROST

“Devo admitir que Prost é o piloto mais rápido com que tive de correr na mesma equipe”, afirmou Lauda na chegada a Estoril. “A equipe deu excelente material para ambos. No campeonato, a sorte tem estado às vezes ao meu lado e às vezes ao lado dele. Agora estamos no mesmo nível e com várias incertezas à frente. Será certamente a minha corrida mais longa”, completou.

Na hora de formar grid, a confirmação do que aparecia como altamente provável: o líder do campeonato terminaria sem nenhuma pole, campeão ou não. Lauda fez apenas o 11º, enquanto Prost largava na primeira fila. Piquet era o pole, com Senna em terceiro na despedida pela Toleman. A situação ficava boa para o francês. Caso Niki ficasse fora dos pontos, Alain precisaria ser segundo colocado.

Acontece que, na estreia da F1 no Estoril – e retorno à Portugal após 24 anos -, Lauda rapidamente passou a fazer valer o carro que tinha em mãos e pegou o elevador. Aliás, o começo da corrida foi uma bagunça. Piquet largou mal e perdeu várias posições, com Prost passando o brasileiro e mesmo assim caindo para terceiro. Rosberg e Mansell assumiram as duas primeiras colocações.

O pódio de Portugal 84: Prost, Lauda e Senna (Foto: McLaren)

Prost finalmente se livraria do inglês e do finlandês para, na nona de 70 voltas, enfim assumir a dianteira. Já fazia o que tinha de fazer para conquistar o caneco. Na marca de 18 voltas, o cenário tinha Prost na frente de Mansell, que passara Rosberg. Senna era o quarto, com Alboreto e Stefan Johansson nas posições de pontos. Lauda ia subindo e ultrapassava De Angelis para ocupar o sétimo posto. No 27º giro, contudo, foi Johansson quem ficou para trás. Antes mesmo da marca de metade da prova, Lauda já havia ultrapassado Alboreto, Rosberg e Senna e era o terceiro.

Com Prost na frente sem ameaças, a obrigação de Lauda se tornava limpar Mansell do caminho. Tarefa difícil contra o piloto da Lotus. Não parecia que o então bicampeão conseguiria ameaçar Mansell, que se segurava de maneira sólida. Até que não mais.

Foi na volta 51 que Mansell teve problema nos freios e rodou. Apesar disso, foi capaz de retomar o caminho e seguir adiante ainda na segunda colocação, mas agora com Lauda grudado. Mas na volta seguinte, os problemas pioraram. Mansell rodou de novo, foi para a brita e abandonou. Fato curioso sobre a situação veio anos depois, quando Mansell acusou o então chefe da Lotus, Peter Warr de se recusar a dar a ele os freios que queria para a corrida. Uma espécie de represália, segundo a acusação, uma vez que era a última corrida do piloto pela Lotus e estava fechado com a Williams para 1986, Mansell e Warr nunca se deram muito bem.

De qualquer maneira, Lauda assumiu a segunda colocação necessária e desfilou para a chegada. Prost venceu, mas teria de esperar mais algum tempo para conquistar o título mundial da F1. Lauda coroava a segunda carreira com o terceiro caneco, sete anos após o bi. Senna ainda completou um pódio que, após todas as carreiras encerradas, somaria dez títulos mundiais. Lauda se tornou, ainda, apenas o segundo piloto da história a ser campeão sem poles na temporada do título. O outro foi Denny Hulme, em 1967.

Naquele dia de 1984, exatos 40 anos atrás, provou a uma nova geração de pilotos e torcedores que era mesmo um dos maiores pilotos da história da F1.

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