Na Garagem: Senna quebra acordo, passa Prost em Ímola e explode guerra na McLaren

Há exatos 30 anos, Ayrton Senna quebrou um acordo que ele mesmo havia proposto a Alain Prost e passou o francês na primeira volta da relargada do GP de San Marino — após grave acidente com Gerhard Berger na curva Tamburello. A quebra do acordo não apenas irritou o ‘Professor’ como foi o marco do início daquela que viria a ser a maior rivalidade da F1 em todos os tempos

Poucas vezes a Fórmula 1 foi tão bélica como no fim dos anos 1980. A união entre o experiente Alain Prost, bicampeão do mundo e conhecido como ‘Professor’, com o jovem Ayrton Senna na McLaren quase imbatível daquela época resultou na maior rivalidade da F1 em todos os tempos. Alguns embates entraram para os anais do esporte, como entre Niki Lauda e James Hunt — que virou até filme —, Nelson Piquet e Nigel Mansell ou, anos depois, entre Fernando Alonso e Lewis Hamilton. Mas nada que seja comparado ao que Senna e Prost viveram naquela época. E o estopim da guerra entre os dois foi aceso há exatos 30 anos, no dia 23 de abril de 1989, no GP de San Marino.
 
Antes disso, Senna e Prost compartilhavam de um ambiente relativamente ameno na McLaren. 1988 foi uma temporada dominada pela equipe de Woking, com 15 vitórias em 16 GPs — exceção feita ao GP da Itália daquele ano. Em um campeonato amplamente disputado pela dupla, Senna derrotou Prost em um memorável GP do Japão para conquistar seu primeiro título mundial.
 
Até então, o momento de maior tensão entre os dois havia sido no GP de Portugal de 1988. Prost fechou Senna e o empurrou para a grama logo após a largada, mas o brasileiro conseguiu assumir a ponta. Na volta seguinte, o ‘Professor’ retomou a liderança, mas não sem antes Senna dar o troco ao fechar o francês, que ficou muito perto do muro na reta dos boxes. No fim das contas, Prost partiu para a vitória no Estoril.
 
Veio a temporada 1989, com a abertura em Jacarepaguá, em 26 de março. Senna parecia ter tudo para fazer a alegria do público nas arquibancadas ao conquistar a pole-position. Mas a festa durou até pouco depois da largada, quando o brasileiro se envolveu em um incidente com Riccardo Patrese e Gerhard Berger e sofreu um dano na asa dianteira. No fim, vitória de Mansell, da Ferrari, com Prost em segundo e Maurício Gugelmin em terceiro. Senna abandonou.
A caminho da segunda etapa do campeonato, o GP de San Marino, Senna propôs um acordo de não-agressão a Prost, da seguinte forma: ninguém atacaria o outro na primeira curva após a largada. Justamente para evitar situações como a de Jacarepaguá de ter uma corrida arruinada logo no começo. Foi com esse espírito que a McLaren chegou a Ímola.
 
Senna e Prost, como já era esperado, dominaram os treinos e garantiram a primeira fila do GP de San Marino, com o brasileiro fazendo a pole com 1min26s010, superando o companheiro de McLaren por 0s225. Para se ter ideia do quanto a McLaren estava à frente das rivais, o ‘melhor do resto’, Mansell, se colocou em terceiro lugar no grid, mas com diferença de 1s642 para Senna.
 
Senna fez boa largada e manteve a dianteira sem problemas Só que a corrida foi interrompida por conta de um terrível acidente sofrido por Berger, que bateu sua Ferrari contra o muro da curva Tamburello. Segundos depois, o carro vermelho foi consumido pelas chamas. Um incêndio de proporções bíblicas, com a temperatura dentro do carro chegando a 1.000ºC. 
 
Naquele momento, pairou um grande silêncio em Ímola, com muitos temendo o pior. Por milagre e pela eficácia do macacão antichamas, Berger sobreviveu e escapou praticamente ileso.
Ferrari de Gerhard Berger pega fogo após batida na curva Tamburello (Foto: Forix)

Quando foi dada a relargada, Prost tracionou melhor que Senna e assumiu a liderança. Uma liderança que não durou muito tempo. O brasileiro pegou o vácuo na saída da curva Tamburello e encostou de vez na McLaren #2, colocando de lado na curva Villeneuve para fazer a ultrapassagem pouco depois, na Tosa.

 
Estava quebrado o acordo que o próprio Senna havia proposto dias atrás.
 
Estava aberta a guerra que mudou para sempre a história da McLaren e da própria F1.
 
Prost se sentiu traído pelo brasileiro. Era visível o clima de tensão já no pódio. À época, Senna se defendeu e disse que o acordo de cavalheiros valia para a largada, mas não para uma relargada, como havia sido em Ímola. Quem diz isso é o próprio Prost, em entrevista publicada pela revista ‘Motor Sport’ anos depois, em 1998.
 
“Ele argumentou que não era a largada, era a relargada, então o acordo não se aplicava. Ele tinha suas próprias regras, e algumas vezes elas eram muito… bem, vamos dizer, estranhas. Foi ideia de Ayrton, para início de conversa, e eu não tinha problemas com ela. Depois, no entanto, eu disse que era o fim. Continuaria a trabalhar com ele, em assuntos técnicos, mas no que se referia à nossa relação pessoal, era o fim. E a atmosfera na equipe ficou muito ruim, claro”, disse o ‘Professor’.

Senna, em fala divulgada pela McLaren, se defendeu e julgou como correta a manobra sobre o companheiro de equipe. “Acho que há uma divergência de interpretação do conceito deste acordo e, acima de tudo, uma desproporção entre as consequências da manobra de ultrapassagem e a sua reação depois. Na relargada, ele partiu um pouco melhor que eu, mas estava imediatamente atrás para tirar proveito a partir do vácuo. Assim, ganhei velocidade e fiz minha manobra bem antes da zona de frenagem. Minha ultrapassagem foi iniciada, na minha opinião, bem antes da primeira curva e, como resultado, fora dos termos do nosso acordo”.

 
“O que eu deveria ter feito? Tirar o pé em linha reta porque eu estava indo mais rápido que ele? Estamos correndo, sim ou não? E eu freei mais tarde do que ele; eu estava melhor colocado, e isso é tudo. Jamais quis trair nosso acordo, nem por um segundo eu achei que isso foi desonesto. O acordo sempre foi de que nenhuma manobra de ultrapassagem aconteceria na freada da primeira curva. Minha ultrapassagem foram iniciada durante a reta e, na primeira curva, ficamos lado a lado”, declarou o então campeão do mundo.
A quebra do acordo: Senna passa Prost na relargada do GP de San Marino de 1989 (Foto: McLaren)

Ímola representou um verdadeiro racha na McLaren. Prost e Senna tinham suas armas um contra o outro. Do lado do francês, um elemento político importante na figura de Jean-Marie Balestre, presidente da FISA. Senna, por outro lado, tinha o apoio incondicional da Honda.

 
Ao longo daquela temporada, Prost foi mais eficiente e regular que Senna, ainda que o paulista tivesse vencido mais corridas — seis, contra quatro do seu rival. Antes da decisão do título, no GP do Japão, o ‘Professor’ só não havia pontuado no GP do Canadá. Ayrton, por sua vez, ficou fora dos pontos em sete provas. Lembrando que naquela época apenas os seis primeiros pontuavam.
 
No mesmo palco onde foi humilhado por Senna um ano antes, Prost tinha a chance de se redimir e sair como tricampeão em cima do rival em Suzuka. A pole foi de Ayrton de forma soberana, com 1s730 de vantagem para Prost. O brasileiro tinha de vencer para adiar a decisão do título para a Austrália.
 
Só que Prost foi melhor na largada e pulou na ponta, sendo seguido por Senna em praticamente toda a corrida. O brasileiro sabia que era tudo ou nada e andava muito próximo, mas seu arquirrival não estava disposto a ceder. Até que na volta 47, Senna foi com tudo e mergulhou na chicane para passar Prost. Alain fechou a porta, e os dois bateram.
 
“Eu disse à equipe e à imprensa: ‘Não há chance alguma de que eu abra passagem para ele’. Ron Dennis sempre dizia que o importante era que não batêssemos no outro, devíamos pensar na equipe. No que me dizia respeito, Senna pensava sobre si, e era isso. Na largada do GP da Inglaterra daquele ano, por exemplo, chegando à curva Copse, se não tivesse me colocado três, quatro metros fora do traçado, teríamos nos tocado e os dois teriam abandonado a corrida. Quanto ao acidente entre nós dois na chicane, sim, eu sei que todos pensam que eu fiz de propósito. O que digo é que não abri passagem, e só. Não queria terminar daquele jeito. Liderei desde a largada, e queria vencer”, declarou.
 
Prost abandonou a corrida e Senna teve a asa dianteira da sua McLaren avariada com o impacto. O piloto chegou a ficar parado na área de escape da chicane antes de conseguir voltar à pista. Em um fim de prova memorável, Ayrton fez o pit-stop, voltou à pista e ultrapassou Alessandro Nannini, da Benetton. Daí em diante, partiu para a vitória, que foi apenas dentro da pista. O brasileiro foi desclassificado pelos comissários por ter cortado o caminho. Nannini venceu e Prost foi declarado campeão mundial em 1989.
 
O que ficou depois foi história. Com um ambiente insuportável na McLaren, Prost assinou contrato e se transferiu para a Ferrari, liderando um projeto que visava recolocar a equipe italiana no topo da F1, o que não acontecia desde 1979, com Jody Scheckter. Senna tinha a McLaren toda para si, a começar pelo seu novo companheiro de equipe, o amigo Berger.
 
Senna e Prost protagonizaram aquela temporada, que novamente foi decidida no Japão. Daquela vez, o brasileiro deu o troco e jogou o carro para cima do rival ainda na primeira curva em Suzuka, confirmando o bicampeonato.
A reconciliação entre Prost e Senna veio na última corrida do francês — e na última vitória de Ayrton (Foto: Reprodução/Twitter)

“Ele me admitiu — assim como fez para a imprensa — de que fez aquilo de propósito. Ele me explicou porque fez. Ele estava furioso com o Balestre por não concordar em mudar o grid para que ele pudesse largar no lado esquerdo e não do lado sujo, e ele me disse que decidiu que se eu chegasse à primeira curva à sua frente, ele me tiraria. Nunca vou me esquecer porque não envolvia apenas Ayrton. Algumas pessoas na McLaren, vários dirigentes, e muitos na imprensa, concordaram com o que ele tinha feito. E isso eu não podia aceitar. Quase me aposentei depois daquela corrida”, revelou Prost.

 
Foi o último grande ato da rivalidade entre os dois. Em 1991, Prost foi muito mal na Ferrari, enquanto Senna partiu rumo ao tricampeonato, conquistado novamente em Suzuka, depois de seu principal adversário naquele ano, Mansell, perder o controle da Williams e ir parar na brita da curva 1. Dispensado pela Ferrari, Prost cumpriu um ano sabático em 1992 para ocupar o lugar que Senna tanto queria: a Williams, em 1993, com o ‘carro do outro planeta’.
 
Senna e Prost travaram algumas boas brigas na pista, mas o brasileiro, mesmo fazendo sua melhor temporada e com atuações épicas no Brasil, em Donington Park e Mônaco, não tinha condições reais de lutar por vitórias diante da supremacia da Williams.

Prost chegou ao tetra no GP de Portugal. Pouco depois, na última corrida da carreira do francês, veio o gesto de reconciliação da parte de Ayrton, no pódio do GP da Austrália, em Adelaide. Senna havia vencido na sua despedida pela McLaren e, no ano seguinte, ocuparia a Williams #2 no lugar de Prost, aposentado.

 
Os dois se tornaram muito mais próximos nos meses seguintes. A ponto de Senna, durante uma volta em Ímola com o carro da Williams no fim de semana do fatídico GP de San Marino, saudar Prost. “Gostaria de dar as boas-vindas ao meu amigo Alain. Todos sentimos a sua falta”.
 
A paz entre os dois estava definitivamente selada.
 
Dias depois, na mesma Ímola que viu o início da maior rivalidade da F1, Senna sofria o acidente que lhe tiraria a vida em 1º de maio de 1994.

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Confira a programação do fim de semana do GP da Azerbaijão de F1

Horários de Brasília, GMT -3

SESSÃO DIA DATA HORA
TL1 Quinta 26/4 5h
TL2 Sexta 26/4 9h
TL3 Sábado 27/4 6h
TC Sábado 27/4 9h
GP Domingo 28/4 9h10
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