No fundo do poço, Vettel perde espaço e vira o que era Räikkönen até 2018

Sem vencer na F1 há mais de um ano, Sebastian Vettel parece ter mesmo chegado ao fundo do poço depois da atuação desastrosa no último GP da Itália. Derrotado por Charles Leclerc, novo xodó dos tifosi, autor de um erro bisonho para quem ostenta quatro títulos e com a proeza de ter sido xingado de “idiota” por Lance Stroll, o alemão desceu ao patamar de segundo piloto na Ferrari. Para seguir em alto nível na F1, Vettel precisa, mais do que nunca, se reencontrar

Antes de fazer um recorte do fundo do poço da carreira de Sebastian Vettel, evidenciado em fortes cores no fim de semana do GP da Itália, é preciso voltar alguns meses no tempo e lembrar que, nos testes de pré-temporada entre fevereiro e março, o alemão se colocava como principal concorrente de Lewis Hamilton na luta pelo título, uma vez que a Ferrari se mostrou a principal força dos trabalhos de inverno em Barcelona. Ao lado do tetracampeão estava o jovem Charles Leclerc, contratado para dar uma lufada de ar fresco nos boxes de Maranello depois de quatro anos tendo Kimi Räikkönen como segundo piloto de luxo. Mas poucos poderiam imaginar que o talentoso monegasco inverteria, em questão de meses, a hierarquia dentro da equipe.
 
Aquela Ferrari que impressionou até a Mercedes nos testes da Catalunha decepcionou quando o jogo foi pra valer a partir do GP da Austrália, em 17 de março. As Mercedes dominaram, Valtteri Bottas surpreendeu com uma jornada singular e Max Verstappen conseguiu a façanha de colocar a Red Bull, na sua primeira corrida empurrada pela Honda, no pódio. A primeira corrida da Ferrari no ano, ao contrário, foi frustrante. E teve um detalhe que chamou a atenção: Leclerc estava mais rápido que Vettel, mas veio a ordem do pit-lane para o monegasco seguir atrás do alemão, que terminou em quarto, com Charles fechando o top-5. 
 
A excelente impressão deixada pelo jovem Leclerc ganhou contornos ainda maiores duas semanas depois. Em Sakhir, palco do GP do Bahrein, Charles começou a marcar de vez seu território com uma jornada incrível marcada pela conquista da sua primeira pole na F1, que veio com autoridade ao superar em 0s294 seu companheiro de equipe e tetracampeão do mundo. Na largada, Leclerc acabou sendo superado por Vettel e Bottas, mas com uma cabeça fria que chamou a atenção, não tomou conhecimento do finlandês e esperou o momento certo para deixar o alemão para trás.
Depois de quatro anos com Räikkönen, Vettel tem em Leclerc um novo e desafiador companheiro de equipe (Foto: Ferrari)

Charles partia para uma vitória merecida, enquanto Vettel lutava com Hamilton pelo segundo lugar. Até que, na volta 38, Seb cometeu um erro em frente ao rival e rodou sozinho, vendo escapar pelos ares uma grande chance de vencer. Isso porque os deuses do automobilismo não deixaram Leclerc vencer naquele momento, tudo por conta de uma perda de potência do motor. O monegasco caiu para terceiro, e a vitória acabou ficando com Hamilton. Vettel, que poderia ter vencido, finalizou num melancólico quinto lugar.

 
É verdade que, na sequência da temporada, Vettel conseguiu impor um ritmo mais forte, condizente com seu currículo e com o que a Ferrari dele espera, enquanto Leclerc, mesmo na esteira de uma atuação brilhante no Bahrein, ainda buscava uma maior adaptação a tudo o que o cerca. Seb somou pontos importantes com direito a pódios em Xangai, Baku e Mônaco, aproveitando assim para abrir uma vantagem e também ganhar moral em relação ao companheiro de equipe. 
 
Em Montreal, Vettel tinha tudo para finalmente quebrar o jejum de quase um ano sem vitórias. Com direito a uma atuação de gala, o piloto de 32 anos segurou no braço a pressão de Hamilton por quase o tempo todo. Mas cometeu um erro capital ao perder o controle da sua Ferrari e voltar à frente do pentacampeão, fechando a passagem da Mercedes #44. A manobra, alvo de muita polêmica, foi condenada pelos comissários, e Vettel, que ganhou na pista, foi punido em 5s e viu o triunfo nas mãos do seu grande adversário nos últimos anos.
Sebastian Vettel protagonizou uma das cenas do ano na F1 (Foto: AFP)

O gesto de Vettel ao trocar a placa do vencedor e colocar a do #1 em frente ao seu carro era, ao mesmo tempo, uma demonstração de inconformismo, mas também de muita vontade de vencer. O velho Vettel estava de volta?

 
O horroroso GP da França tratou de mostrar que não. Aliás, Seb esteve bem longe de brilhar tanto em Paul Ricard, onde Leclerc voltou ao pódio, como no Red Bull Ring. Na Áustria, novamente Charles foi o grande nome da Ferrari com direito a largar na pole-position. A tão esperada primeira vitória não se concretizou por conta de um misto de falta de ousadia de um lado e de uma atuação magistral de Max Verstappen. Mesmo com um amargo segundo lugar, Leclerc voltava a ganhar adeptos, enquanto Vettel voltava a perder terreno.
 
A história mostra que, muitas vezes, o que está ruim sempre pode piorar. O empolgante GP da Inglaterra tinha as Mercedes de Hamilton e Bottas mais à frente, e as duplas de Red Bull e Ferrari andando muito próximas, em um único pelotão. Foi aí em que ficou claro como Leclerc e Vettel, em momentos muito distintos da carreira, lidaram com uma situação de pressão. O dono do carro #16 estava determinado em não ver o filme da Áustria novamente e travou incrível batalha com Verstappen, permanecendo à frente. Vettel, no afã de retomar a posição perdida para o holandês, acertou a traseira do carro da Red Bull e levou a pior
 
Mais uma péssima jornada do piloto que vencera em Silverstone um ano atrás.
Desastre para Vettel em acidente com Verstappen em Silverstone (Foto: Reprodução)

Mas Seb tinha de lidar com seus demônios mesmo no GP da Alemanha na Hockenheim que marcou o início da sua derrocada em 2018. Mas o azar parecia mesmo não querer deixá-lo de lado. Depois de um impecável trabalho feito nos treinos livres, a Ferrari viveu uma tarde de sábado inacreditável. Vettel sequer conseguiu sair para completar uma volta na classificação e largou em último. Se servia de consolo, Leclerc, que despontava como candidato à pole, também enfrentou problemas e não saiu para o Q3, ficando com o décimo lugar no grid.

 
Diante de todas as condições críticas naquele chuvoso domingo em Hockenheim, Vettel se superou. Fez uma grandiosa prova, se esquivou dos erros proporcionados pelo traiçoeiro asfalto e ainda viu Hamilton e, principalmente Leclerc, cantados em verso e prosa ao longo do ano, se estatelarem na barreira de proteção. Chegar em segundo lugar depois de ter largado em último, ainda mais por ter sido em casa e no palco do início da sua decadência um ano atrás, foi como uma vitória. O velho Vettel estava, finalmente, de volta.
 
Sempre providenciais, as férias de verão foram benéficas para Maranello e traziam a perspectiva de uma retomada de temporada muito positiva com as duas pistas mais fortes para a Ferrari no ano: Spa-Francorchamps e Monza. Só que no período em que mais precisava confirmar sua retomada que Vettel viu a consolidação do fenômeno Charles Leclerc na F1 como um todo e na Ferrari em particular.
Um ano após a derrocada, o pódio da redenção para Vettel em Hockenheim (Foto: AFP)

O novo número 1 da Ferrari

 
Pole-position com louvor em Spa-Francorchamps, Leclerc teve de colocar à prova novamente sua força mental horas depois de ter perdido um grande amigo. Diante da tristeza pela morte de Anthoine Hubert, Charles se superou com uma pilotagem brilhante na mais desafiadora das pistas do calendário. Mas a cena emblemática que representou de forma definitiva a nova hierarquia em Maranello foi protagonizada pela ordem de equipe enviada a Vettel, que estava à frente de Leclerc depois da troca de pneus: “Deixe Charles passar nesta volta”.
 
Seb assim o fez, abriu espaço para a ultrapassagem do carro #16 e serviu como escudeiro, como fazem os pilotos #2. Vettel exerceu papel decisivo ao segurar Hamilton por essenciais duas voltas e foi determinante para a vitória de Leclerc, que cruzou a linha de chegada cerca de 0s4 à frente do pentacampeão. O alemão teve de se contentar com um modesto quarto lugar no circuito onde venceu pela última vez no Mundial.
 
A Ferrari foi para sua corrida mais importante do ano impulsionada por uma importante vitória em Spa e motivada pela grande festa promovida dias antes em comemoração pelo aniversário de 90 anos da marca em Milão. Na pista, em teoria as SF90 eram as grandes favoritas desde o início do fim de semana, e os treinos livres reforçaram tal imagem. Até que veio a classificação e o estranho e confuso Q3. Foi quando Leclerc mostrou as garras e impôs mais uma derrota a Vettel.
Mesmo no fundo do poço, Vettel mostra grandeza se desculpa com Stroll (Foto: Reprodução/Twitter/RedBullF1Fairy)
Leclerc tinha a predeterminação da Ferrari para puxar Vettel no vácuo em Monza. Mas o monegasco desobedeceu a ordem e marcou a pole na primeira tentativa de volta rápida. Em teoria, Charles daria o vácuo ao alemão na segunda parte do Q3. Só que o monegasco colocou seu carro lado a lado de Seb em ritmo bem lento. Tão lento que não houve tempo para fazer essa última tentativa. O fato irritou profundamente Vettel e causou certo constrangimento para a Ferrari, mas não para Leclerc, coroado como pole na sua primeira vez correndo de Ferrari em Monza. Vettel só partiu da quarta colocação.
 
Domingo reservou a consagração de Leclerc como a nova estrela da F1. Ao mesmo tempo em que Charles pavimentava seu caminho rumo à glória, Vettel tentava se aproximar das Mercedes de Lewis Hamilton e Valtteri Bottas, forçou demais e rodou na variante Ascari. Para piorar o que já estava ruim àquela altura, acertou o carro de Lance Stroll ao tentar voltar para o traçado. Seb conseguiu a proeza de ser chamado de “idiota” pelo inexpressivo canadense. Além do xingamento, o tetracampeão também foi punido com um stop-and-go pela direção de prova. Sua corrida estava arruinada.
 
Em momento completamente oposto, Leclerc coroou uma atuação de cinema ao segurar a pressão de Hamilton, um dos maiores da F1 de todos os tempos, e também de Bottas, para ser o mais jovem piloto da Ferrari a triunfar em Monza, ganhando de vez um lugar no coração dos apaixonados tifosi. Restava a Vettel o ato cavalheiresco de reconhecer o erro e pedir desculpas a Stroll pela batida no início da prova. Mesmo em meio à pior fase da carreira, Sebastian não perdeu sua grandeza.
 
Não parece ser precipitado dizer que hoje Leclerc é o número 1 da Ferrari e Vettel é o #2. São quatro poles e duas vitórias para o monegasco, enquanto o tetracampeão tem três segundos lugares como melhores momentos no ano, além da pole do GP do Canadá. O placar de 182 x 169 no Mundial de Pilotos em favor de Charles é enganoso. Seu tamanho hoje dentro da Ferrari é muito maior. Vettel se garante pelo peso que tem como tetracampeão, mas cada vez mais está destinado a ser para Leclerc o que foi Räikkönen para ele entre 2015 e 2018: um fiel escudeiro de luxo. Assim tende ser o caminho até o desfecho de uma carreira gloriosa, mas que atualmente atravessa o momento de mais profunda decadência desde que estreou na F1.
 

Paddockast #32
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