O que você pediria neste Natal como histórias para ver em ‘Drive to Survive 3’?

GRANDE PRÊMIO escolheu 10 temas que seriam imprescindíveis para acompanhar na próxima temporada da série da Netflix

Encerrada há quase duas semanas, a temporada 2020 do Mundial de Fórmula 1 foi o pano de fundo para algumas grandes histórias do esporte neste ano atípico, difícil, triste em muitos aspectos em todo o planeta. O ano que está prestes a se despedir rendeu imagens marcantes de bravura, emoção, lágrimas, sorrisos e muito entretenimento na principal das categorias do automobilismo. Um campeonato para ser guardado na memória e no coração por muito tempo e que, dentro de alguns meses, vai ser retratado na terceira temporada da série ‘Drive to Survive’, produzida pela plataforma de streaming Netflix.

O primeiro ano da série foi muito impactante, revelou bastidores da temporada 2018 e foi a porta de entrada para muitos fãs, que não conheciam totalmente a fundo a Fórmula 1, se apaixonarem pela categoria, passando assim a acompanhar as corridas. A segunda temporada também retratou algumas importantes histórias, mas não causou o mesmo furor da estreia.

Ainda sem previsão de estreia, a temporada 3 de ‘Drive to Survive’ (ou ‘Dirigir para Viver’, no título dado pela plataforma à série em português), tem potencial para encantar e emocionar desde o fã mais apaixonado ao espectador que não costuma acompanhar tanto a Fórmula 1.

A seguir, o GRANDE PRÊMIO lista dez temas escolhidos que seriam fundamentais para contar a história desta temporada 2020 e que não podem ficar fora de ‘Drive to Survive 3’. Qual desses episódios você pediria para assistir neste dia de Natal?

GP DA TURQUIA; LEWIS HAMILTON; VITÓRIA; TÍTULO;
Lewis Hamilton festeja a vitória que o consagrou como heptacampeão mundial de F1 (LAT Images/Mercedes)

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A corrida que não aconteceu

O mundo já estava apreensivo e assustado com as notícias que vinham da Ásia sobre o surgimento de um vírus ainda pouco conhecido e chamado popularmente como novo coronavírus. A Fórmula 1 tomava conhecimento do adiamento do GP da China. Naquele momento, a maioria poderia imaginar que fosse uma situação regionalizada, mas não demoraria muito para que o vírus se alastrasse por todo o mundo, gerando o que conhecemos como pandemia.

Os testes de pré-temporada, em Barcelona, equipes e pilotos começavam a se preocupar com o avanço do vírus na Europa e começaram a tomar medidas próprias, uma vez que ainda não havia um protocolo oficial padrão da Fórmula 1, para se proteger.

Em 11 de março, quando a Fórmula 1 já estava na Austrália para a primeira etapa do campeonato, a Organização Mundial de Saúde declarou oficialmente a Covid-19 como pandemia, tamanho o seu alcance em vários países do planeta. Quando desembarcou em Melbourne, a F1 se deparou com um clima de tensão e incerteza no ar como há tempos não existia.

Autoridades locais já defendiam o cancelamento da etapa, enquanto Lewis Hamilton criticava abertamente a Fórmula 1 por levar adiante a programação da prova. No dia 12, quinta-feira, funcionários de McLaren e Haas foram isolados depois que alguns profissionais apresentaram sintomas do novo coronavírus. Na mesma quinta-feira, após a realização de teste, o funcionário da McLaren que apresentou sintomas de coronavírus testou positivo para a doença. A Fórmula 1 se viu diante de uma realidade sem precedentes. A equipe de Woking anunciou a decisão de não correr o GP da Austrália. Uma baixa impactante e deveras considerável.

AUSTRÁLIA; GP DA AUSTRÁLIA; COVID;
Cúpula da Fórmula 1 no anúncio do cancelamento do GP da Austrália (Foto: AFP)

Veio a manhã de sexta-feira, e depois de reunião com as outras nove equipes, seis decidiram seguir a McLaren e também se retiraram do GP. Red Bull, AlphaTauri e Racing Point foram votos vencidos. Minutos antes do que seria o horário programado para o primeiro treino livre na Austrália, o chefão da Fórmula 1, Chase Carey, anunciava, ao lado do diretor de provas da Fórmula 1 e dos promotores do GP da Austrália, a decisão que parecia inimaginável tempos atrás: a primeira corrida do ano estava cancelada.

Pior: não havia nenhuma certeza sobre onde e quando a Fórmula 1 voltaria a correr.

A luta solitária de Lewis Hamilton na Fórmula 1

Neste hiato outrora impensável de quase quatro meses desde quando os pilotos foram para a Austrália para uma corrida que acabou sendo cancelada pelo avanço da Covid-19, Lewis ergueu publicamente a sua voz contra uma das maiores excrescências da humanidade: o racismo. Horrorizado pelas cenas do assassinato de George Floyd, asfixiado pelo joelho do policial branco Derek Chauvin em maio, Hamilton saiu da bolha das redes sociais e foi para as ruas de Londres protestar, fazendo coro aos jogadores da NBA, a atletas como Serena Williams e Naomi Osaka e bradando ao mundo que vidas negras importam demais.

Ao mesmo tempo em que se manifestava, Hamilton viu a inércia dos seus pares alienados na Fórmula 1. Não à toa, disse que sua luta era solitária. Timidamente ou protocolarmente, alguns dos jovens pilotos do grid foram provocados a também se pronunciar e assim o fizeram, atendendo a um clamor de todo o mundo, mas também como uma maneira de ficar bem diante do melhor piloto da F1 na atualidade.

Naquele momento, Lewis marcava posição firme contra o racismo. E ao falar que lutava uma batalha solitária, o recado foi endereçado também à Mercedes, que sentiu que era preciso mudar. Foi aí que a equipe então hexacampeã do mundo tomou uma inciativa ímpar e jamais vista antes na sua história. Pela primeira vez na F1, a equipe anglo-alemã mudou as cores dos seus carros, trocando o tradicional prateado e substituindo pelo preto e a inscrição ‘End Racism’ pintada nas laterais do halo. O gesto não se resumiu somente à mudança do layout do W11, mas representou também uma mudança na política de inclusão da Mercedes, que se abriu para incluir no seu quadro mais profissionais pretos, mulheres e minorias num aspecto geral.

Pilotos se ajoelham, e outros não, em protesto contra o racismo na Áustria
Pilotos se ajoelham, e outros não, em protesto contra o racismo na Áustria (Foto: LAT Images/Mercedes)

E foi a bordo do W11, pintado de preto como um grande símbolo contra o racismo, que Hamilton fez uma temporada irretocável que o colocou de vez no Olimpo do esporte como o maior de todos e um dos melhores de todos os tempos.

E foi em meio ao clima de luta antirracista que a Fórmula 1 encerrou um longo e inesperado período de inatividade para finalmente abrir a temporada 2020 com o GP da Áustria entre 3 e 5 de julho no circuito Red Bull Ring. O traçado foi palco de outro momento ímpar e histórico na categoria.

Momentos antes da largada, a Fórmula 1 promoveu pela primeira vez um protesto formal contra o racismo em frente à linha de chegada no Red Bull Ring. Hamilton puxou o gesto emblemático ao se ajoelhar e erguer o punho. Todos os 20 pilotos do grid vestiam camisetas pretas com a inscrição ‘End Racism’, mas seis não aderiram à causa antirracista: Max Verstappen, Charles Leclerc, Carlos Sainz, Daniil Kvyat, Kimi Räikkönen e Antonio Giovinazzi ficaram de pé naquele momento. Os seis pilotos ganharam a companhia, nas etapas seguintes, do dinamarquês Kevin Magnussen, da Haas.

Mas o maior recado estava sendo dado ali por aquele que estava prestes a se tornar o maior vencedor e campeão de todos os tempos. Único piloto preto em toda a história da categoria e símbolo máximo de resistência em meio a um esporte elitista e esbranquiçado como é a Fórmula 1, Lewis Hamilton deixava claro: o racismo é inaceitável, repugnante e deve ser combatido todos os dias em uma luta incessante.

O milagre de Silverstone

Um dos pontos altos da temporada é sempre o GP da Inglaterra, naquele que foi o berço da Fórmula 1 há 70 anos, Silverstone. Para Hamilton, correr em casa é especial por si só, ainda que neste ano tão estranho sua torcida não estivesse nas arquibancadas. Antes de 2020, Lewis já havia vencido seis vezes na antiga base aérea e tinha todo o favoritismo para alcançar o sétimo triunfo.

A luta pela pole foi vencida sem muita dificuldade, com o britânico conquistando a posição de honra com 0s3 de vantagem para Valtteri Bottas. No domingo, a corrida em si foi completamente dominada pelo então hexacampeão. Mas a Fórmula 1 pregou uma das suas peças e transformou um desfecho que parecia tranquilo para um final eletrizante e imprevisível, desses dignos de uma grande história de cinema.

Nas voltas finais do GP da Inglaterra, vários pilotos sofreram com pneus furados. Bottas e Sainz tiveram de recorrer a pit-stops de emergência simplesmente para completar a corrida. Hamilton abriu a última volta com uma confortável vantagem de 40s perante Max Verstappen, o segundo colocado. Mas poucos metros depois, o pneu dianteiro esquerdo do Mercedes #44 estourou. Lewis se arrastou na sequência do giro derradeiro do circuito, controlou o carro com maestria de modo a equilibrar uma velocidade razoável com concentração no limite.

Lewis Hamilton e a incrível vitória em Silverstone com três rodas: uma imagem para a história (Foto: AFP)

Sendo informado o tempo todo por Pete Bonnington, o ‘Bono’, estrategista da Mercedes, sobre a aproximação de Verstappen, Lewis fez o que parecia ser impossível e conseguiu cruzar a linha de chegada com pouco mais de 5s de frente.

Uma vitória épica! Uma vitória para a história! Com o triunfo, Hamilton virou o maior vencedor da história da Fórmula 1 em sua corrida caseira, superando as seis vitórias de Alain Prost no GP da França. Certamente, foi uma das grandes imagens do ano e que serve para representar o gigantismo da temporada de Lewis Hamilton na F1 em 2020.

Hülk se veste de rosa no regresso inesperado de 2020

A história de Hülkenberg neste atípico ano de 2020 na Fórmula 1 vai ficar marcada como uma das mais curiosas e da temporada. Mas, para o alemão, o desfecho não teve um final tão feliz porque o fim foi como o começo: afinal, Nico começou e vai terminando o ano sem um cockpit. E é possível dizer também que a história com final feliz de Sergio Pérez, seu antigo companheiro de equipe nos tempos de Force India, tenha definido também o (não) destino de Hülkenberg em 2021.

Com o avanço da Covid-19 ao redor do mundo, a Fórmula 1 precisou se fechar em sua bolha para evitar ao máximo a infecção dos seus funcionários. Mas, mesmo diante dos protocolos, não era impossível pensar que algum piloto pudesse estar infectado e desfalcar sua equipe.

O primeiro piloto a ter testado positivo para o Covid-19 foi justamente Pérez. O mexicano foi vetado pela junta médica da Fórmula 1 às vésperas do GP da Inglaterra, em Silverstone. A Racing Point, que não tinha um piloto reserva oficial nos seus quadros, chamou aquele que já conhecia desde os tempos de Force India e optou pela experiência de Hülkenberg para substituir o mexicano. Chamado às pressas, Nico chegou à antiga base aérea britânica com um capacete nas cores amarela e preta, usado nos seus tempos de Renault.

Nico Hülkenberg voltou de forma inesperada à F1. E mostrou que não pode ficar fora do grid (Foto: Racing Point)

Como ‘Checo’ permaneceu com o vírus na semana seguinte, então o titular da Racing Point não conseguiu correr no GP dos 70 Anos. Desta forma, Hülkenberg teve a inimaginável chance de fazer duas corridas consecutivas pela Racing Point, tendo uma chance real até de conquistar seu primeiro pódio na Fórmula 1, levando em conta o potencial da ‘Mercedes rosa’.

Mas a velha faceta do azar se fez presente novamente para Hülkenberg, que sequer conseguiu largar por conta de um problema na embreagem. Mas como ‘Checo’ seguiu testando positivo para a Covid-19, Nico foi chamado de novo para o GP dos 70 Anos, na semana seguinte, também em Silverstone. O alemão foi bem demais, chamou a atenção por ter conseguido o terceiro lugar no grid e andou à frente de Lance Stroll em quase todo o fim de semana. No fim da corrida, quando estava prestes a terminar em sexto, à frente do canadense, o piloto foi chamado para um pit-stop não previsto por conta de um alegado desgaste nos pneus, o que causou o protesto de muitos fãs nas redes sociais.

Hülkenberg cumpriu com a missão e voltou à inatividade depois que Pérez testou negativo e voltou ao cockpit da ‘Mercedes rosa’ na Áustria. Mas o alemão não poderia imaginar que, em outubro, receberia outra chance, e na mesma equipe. Stroll se sentiu mal — o que, dias depois, foi confirmado como infecção pela Covid-19 — e Nico foi chamado para substituir o canadense no fim de semana do GP de Eifel. A ligação de Otmar Szafnauer chamando o piloto para mais uma missão foi atendida enquanto Hülk tomava seu café da manhã em Colônia, a poucas horas de carro de Nürburgring.

Em duas corridas disputadas, Nico Hülkenberg somou 10 pontos, andou bem com um carro com o qual jamais havia andado antes e mostrou que ainda tem muita lenha para queimar, mas, ao mesmo tempo, é um claro exemplo de talento desperdiçado na Fórmula 1.

Do rebaixamento à glória

Dentre as maravilhosas histórias produzidas pela Fórmula 1 em 2020, um dos capítulos mais emblemáticos e emocionantes foi escrito em Monza, eterna catedral do esporte a motor e palco de triunfos dos grandes do automobilismo. O cenário perfeito para uma consagração épica.

Pierre Gasly já caminhava por um sólido processo de amadurecimento na carreira depois do revés sofrido no ano passado, quando perdeu a vaga na Red Bull para Alexander Albon e foi rebaixado de volta para a Toro Rosso. Na equipe pela qual fez a estreia na Fórmula 1, o francês renasceu para o esporte, fez ótimas corridas e consolidou a recuperação com um incrível pódio no GP do Brasil, com direito a segurar na volta final ninguém menos que Lewis Hamilton.

Para 2020, a Toro Rosso virou AlphaTauri, ganhou nova e bela roupagem e teve Gasly no seu melhor momento, embora ainda bastante jovem, com somente 24 anos. É verdade que o gaulês sofreu em alguns momentos principalmente com a confiabilidade do AT01, mas o francês tinha muita performance, inegavelmente.

Até o GP da Bélgica, Gasly fazia uma temporada aceitável para as condições do carro às mãos e tinha 18 pontos no campeonato, contra apenas 2 de seu companheiro de equipe, Daniil Kvyat. Era o francês quem carregava a AlphaTauri nas costas.

Pierre Gasly e a vitória incrível em Monza (Foto: Red Bull Content Pool)

Mas tudo mudou, inclusive o patamar de Gasly, naquele GP da Itália.

As cenas ainda estão na retina. Hamilton liderava a corrida com tranquilidade até que Kevin Magnussen abandonou com sua Haas perto da entrada do pit-lane. A direção de prova acionou o safety-car, mas a Mercedes chamou Lewis para antecipar a troca de pneus no momento em que os boxes estavam fechados, o que se configura uma irregularidade. Depois de um breve período de bandeira verde, Charles Leclerc bateu muito forte com sua Ferrari na curva Parabólica. A direção de prova acionou a bandeira vermelha que ajudou a mudar a história da corrida.

Com a interrupção da disputa, todos os pilotos puderam trocar seus pneus, só que Hamilton, líder, teria de pagar a punição, um stop and go de 10s. Lewis era o primeiro, seguido por Stroll e Gasly em terceiro. O canadense, até pelo carro que tinha às mãos, era o grande favorito à vitória.

Só que Gasly deu o pulo do gato na volta de relargada e passou Stroll, que perdeu muitas posições. Por algumas voltas, o surpreendente Kimi Räikkönen chegou a aparecer em segundo antes de ter sido superado pela McLaren de Carlos Sainz.

Desde a volta 34 até o fim da corrida, no giro 53, Sainz perseguiu Gasly, mas o francês encarou com valentia a pressão imposta por Carlos durante as voltas mais tensas da sua carreira. Ao cruzar a linha de chegada, Pierre alcançou a glória com sua primeira vitória na Fórmula 1. Depois da festa do champanhe no mítico pódio de Monza, o piloto sentou-se no degrau mais alto do pódio e, incrédulo, não segurou as lágrimas. Lágrimas de um vencedor.

Mil vezes Ferrari. Mas com pouco a comemorar

A enorme mudança provocada pela pandemia fez com que a Fórmula 1 desenvolvesse um calendário completamente revisado e concentrado principalmente na Europa, mas com as três corridas finais de 2020 acontecendo no Oriente Médio. Do cronograma original estabelecido com 22 GPs, nada menos que 13 etapas foram canceladas. Caíram, por exemplo, provas das mais tradicionais como os GPs de Mônaco, Brasil, Japão, México, Estados Unidos, Canadá e França.

A Ferrari abriu 2020 sabendo que chegaria à sua corrida 1.000 na Fórmula 1 em Paul Ricard. Mas com o cancelamento da etapa francesa e a incógnita sobre a sequência do campeonato deixou em dúvida o destino da prova comemorativa para a mais longeva e tradicional equipe do grid.

Quando a Fórmula 1 anunciou que Mugello fora escolhida como palco do GP da Toscana, em prova alocada uma semana depois do GP da Itália, em Monza, a Ferrari ganhou um presente: correria na pista da sua propriedade e festejaria, em Mugello, a marca milenar no Mundial.

A Ferrari chegou a 1.000 GPs na Fórmula 1 correndo em casa (Foto: Ferrari)

Só que, com exceção do fato histórico, nada havia para comemorar. Em um ano muito difícil desde os testes de pré-temporada, Charles Leclerc e, principalmente, Sebastian Vettel, pouco conseguiram extrair em termos de performance da SF1000, que contou com um motor muito fraco e que entregava pouquíssima potência.

A fraqueza do motor se mostrou evidente ao mesmo tempo em que Ferrari e FIA (Federação Internacional de Automobilismo) deflagraram a primeira grande polêmica da temporada. A equipe e a entidade chegaram a um acordo sobre a polêmica unidade de potência de 2019, que mostrou enorme crescimento de performance no segundo semestre passado e despertou suspeitas de irregularidades no fluxo de combustível.

O fato é que o resultado do acordo em si jamais foi revelado. E isso, de certa forma, levantou a questão sobre a falta de credibilidade da FIA neste ponto, até levando em conta a proximidade de Jean Todt, presidente da FIA, em relação à Ferrari.

Antes do começo da temporada, a Ferrari definiu anúncios importantes para seu futuro. A equipe comunicou a Sebastian Vettel, por telefone, que o tetracampeão não teria seu contrato renovado. Carlos Sainz foi contratado para ocupar o lugar do alemão a partir de 2021.

Na pista, Leclerc conseguiu resultados até surpreendentes, levando em conta as deficiências do carro. Foram dois pódios, segundo lugar no GP da Áustria e terceiro no GP da Inglaterra. E ainda que tivessem sido fatos circunstanciais, representavam um alento. Por sua vez, antes da corrida 1.000 da Ferrari, Vettel conseguiu como melhor resultado apenas o sexto lugar no GP da Hungria.

Depois de um GP da Itália desastroso, com direito a Vettel perdendo os freios e acertando o isopor e Leclerc batendo forte, não havia nenhuma grande expectativa para a corrida festiva da Ferrari. Mas houve toda uma aura em torno do GP 1.000. A Scuderia lançou uma pintura especial, retrô, e mudou o tom de vermelho para usar um vinho-borgonha, remetendo ao ano da estreia no Mundial, em 1950.

Ao longo da prova, não houve mesmo o que festejar. Leclerc conseguiu até um alento no sábado com o quinto lugar no grid de largada. Na corrida, o monegasco lutou muito, mas não passou do oitavo lugar, enquanto Vettel ainda beliscou um pontinho.

No fim das contas, o GP 1.000 da Ferrari valeu mesmo pela marca histórica e pela chance de correr em Mugello. E só.

A passagem de cetro

Quando Michael Schumacher chegou aos sete títulos mundiais e alcançou o recorde de 91 vitórias, lá na década passada, parecia inimaginável que tais marcas fossem um dia superadas na Fórmula 1, tamanha a grandiosidade dos números alcançados pelo alemão.

Nos anos seguintes, dois nomes despontaram como candidatos a ‘novo Schumacher’: Fernando Alonso e Sebastian Vettel. O espanhol sucumbiu principalmente pelas decisões que se mostraram erradas na sequência da sua carreira, enquanto Seb foi freado pelo avassalador domínio da Mercedes, e de Lewis Hamilton, a partir da era híbrida, em 2014.

Lewis tomou a decisão corajosa de deixar o lugar confortável na McLaren para assumir um desafio novo na carreira correndo pela equipe alemã, que estava em viés de alta, mas estava longe de ter a força dos dias de hoje. Jamais uma mudança de ares foi tão importante para a história da própria Fórmula 1.

Mick Schumacher representa o pai e ‘passa o cetro’ da Fórmula 1 a Lewis Hamilton (Foto: LAT Images/Mercedes)

Era esperado que, depois dos títulos conquistados em 2014, 2015, 2017, 2018 e 2019, Hamilton entrasse na nova temporada como franco favorito a mais uma taça. Até por conta da manutenção da maior parte do regulamento técnico, não havia nenhuma perspectiva de que a Mercedes fosse superada pelas rivais, sobretudo porque a Ferrari perdeu muito da sua força com o motor e, de concorrente a vitórias, virou mera coadjuvante do pelotão do meio.

E como o esperado, Hamilton varreu a concorrência e venceu seis das dez primeiras corridas do ano. Poderia até ter alcançado o recorde de 91 vitórias de Schumacher no insosso GP da Rússia, mas quiseram os deuses das pistas que o marco histórico fosse confirmado justamente no país-natal de Michael e em um dos circuitos mais clássicos do esporte a motor: Nürburgring.

Com uma atuação magistral, Lewis enfim chegou à vitória 91 da carreira em 11 de outubro no GP de Eifel. Foi então que Mick Schumacher, filho do heptacampeão, foi autor de um gesto que vai entrar para os livros de história ao presentear Hamilton com um dos capacetes do pai. Era o simbolismo fiel da troca de bastão. A partir daquele momento, Lewis Hamilton assumia a condição de maior piloto da Fórmula 1 em todos os tempos.

O calvário (quase) sem fim

Sebastian Vettel começou a atípica temporada 2020 desempregado. Humilhado ao ser demitido por telefone por Mattia Binotto, o tetracampeão teve um ano repleto de erros, se chocou com o próprio companheiro de equipe e abandonou logo na segunda corrida do ano, o GP da Estíria, poucas alegrias e só passou ao Q3 em três das 17 corridas do ano.

Seb teve raros bons momentos. Na Hungria, obteve seu melhor grid de largada na temporada, quinto, e fez uma corrida bastante razoável diante do que a Ferrari lhe ofereceu, terminando em quinto. Mas, no geral, enquanto Leclerc conseguia ótimas performances em ritmo de classificação e dois pódios, Vettel sequer conseguia acompanhar o monegasco.

Durante boa parte do campeonato, Seb ficou calado, mas a diferença tão grande de performance acabou com sua paciência. Vettel chegou a questionar o motivo de tamanha disparidade e deu a entender que seu carro era diferente na comparação com o de Leclerc. Binotto, com quem o alemão nunca se deu tão bem, rebateu: “Espero mais do segundo piloto”.

Vettel alcançou um pódio merecido em meio a um 2020 sofrido na F1 (Foto: Ferrari)

A Racing Point, ou Aston Martin, impulsionada ao posto de força ascendente da Fórmula 1, resolveu apostar no alemão. Para isso, abriu mão de um ótimo Sergio Pérez para trazer Vettel e formar uma dupla com o tetracampeão e o filho do dono, Lance Stroll.

Daí em diante, com o emprego garantido, era só questão de contar os dias para o fim da temporada e o desfecho de um calvário que parecia não ter fim. Mas Vettel merecia melhor sorte e algum motivo para sorrir. E este motivo veio no caótico GP da Turquia. O pódio conquistado no peito e na raça, na última curva do circuito de Istambul, foi o ápice de uma temporada de muito sofrimento para um dos pilotos mais vitoriosos da história.

Se havia um natural peso nos últimos anos, Seb tirou uma tonelada das costas quando cruzou a linha de chegada pela última vez e se despediu da Ferrari. Cantou em italiano, emocionou a equipe e se emocionou e, bem mais leve e sorridente, ganhou troféu e distribuiu cervejas aos funcionários da equipe italiana.

Vettel não foi campeão, nem de longe alcançou o objetivo quando trocou a Red Bull pela Ferrari em 2015. Mas as 14 vitórias, 12 poles e dois vice-campeonatos, em tempos de domínio da Mercedes, não são pouca coisa. Seb pode não ter saído por cima, mas ao menos encerrou com dignidade sua trajetória em Maranello.

O piloto que venceu a morte

As imagens ainda estão na retina. Nas primeiras curvas do GP do Bahrein, disputado no último domingo de novembro, Romain Grosjean foi tentar ultrapassar a AlphaTauri de Daniil Kvyat, perdeu o controle do carro a mais de 200 km/h e acertou em cheio o guard-rail da curva 3. Com o impacto, o bólido não apenas partiu-se ao meio como começou a pegar fogo. Muito fogo. Muitos temeram pelo pior.

Em cerca de 27 segundos, tempo que pareceu uma eternidade, Grosjean conseguiu se desvencilhar do cinto de segurança, deixou o carro e surgiu em meio às chamas, em pé, enquanto era resgatado pelos médicos da Fórmula 1 no momento mais dramático que a categoria já viu desde o trágico acidente que tirou a vida de Jules Bianchi em outubro de 2014, em Suzuka.

Fosse naquela Fórmula 1 de 2014, muito provavelmente Grosjean não teria sobrevivido. O piloto foi salvo pelo halo, peça desenvolvida para aumentar a segurança dos competidores dentro do cockpit, protegendo a cabeça, a parte do corpo mais exposta dentro de um monoposto. Na batida, Romain ficou protegido exatamente pelo halo, que evitou que o franco-suíço fosse degolado.

ROMAIN GROSJEAN; GP DO BAHREIN; ACIDENTE; CHAMAS; FÓRMULA 1;
Romain Grosjean venceu a morte no momento mais dramático da F1 desde 2014 (Foto: Reprodução)

As cenas pós-acidente foram ainda mais chocantes. Uma das metades do carro ficou completamente carbonizada, enquanto o piloto caminhava com dificuldade depois de ter sofrido queimaduras nas mãos. Mas, diante de tudo o que foi, Grosjean nasceu de novo como num milagre da ciência.

Créditos totais às pessoas que ajudaram no seu salvamento, créditos a quem ignorou as críticas e fez do halo uma peça fundamental na Fórmula 1 e em várias categorias do automobilismo chanceladas pela FIA, como Charlie Whiting.

Não foi a despedida da Fórmula 1 que Grosjean imaginava. Foi muito maior. Afinal, vencer a morte é para poucos.

A primeira vitória e o final feliz

Sergio Pérez foi um dos grandes nomes da temporada. Embora tivesse ficado marcado por perder duas corridas ao testar positivo para o novo coronavírus, dentro da pista o mexicano viveu um ano excelente com o carro da Racing Point. Teve até chances de vencer o GP da Áustria, o que não aconteceu por um erro de estratégia da equipe, oscilou pouco e pontuou em todas as corridas que disputou antes de seguir para o Bahrein.

Mas mesmo com grande jornada, ‘Checo’ estava desempregado e sem vaga no grid da Fórmula 1 em 2021. Depois de ouvir os gritos de Lawrence Stroll e tomar conhecimento, ainda que de forma indireta, que era carta fora do baralho da futura Aston Martin, o mexicano se viu num beco sem saída. Afinal, depois de alcançar um patamar respeitável na Fórmula 1, com oito pódios conquistados e correndo por uma equipe que lhe dava a chance de marcar bons pontos com frequência, não fazia sentido descer um degrau e assinar por times como Haas, Alfa Romeo ou Williams, como chegou a ser comentado na famosa ‘silly season’, a temporada dos boatos.

Depois de faturar seu primeiro pódio no ano com uma atuação de gala no GP da Turquia, Pérez foi para o Bahrein confiante em fazer um bom desfecho de temporada, mas nem tão confiante assim sobre 2021.

No país insular, ‘Checo’ rumava com muita solidez em terceiro lugar e estava perto de faturar seu segundo pódio consecutivo. Mas, nas voltas finais, o motor Mercedes que empurrava seu carro fraquejou e abriu o bico. Perto do décimo troféu na Fórmula 1, Pérez ficou na mão. Só não houve um maior lamento porque Romain Grosjean havia escapado por milagre de uma cena trágica em Sakhir.

SERGIO PÉREZ; GP DE SAKHIR; F1; FÓRMULA 1; VITÓRIA;
Sergio Pérez levou a bandeira do México ao topo do pódio da Fórmula 1 depois de 50 anos (Foto: Racing Point)

Dias depois, Pérez deu uma entrevista coletiva a meios de comunicação do México. A conferência foi anunciada com todo o alarde, o que deu a entender que haveria algum anúncio a seguir. No fim, ‘Checo’ disse o que já havia contado antes: era a Red Bull ou ano sabático para 2021. Mas o certo tom de desânimo nas suas palavras deu a entender que Sergio não teria mesmo vaga no ano que vem.

Uma semana depois, veio o GP de Sakhir, no anel externo do circuito barenita. Pérez conseguiu um muito bom quinto lugar no grid de largada, mas estava preocupado porque correria em uma pista muito exigente para o motor com uma unidade de potência usada — para não pagar punição no grid.

Veio a largada e, com apenas poucos metros de corrida, tudo parecia perdido a Pérez. Em um incidente que teve o envolvimento indireto de Valtteri Bottas e direto de Charles Leclerc e Max Verstappen, o piloto da Ferrari tocou no carro de Pérez, que por muito pouco não teve a suspensão quebrada. ‘Checo’ rodou e caiu para último. A liderança era de George Russell, que fazia sua primeira corrida pela Mercedes e aparecia com enormes chances de vencer.

Mas Pérez não se deu por vencido, superou um por um cada concorrente na pista e era o terceiro colocado no momento em que a Mercedes fez uma belíssima trapalhada nos boxes. A partir da volta 64, o mexicano assumiu a liderança da corrida. Russell conseguiu reagir, recuperou posições e perseguiu Sergio até a volta 78, quando teve um pneu furado, perdendo inacreditavelmente duas chances de vencer a mesma corrida.

Pérez seguiu na frente e coroou um ano incrível com uma vitória inesperada em Sakhir. As lágrimas de tristeza e incredulidade de Russell contrastavam com a emoção de ‘Checo’ no pódio em Sakhir. Dias depois, o piloto nascido em Guadalajara anunciou a sua ida para a Red Bull em 2021. Uma história com final feliz.

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