Opinião GP: F1 faz ótima limonada de limão amargo em 2020 que vai deixar saudades

Quando tudo foi cancelado na Austrália, a impressão que ficou foi de que a Fórmula 1 (e o mundo) não seria capaz de driblar os efeitos devastadores da pandemia do novo coronavírus. Mas a maior das categorias não só conseguiu formar um calendário, como entregou um campeonato relevante e poderoso. É, já estamos com saudades

ÀS VEZES, GRANDES HISTÓRIAS são contadas a partir de tragédias. Em março de 2020, o planeta se deparou com uma estranha doença que se alastrou rapidamente, fechando fronteiras, isolando pessoas e devastando vidas. A Fórmula 1 já estava na Austrália quando tudo explodiu de vez. E foi um funcionário da McLaren, infectado pelo novo coronavírus, que serviu de alerta. A partir daquele primeiro teste positivo, a maior das categorias precisou de uma madrugada inteira de discussões para chegar a uma decisão inédita, mas inevitável: cancelar um GP às vésperas dos treinos livres, com todo mundo já instalado no paddock e ingressos vendidos. Torcedores se aglomeravam – palavra que, agora, atormenta – na porta do Albert Park para acompanhar as primeiras atividades, quando a notícia se tornou pública. Não havia mesmo como disputar aquela corrida, e isso assustou. Foi um choque, porque era a confirmação definitiva de que essa não seria realmente uma temporada normal. Como não foi.

Depois da viagem a Melbourne, a Fórmula 1 divulgou comunicados de eventos adiados e cancelados. Fechamentos das fábricas. Tudo parou de vez a partir de abril. Tudo foi colocado em espera. O campeonato e o mundo. Em determinado momento, a possibilidade de realização de qualquer corrida era absolutamente nula, dado os efeitos da pandemia que se tornara mundial. Não foi uma daquelas situações em que a F1 simplesmente poderia ignorar o bom senso. Só que os chefes tiveram paciência e buscaram alternativas de mente aberta. Talvez esse tenha sido o grande segredo. Aos poucos, as conversas com promotores foram sendo retomadas. De repente, a Europa se mostrou capaz de receber provas. Mas era preciso pensar na segurança. Então, veio a ideia da bolha, uma drástica redução de pessoal e testagem regular. Corridas em sequência, algumas utilizando o mesmo circuito. Tudo longe do contato dos fãs. Afinal, o vírus continuava a circular e muitos lugares seguiam no confinamento. Dava para fazer, mas não dava para esquecer da doença.

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De todo o jeito, a F1 foi capaz de elaborar um incrível campeonato de 17 etapas – uma conquista importante, diante de uma programação original de 22 provas. Algumas ausências foram sentidas, como Mônaco, a visita às Américas e o Japão. Só que essa reinvenção do calendário foi responsável por escrever algumas das grandes histórias desse 2020. A maior das categorias esteve por duas vezes na Áustria, na Inglaterra, onde celebrou seus 70 anos, e no Bahrein, que proporcionou o momento mais assustador do ano, mas também de maior alívio. O Mundial voltou a Nürburgring, Istambul e Ímola e correu no velocíssimo circuito de Mugello pela primeira vez. Cada uma das corridas ofereceu algo especial: uma escolha mais ousada de pneus, um asfalto novo e traiçoeiro, temperaturas baixas, chuva, o desconhecido. Todos os elementos estiveram lá.

A Fórmula 1 testemunhou largadas ousadas, acidentadas e divertidas. Triunfos inesperados como de Pierre Gasly, naquele GP da Itália que viu um bravo Carlos Sainz também perseguir o lugar de honra do grid. E vitórias emocionantes como a de Sergio Pérez em Sakhir, depois de cair para último ainda no início da prova e de, acima de tudo, estar desempregado. 13 pilotos diferentes estiveram no pódio. Um homem ganhou uma corrida com apenas três pneus. E esse mesmo homem também foi responsável por alguns dos momentos mais simbólicos da história deste esporte.  

Lewis Hamilton, Mercedes, Fórmula 1
No GP da Toscana, Hamilton fez novo protesto com camiseta ‘prendam os policiais que mataram Breonna Taylor’ (Foto: Reprodução)

Lewis Hamilton não só tomou para si o livro de recordes, mas também reescreveu sua própria trajetória no esporte. O brutal assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, que provocou uma onda de protestos naquele país e muitos outros contra o racismo e violência policial, também ecoou na F1. O inglês, único piloto preto do grid, levantou a bandeira do ‘Black Lives Matter’ e corajosamente trouxe a discussão para dentro do paddock. Ajoelhou antes de cada corrida, chamou seus pares, protestou no pódio e exibiu um manifesto contra a impunidade de um crime cometido contra uma mulher preta também nos Estados Unidos.

A Mercedes mergulhou nas ações de seu piloto e surgiu na Áustria com o carro em preto, substituindo o tradicional prata. A Fórmula 1 também embarcou no movimento e incentivou as manifestações, lançando também a campanha ‘We race as one’. E só isso já poderia tornar essa temporada emblemática o suficiente. Mas há outras histórias.

Alguém pode dizer que o resultado foi o de sempre. E é verdade. Hamilton e a Mercedes, de fato, dominaram o campeonato como poucas vezes foi visto. Mas também é honesto dizer que piloto e equipe proporcionaram um enorme de espetáculo de competência e excelência, com alguma pitada de drama e de comédia que ninguém de ferro.

Lewis foi impecável nas muitas poles que conquistou, especialmente aquelas com chuva, como a da Estíria. Foi excepcional em corridas em que fez a diferença no melhor carro do grid, desmistificando qualquer ideia de que qualquer um ganha. Um gênio, de fato. E até sua ausência no grid, depois da infecção pela Covid-19, promoveu uma das melhores histórias do ano, quando o jovem George Russell o substituiu e só não venceu por um erro da quase infalível Mercedes.

GEORGE RUSSELL; FÓRMULA 1; GP DE SAKHIR;
Russell foi de uma das histórias mais dramáticas do ano (Foto: F1/Twitter)

É claro que a Fórmula 1 enfrentou contratempos nessa jornada, com o contágio de pilotos, membros das equipes e trabalhadores envolvidos com a organização. Tomou um prejuízo financeiro grande em diversas áreas, e isso será realmente uma questão para o próximo ano. Ainda, teve decisões estranhas em alguns momentos e precisou driblar corridas realmente muito ruins, que, se pensar bem no que aconteceu neste ano, existe uma saída. O saldo é positivo.

Portanto, nem de longe o chatíssimo GP de Abu Dhabi, que encerrou 2020 neste domingo (13), reflete esse campeonato, que proporcionou ainda um um ato final. Que serve para lembrar do que esse esporte é feito. A F1 viu um enorme Sebastian Vettel assumir um último papel de protagonista na Ferrari. Cantou para a equipe vermelha ao cruzar a linha de chegada e dedicou apenas palavras de agradecimento. Pérez foi abraçar seus mecânicos após um doído abandono em sua corrida derradeira com a Racing Point. Sainz também caiu nos braços da McLaren. São essas as imagens que precisam ficar de Yas Marina. Porque foi uma temporada intensa e deliciosa, insana até. E relevante. Por isso, já dá saudade.

Até 2021.

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