Opinião GP: Na reta final da F1, Ferrari assume inesperado protagonismo com tensa disputa interna

Não foram as vitórias na segunda parte de temporada que colocaram a Ferrari sob os holofotes. Sim, é surpreendente o modo como a equipe italiana reagiu para vencer até em pistas em que jamais ganharia na primeira parte do ano, mas é o confronto cada vez mais tenso dentro das garagens que chama atenção e tende a ser a graça da reta final da F1 em 2019, com um Lewis Hamilton cada vez mais campeão

A FERRARI PRECISOU de meia temporada para se acertar e, enfim, vencer em 2019. A primeira parte do campeonato foi marcada por um desempenho irregular, erros de estratégia e pilotagem, e a impressão era de que a escuderia não seria mais capaz de reagir. Mas passada a pausa das férias, ainda que longe da disputa do título, a equipe italiana usou bem a seu favor as pistas velozes de Spa-Francorchamps e Monza para vencer. E ganhou com Charles Leclerc – o que gerou enorme repercussão, especialmente diante do erro primário de Sebastian Vettel no GP da Itália. Na sequência, veio Singapura, e o enorme trabalho feito em Maranello se tornou público: o time de engenheiros havia dado um enorme passo adiante em termos de técnicos. A SF90 deixava de ser vulnerável em traçados de alto downforce. Porém, o que poderia ter sido alvo de manchetes, ficou em segundo plano. Isso porque também se tornou público algo que já vinha sendo sinalizado desde o início do ano: a complexa relação de poder entre Leclerc, Vettel e a cúpula ferrarista.
 
Para entender, é preciso voltar alguns meses no tempo. Pouco antes do começo do campeonato, o chefe Mattia Binotto disse que a Ferrari seguiria tendo no tetracampeão o primeiro piloto, com a prioridade de estratégia e ordens de equipe, considerando que o recém-chegado Leclerc ainda teria muito o que aprender. O cenário só mudaria se Charles surgisse em uma posição mais forte em termos de briga por título. Só que, de cara, na Austrália, a equipe italiana precisou segurar o ímpeto do monegasco, que solicitou a ultrapassagem sob o companheiro, uma vez que estava mais rápido. O pedido foi imediatamente negado, e Charles obedeceu. Duas semanas depois, no Bahrein, o jovem se pôs mais veloz com a pole, mas uma má largada o fez cair para atrás de Vettel. Leclerc não desistiu, e a Ferrari tentou lhe negar de novo a passagem. Desta vez, no entanto, o piloto não aceitou e superou o colega. Venceria, não fosse a falha de motor. De novo, todo o drama foi amplamente debatido via rádio. 
Sebastian Vettel já se sente confrontado por Leclerc (Foto: AFP)
Na China, novamente os ferraristas se viram em apuros. A equipe insistia em ordens de equipe, e um longo debate se fez presente. “O que vocês querem agora?”, perguntou um Leclerc furioso ao perceber que o time pedia que abrisse passagem para Vettel. Estava claro, portanto, que, cedo ou tarde, a escuderia teria de lidar com os dois ‘galos’. A situação de troca de posições ainda se repetiria na Hungria. 
 
É evidente que a má fase dos italianos mascarou um pouco essa incômoda situação na primeira parte da temporada, mas, ainda assim, Charles passou a andar mais que Vettel sistematicamente, sendo melhor em classificação e em corrida. Conquistou vitórias antes do colega e, agora, sente que já ocupa o primeiro posto dentro da equipe. Dois exemplos são claros e emblemáticos: o fato de Seb ter desempenhado um papel de escudeiro na Bélgica e o caso da classificação em Monza, quando Leclerc se recusou a retribuir o vácuo ao companheiro de equipe. 
 

Agora o cenário se agrava por mais um episódio em que Leclerc tenta medir força com Vettel. Aconteceu em Singapura, quando se queixou veementemente contra a decisão estratégica da Ferrari, que acabou por beneficiar o vencedor Seb. E aconteceu de novo na Rússia. A controversa tática adotada pelos italianos os colocou na berlinda. Charles não escondeu a irritação com o fato de Vettel ter ignorado o acordo feito antes da largada. Queixou-se com menos veemência, mas reclamou bem. Há muito o que questionar a Ferrari sobre a escolha da estratégia e se era realmente necessária ou se foi conduzida da melhor forma, mas o que fica é que há uma nítida disputa por território que a cúpula ferrarista não parece capaz de lidar.
 
De um lado, há um piloto tetracampeão do mundo, que começou na F1 como um prodígio, vencedor, mas que atravessa uma fase complicada, marcada por muitos erros. Ainda assim, Vettel segue respeitado e quer manter seu espaço e posição dentro da Ferrari. A chefia sabe disso e o protege. Só que, no outro canto, há esse Leclerc faminto por se impor e é uma ameaça. Por trás da carinha de menino, há um rapaz de personalidade forte e que conhece muito bem suas capacidades. Charles ganhou a torcida quando segurou Lewis Hamilton em Monza e foi ao céu, mas ainda tem muito para provar, mesmo com o enorme talento que o acompanha. 
Sebastian Vettel e Charles Leclerc (Foto: Ferrari)
Depois do que houve em Sóchi, Binotto tentou minimizar, dizendo que não há problemas entre seus dois comandados. Vettel disse que “fez o que estava acordado”, mas, na verdade, não soube explicar o que realmente aconteceu e nem tentou, deixando a entender certa inquietude em relação ao companheiro de equipe. Leclerc, por sua vez, aceitou o que se passou, porque, no fim das contas, a equipe lhe devolveu a posição. Ao ser questionado se ainda confiava em Seb, disse que “sim”. Mas será? 
 
O caso é que a Ferrari tem uma tarefa complexa pela frente, especialmente porque não faz parte de sua política ter dois líderes dentro das garagens. Cedo ou tarde, a equipe italiana também terá de tomar uma decisão: ou escolhe um ou deixa rolar. Mas, se optar por este último caso, táticas como a deste domingo não vão servir mais. 
 
Agora, para a Fórmula 1, o embate entre Vettel e Leclerc não poderia ter vindo em melhor hora, considerando também a significativa melhora de performance da Ferrari, que deve se colocar forte em todas as cinco corridas que ainda restam em 2019. 
 
No momento em que o campeonato parece amornado pela cada vez mais próxima conquista de Hamilton, o confronto ferrarista ganha ares de uma verdadeira guerra e anima o fim de uma temporada que já é uma das mais intrigantes e divertidas dos últimos anos, que começou com o domínio da Mercedes, passando por corridas previsíveis e chatas até a sequência maravilhosa a partir da Áustria. Em nova reviravolta, a F1 se redesenha para acompanhar o nascimento dessa nova rivalidade que pode dar o tom do futuro. 

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