Presidente assina termo de compromisso, ignora acordo atual de São Paulo e diz que F1 volta ao Rio em 2020

Evento reunindo o presidente Jair Bolsonaro, o governador fluminense Wilson Witzel e o prefeito Marcelo Crivella voltou a defender a ida do GP do Brasil de F1 ao Rio de Janeiro, no autódromo de Deodoro - que não existe. As negociações, apesar de contradizerem contrato vigente da categoria com São Paulo e Interlagos, foram definidas como “bastante avançadas”

Um evento realizado nesta quarta-feira (8) no Rio de Janeiro reafirmou o interesse da capital carioca de voltar a receber o GP do Brasil de Fórmula 1. Juntos, o presidente Jair Bolsonaro, o governador Wilson Witzel e o prefeito Marcelo Crivella, apontaram negociações “bastante avançadas” para tirar a corrida de São Paulo, em Interlagos, e levar ao autódromo de Deodoro – ainda a ser construído – já em 2020.
 
De acordo com os governantes, já existe um termo de compromisso assinado pela construção de Deodoro, prometido há anos como substituto do autódromo de Jacarepaguá, demolido em 2012. O objetivo é, além de trazer a F1, garantir também etapa de MotoGP na nova praça carioca.
 
Bolsonaro disse ser o motivo para a F1 ainda ter interesse em uma corrida no Brasil – apesar de Fernando Haddad, candidato derrotado na eleição presidencial de 2018, ser o responsável direto pela permanência da etapa em Interlagos enquanto prefeito de São Paulo.
Jair Bolsonaro, Marcelo Crivella e Wilson Witzel apresentaram o projeto do circuito do Rio de Janeiro (Foto: Reprodução)

"Após o resultado das eleições do ano passado, a direção da Fórmula 1 resolveu manter a possibilidade de termos provas no Brasil", disse Bolsonaro. "Em São Paulo, como tinha participação pública, uma dívida enorme, tornou-se inviável a permanência da F1 lá. O autódromo será construído em seis, sete meses após o início das obras. De modo que, por ocasião da F1 do ano que vem, ela será no Rio", falou.

Não há, todavia, indícios de dívidas em balanços financeiros da SPTuris, autarquia que administra Interlagos.

 
Em 23 de fevereiro, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, anunciou através do Diário Oficial a abertura de crédito de R$ 2.122.941,44 para reforma no autódromo de Interlagos — os boxes, inclusive, estão sendo reconstruídos. 

 
 
Diretor comercial da F1, Sean Bratches indicou ao GRANDE PRÊMIO que não sabia da realização do evento de hoje no Rio.
Uma corrida no Rio de Janeiro em 2020 implicaria em quebra de contrato vigente da F1 com Interlagos – o vigente, aliás, se encerra após a edição do próximo ano. Outra dificuldade para a capital carioca construir o autódromo de Deodoro – que de acordo com o prefeito Crivella vai se chamar Ayrton Senna –, é o custo estimado, estimado R$ 850 milhões. Isso não impediu o governador Witzel de defender que não há impeditivos para a execução da obra.
 
"Não há nenhuma restrição para a construção do autódromo", assegurou Witzel. "Para o meio ambiente será muito melhor, porque vai ter mais gente cuidando do entorno", destacou.

A Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) recebeu com bons olhos as novas promessas a respeito de Deodoro. Através do presidente Waldner Bernardo, o ‘Dadai’, celebrou a possibilidade de o Rio de Janeiro voltar a ter um autódromo. Entretanto, o dirigente não toma partido em termos de qual autódromo deve receber o GP do Brasil.

"A CBA acompanha de perto a possibilidade da construção de um novo autódromo no Rio de Janeiro. O evento de hoje nos deixa muito otimistas no sentido de que esse sonho está caminhando para se tornar realidade. Hoje foi dado mais um passo para que se cumpra o acordo de 2008, da qual a entidade fez parte, para que haja a substituição da pista de Jacarepaguá", disse 'Dadai'.
 
"No que se refere à possibilidade da F1 ir para o Rio, nosso trabalho será sempre no sentido de manter uma etapa do mundial no país. Contudo, a decisão do local de realização é uma prerrogativa da empresa organizadora", seguiu.
 
O GRANDE PRÊMIO entrou em contato com a prefeitura de São Paulo para confirmar as informações e ouvir as respectivas posições, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
Em nota, a Interpub, empresa que organiza a etapa nacional, ressaltou que "há um contrato vigente para a realização do GP do Brasil de Fórmula 1 com a cidade de São Paulo até 2020" e que "ambas as partes (Fórmula 1 e Prefeitura Municipal) continuam honrando seus compromissos".
 
Ainda, a Interpub disse que está "em fase de renegociação" para a corrida além de 2021. "Quanto ao autódromo, Interlagos é o único circuito da América do Sul ‘Nível 1’, segundo a denominação oficial da FIA, apto a receber corridas de F1”, completou.
 
No final do ano passado, Crivella havia se reunido com os organizadores da Indy e também prometeu uma etapa da categoria para 2020 no Rio de Janeiro. No entanto, o chefe Mark Miles já deixou claro que dificilmente terá uma prova nos próximos anos no Brasil.
 
Aliás, o traçado apresentado na ocasião era em uma região completamente diferente do projeto de Deodoro, passando pela avenida Presidente Vargas e pelo sambódromo carioca.
Circuito da Indy no Rio de Janeiro utilizaria trechos do sambódromo e da Avenida Presidente Vargas (Foto: Reprodução)

O sonho antigo do autódromo de Deodoro

O autódromo de Deodoro é um velho desejo de gente ligada ao esporte no Rio de Janeiro, aflorado desde a demolição definitiva do Autódromo de Jacarepaguá, em 2012, mas que já tinha seu futuro traçado anos antes. O terreno está localizado no Campo do Camboatá, em Deodoro, Zona Oeste da cidade, e foi cedido ainda em 2012 pelo Exército a um projeto que envolvia Ministério do Esporte, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, além da Confederação Brasileira de Automobilismo e do Governo do Estado. O passo seguinte era um processo de descontaminação por conta da existência de minas terrestres e explosivos no solo.
 
Começou, então, um longo processo de descontaminação que atrasou qualquer ideia de projeto viável de construção de um autódromo para o futuro. A varredura dos cerca de 2 milhões de m² do Campo do Camboatá passou a ser organizada pelo Comando Militar do Leste por meio do Batalhão de Engenharia de Combate de Santa Cruz.
 
Um pouco antes dos trabalhos envolvendo o autódromo, um caso chamou a atenção no Campo do Camboatá. Durante treinamento do curso de sargentos do Exército, em junho de 2012, o calor de uma fogueira feita pelos treinados causou a explosão de um artefato que estava próximo. Uma pessoa morreu e outras dez ficaram feridas – três em estado grave.
 
O Ministério do Esporte, responsável por financiar as obras do autódromo, suspendeu o projeto em novembro de 2014, após sugestão do Ministério Público. Na época houve uma exigência de um estudo do impacto ambiental das obras no local – uma das últimas áreas de Mata Atlântica na cidade. O Ministério se defendeu, disse que estava "preparando o atendimento das condicionantes ambientais que haviam sido fixadas pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) para emissão da licença [das obras]". E que, apesar disso, a justiça suspendeu a licença e embargou o projeto.
 
"O Inea determinou ao Ministério que providenciasse Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental. O Ministério, embora convicto de ter cumprido todos os requisitos legais e ter esclarecido todos os questionamentos da promotoria, acatou a decisão judicial e iniciou a fase dos estudos, com o propósito de fazê-lo no menor período de tempo possível e na esperança de que a liminar de janeiro de 2013 fosse derrubada", disse o Ministério do Esporte à época.
Vista aérea do terreno de Deodoro, no Rio (Foto: Divulgação)

O começo de 2015 apresentou ainda um novo obstáculo público para a liberação das obras. Em 12 de fevereiro, pouco antes do Carnaval daquele ano, o chão tremeu em pelo menos seis bairros do Subúrbio do Rio de Janeiro: Deodoro, Marechal Hermes, Ricardo de Albuquerque, Guadalupe, Vila Militar e Anchieta. Barulho, tremores e uma vibração que foi capaz de estourar vidraças e quebrar telhados. Tudo por conta de mais uma explosão no Camboatá que o Comando Militar do Leste admitiu ter causa um choque acima do esperado.

Sempre foi sabido que grande parte dos artefatos espalhados na localidade eram frutos de uma explosão-mãe – e não de treinamentos com minas terrestres. A explosão – história que o GP contou detalhadamente em 2015 – aconteceu em 1958.
 
Entretanto, documentos obtidos pelo GRANDE PRÊMIO em junho de 2018 – e que são assinados pelo coronel Evaldo Ferreira Baptista, chefe do Estado-Maior da 1ª Região Militar, e por Fernando Meira Junior, Subsecretário de Projetos Estratégicos da cidade do Rio de Janeiro – mostram que são esses artefatos, frutos da explosão de 1958, os que representavam perigo no solo do Camboatá e explica como foi o processo de descontaminação que surpreende ao afirmar que o trabalho foi concluído em maio de 2015.
 
No fim das contas, segundo os dados oficiais, o trabalho de detecção e varredura terminou encontrando 110.483 estilhaços diversos; 25.809 cartuchos e/ou projeteis de armamento leve; 706 granadas de mão inertes; 11.789 granadas ou partes de granadas de diversos calibres e armas; 18.000 fragmentos variados de metal.
 
"Todos os artefatos explosivos encontrados, inertes ou não, foram destruídos. O Exército deu como encerrada a fase de detecção, varredura e destruição de artefatos de explosivos da área de instrução de Camboatá em 15 de maio de 2015", afirma o documento, que ainda assegura que o fim do trabalho de buscas e destruição dos artefatos explosivos foi informado pelo Departamento de Engenharia e Construção ao Secretário-Executivo do Ministério do Esporte em 30 de outubro de 2015.
O primeiro desenho divulgado do projeto do novo autódromo do Rio (Foto: Divulgação)

Há mais de três anos, pois, o terreno não representa mais perigo. Acontece que como o Ministério do Esporte abandonou o projeto após o imbróglio judicial de 2014, a construção do novo autódromo ficou sem um mecenas. Com a justificativa perfeita de que o terreno era minado e que uma série de bombas enterradas nos 2 milhões de m² de solo de Mata Atlântica, úmido e com mata fechada, seriam quase impossíveis de limpar, a Prefeitura, então chefiada por Eduardo Paes (MDB-RJ) e o Ministério do Esporte deixaram o assunto ser escanteado.

 
Houve até uma representação oficial na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro para mudar o local do autódromo para o bairro de Guaratiba, costurada pelo vereador Carlo Caiado (DEM-RJ), mas que também não avançou. O assunto foi posto em espera por todo o período de preparação para as Olimpíadas 2016 e até a eleição de um novo prefeito, Marcelo Crivella (PRB-RJ). Pressionado por movimentos favoráveis ao autódromo, Crivella organizou uma reunião em março de 2017, cerca de dois meses após sua posse.

O evento solene foi realizado no Palácio da Cidade, em Botafogo, e contou com Crivella assinando um procedimento de manifestação de interesse [PMI] para o projeto do novo autódromo, trazendo novamente à baila o terreno do Campo de Camboatá. Sem o mecenato do Ministério do Esporte, a prefeitura sempre anunciou que necessitava do investimento da iniciativa privada para realizar um estudo de viabilidade do projeto.
 
Segundo apurou o GP, no entanto, após a solenidade de março de 2017, a Prefeitura do Rio de Janeiro ficou um ano sem se manifestar sobre o assunto. Consultada pelo GP, a Federação de Automobilismo do Rio de Janeiro chegou a afirmar, em março de 2018, que "houve audiências com alguns Secretários Municipais que não sabiam ou se esquivaram do assunto."
 
Sem condições técnicas de realizar os estudos de viabilidade, a Prefeitura propôs uma série de requisitos para ver se algum grupo privado era capaz de realizar o trabalho. Desta feita, houve de fato quem se apresentasse para realizar o estudo. Um projeto de mais de 700 páginas feito pelo consórcio Rio Motorsports – que tem como uma das formadoras a Tilke E&A, empresa do arquiteto alemão Hermann Tilke.
 
Originalmente, o estudo deveria ser entregue até abril de 2018, mas houve um pedido para postergar o limite em mais 60 dias – algo que foi aceito pela Prefeitura. O estudo foi entregue em 4 de junho. 60 dias depois, período de análise, a Prefeitura poderia abrir um edital licitatório para concorrência pública. Mas não existiu avanço.
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