Retrospectiva 2020: Hülkenberg vê chance de volta à F1 se esvair com vitória de Pérez
O que era impensável ganhou contornos de breve realidade quando Nico Hülkenberg foi cogitado pela cúpula da Red Bull como um dos candidatos à vaga de titular para 2021. Seria um desfecho digno de cinema para quem entrou na temporada 2020 como substituto de Sergio Pérez e Lance Stroll na Racing Point. Mas a esperança durou menos que um sonho de uma noite de verão
Em um mundo ainda pré-pandemia, a Fórmula 1 iniciava os testes de pré-temporada de 2020 em 19 de fevereiro na gelada Barcelona. Do outro lado do Atlântico naquele segundo mês do ano, Nico Hülkenberg desembarcava no Rio de Janeiro para curtir o lendário carnaval carioca. O alemão jamais poderia imaginar que, cerca de seis meses depois, estaria a bordo de um carro e completaria o grid não só de uma, mas de três corridas do campeonato. E tampouco poderia ter pensado que chegaria a ver seu nome considerado para ser titular de uma das mais poderosas equipes do Mundial.
A história de Hülkenberg neste atípico ano de 2020 na Fórmula 1 vai ficar marcada como uma das mais curiosas e da temporada. Mas, para o alemão, o desfecho não teve um final tão feliz porque o fim foi como o começo: afinal, Nico começou e vai terminando o ano sem um cockpit. E é possível dizer também que a história com final feliz de Sergio Pérez, seu antigo companheiro de equipe nos tempos de Force India, tenha definido também o (não) destino de Hülkenberg em 2021.
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Com o avanço da Covid-19 ao redor do mundo, a Fórmula 1 precisou se fechar em sua bolha para evitar ao máximo a infecção dos seus funcionários. Mas, mesmo diante dos protocolos, não era impossível pensar que algum piloto pudesse estar infectado e desfalcar sua equipe.
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Assim, a função de piloto reserva, outrora meramente protocolar e vista por boa parte dos times como a chance de embolsar alguns milhões de dólares com quem na prática jamais teria uma chance real de ocupar uma vaga, passava a ter uma nova importância.
O primeiro piloto a ter testado positivo para o Covid-19 foi justamente Pérez. O mexicano foi vetado pela junta médica da Fórmula 1 às vésperas do GP da Inglaterra, em Silverstone. A Racing Point, que não tinha um piloto reserva oficial nos seus quadros, chamou aquele que já conhecia desde os tempos de Force India e optou pela experiência de Hülkenberg para substituir o mexicano. Convocado às pressas, Nico chegou à antiga base aérea britânica com um capacete nas cores amarela e preta, usado nos seus tempos de Renault.
Como ‘Checo’ permaneceu com o vírus na semana seguinte, então o titular da Racing Point não conseguiu correr no GP dos 70 Anos. Desta forma, Hülkenberg teve a inimaginável chance de fazer duas corridas consecutivas pela Racing Point, recebendo assim uma chance real até de conquistar seu primeiro pódio na Fórmula 1, levando em conta o potencial da ‘Mercedes rosa’.
No seu primeiro treino livre pela Racing Point, Hülkenberg não decepcionou e, sem nenhum outro contato anterior com o carro, ficou a menos de 0s6 do tempo registrado por Lance Stroll. O canadense, que vivia um fim de semana muito bom, sempre andou à frente, mas Nico conseguiu obter tempos muito bons. Na classificação, Stroll passou para o Q3, mas Hülkenberg foi somente 0s065 mais lento que o companheiro de equipe, ficando com o 13º lugar do grid.
No domingo, Hülkenberg viu a velha faceta da falta de sorte que costuma acompanhá-lo. O germânico sequer conseguiu sair dos boxes para alinhar no grid e largar em Silverstone. Tudo por conta de um pequeno grande problema no sistema de embreagem que impediu disputar a prova.
Como ‘Checo’ continuou infectado por mais alguns dias, Hülkenberg foi confirmado pela Racing Point para o GP dos 70 Anos e teve uma nova chance a bordo da ‘Mercedes rosa’. Bem mais adaptado ao RP20, Nico já conseguiu uma performance melhor que que a de Stroll e fez uma ótima classificação para se colocar em terceiro lugar no grid, à frente até de Max Verstappen e atrás apenas de Valtteri Bottas e Lewis Hamilton. Lance ficou em sexto no alinhamento inicial.
Daquela vez, Hülkenberg conseguiu largar e, embora tivesse perdido posição para Verstappen — que venceu a prova —, o piloto se manteve nas primeiras posições com seu carro #27, e sempre à frente de Stroll. O alemão seguiu com sua estratégia de dois pit-stops, a mesma adotada pela Racing Point para o canadense, mas foi chamado para uma troca inesperada de pneus na volta 44 de 52 para a corrida.
A troca de pneus fez com que Stroll superasse Hülkenberg e terminasse à frente, em sexto, com Nico cruzando a linha de chegada logo atrás. Nas redes sociais, houve quem apontasse um favorecimento ao filho do dono, mas a Racing Point e o próprio alemão disseram que a troca inesperada foi por conta de um desgaste excessivo dos pneus.
Pérez voltou na corrida seguinte, o GP da Espanha, e iniciou uma incrível sequência de corridas na zona de pontuação, ainda que neste período, mais precisamente em setembro, tenha recebido a notícia de que não ficaria na Racing Point, futura Aston Martin, para 2021, sendo substituído por Sebastian Vettel.
Mas a trajetória de Hülkenberg na Fórmula 1 em 2020 ainda não havia terminado. No começo de outubro, mais precisamente no dia 9, sexta-feira, Nico recebeu uma ligação enquanto tomava café da manhã. Era Otmar Szafnauer, chefe da Racing Point.
“Estava tomando café quando tocou o telefone. Antes, eu já tinha recebido uma mensagem por WhatsApp do Otmar, que queria saber onde estava e se estava com meu capacete. Pensei: o que ele está falando? Aí ele ligou e disse para eu ir o mais rápido possível. Pensei que fosse piada. Não pode ser que isso volte a acontecer. Mas ele falou que Lance não estava bem e que provavelmente não poderia pilotar. Resumindo: eu deveria ir. Queria ir para Nürburgring à tarde de qualquer forma porque tinha outros compromissos lá”, relembrou.
Com uma alegada indisposição, que dias depois foi confirmada pelo piloto e pela equipe como infecção pelo novo coronavírus, Stroll não correu em casa. E Hülkenberg, que estava em Colônia, a poucas horas de carro de Nürburgring, pegou a estrada para agarrar mais uma chance inesperada de correr na Fórmula 1.
Daquela vez, Hülkenberg enfrentou mais dificuldades com a ‘Mercedes rosa’. Classificou-se em último no grid, mas fez uma corrida muito boa, com ritmo bastante consistente, como lhe é habitual. A bordo de um carro superior à maior parte do grid, Nico conseguiu ganhar muitas posições e cruzou a linha de chegada em oitavo lugar. Em duas corridas disputadas, Hülkenberg somou 10 pontos. Algo bastante razoável para quem atuou apenas como um substituto de luxo.
O bom trabalho feito por Hülkenberg refletiu como a Fórmula 1 pode ser injusta. Afinal, um piloto do calibre de Nico não pode ficar fora do grid. Mas esta é a realidade — e não é de hoje —, em que o talento é apenas um detalhe.
Hülkenberg chegou a ser sondado por Helmut Marko, consultor da Red Bull, como o próprio piloto revelou. O contato foi antes de Alexander Albon ter testado negativo para Covid-19 às vésperas do GP de Eifel. Tudo antes da ligação de Szafnauer para o alemão substituir Stroll na Racing Point.
A boa impressão deixada por Nico fez com que a cúpula da Red Bull chegasse a pensar em seu nome como uma opção para ser titular em 2021, sendo companheiro de equipe de Verstappen. Na Europa, veículos de informação chegaram a dizer que Nico era o nome de preferência da família do holandês. Só que o próprio Hülk tinha um discurso muito realista sobre a questão.
“Difícil, muito difícil. Não tenho muita esperança. Essa situação de agora foi excepcional”, disse o piloto dias após o GP de Eifel.
Só que a temporada de Pérez foi irretocável. Enquanto Albon não entregava os resultados esperados para quem teve o segundo melhor carro do grid às mãos, o mexicano sobressaiu, ficou perto até de vencer algumas vezes, conquistou um marcante pódio no GP da Turquia e, uma semana depois de ter sido traído pelo motor e perder um top-3 certo no GP do Bahrein, triunfou de forma histórica no GP de Sakhir, no anel externo barenita.
Aquela conquista marcante foi decisiva para que Pérez fosse anunciado, dias após o fim da temporada, como piloto da Red Bull no lugar de Albon — rebaixado para a reserva — em 2021.
Injustamente, o recordista de corridas sem pódio na Fórmula 1 não vai voltar, ao menos como titular, ao grid na próxima temporada. Acostumado aos azares que a carreira lhe impôs, Hülk registrou, com bom humor, como reagiu quando soube que as portas da Red Bull lhe estavam definitivamente fechadas.
No fim das contas, o sentimento de Hülk lá em outubro, quando falou à revista alemã Auto Motor und Sport, já era de resignação: “Talvez a Fórmula 1 não precise mais de mim”.
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