Retrospectiva 2021: Interlagos vive catarse histórica com jornada épica de Hamilton

Eleita pelos leitores do GRANDE PRÊMIO como a grande corrida do ano, o GP de São Paulo foi histórico porque representou, dentre outros tantos fatores marcantes, também a volta da F1 ao Brasil

Lewis Hamilton e a apoteose com a bandeira do Brasil (Vídeo: Reprodução/F1 TV)

Escrever, produzir ou ler uma retrospectiva é a chance de voltar ao passado e relembrar o que de melhor e mais feliz ou o pior e mais triste fato do ano que passou. Neste fim de 2021, em que as redações trabalharam arduamente para montar o material de memórias desta folhinha do calendário prestes a ser arrancada, há alguns fatos que ficam e que ficarão na lembrança por muito tempo. Especialmente em uma temporada marcante no esporte a motor, de tantos feitos incríveis e corridas memoráveis, algumas delas valem a pena ser recordadas e certamente estarão na retina por anos. A edição de 2021 das 500 Milhas de Indianápolis, vencida pela quarta vez por Helio Castroneves, foi inesquecível, assim como outras tantas provas neste ano incrível: destaque para os GPs do Azerbaijão, Itália, Rússia e até o dramático GP de Abu Dhabi. Mas nenhum deles supera o que foi, por vários aspectos, o GP de São Paulo de Fórmula 1.

A 19ª etapa do calendário do Mundial aconteceu há exatamente 1 mês e meio e foi importante porque representou a volta da F1 ao Brasil depois de um ano longe em razão dos efeitos da pandemia de Covid-19. O evento também foi um dos primeiros no país a acontecer com casa cheia depois de mais de um ano e seis meses. De presente, os fãs brasileiros do esporte a motor tiveram a chance de lotar Interlagos e presenciar uma das grandes e históricas batalhas entre Max Verstappen e Lewis Hamilton na mais incrível temporada do século, que terminou com um triunfo épico do heptacampeão, coroado com um gesto emocionante e que remeteu ao maior ídolo de Lewis, Ayrton Senna.

Eleita por 75% dos leitores do GRANDE PRÊMIO como a melhor corrida do ano, o GP de São Paulo será relembrado nas linhas a seguir. A conquista ajudou Hamilton a levar a disputa contra Max pelo título até a última corrida. E se o octa não veio neste ano, o que fica é que Interlagos foi palco talvez da maior atuação do maior vencedor em todos os tempos na Fórmula 1.

O gesto histórico de Lewis Hamilton no GP de São Paulo (Foto: AFP)

Sexta-feira 12: o dia que não terminou

O fim de semana em Interlagos começou agitado fora das pistas em razão da decisão da Mercedes em trocar o motor de combustão interna (ICE) do carro de Lewis Hamilton. A instalação daquele que seria chamado de ‘motor apimentado’ fez o heptacampeão perder cinco posições no grid da corrida principal. Isso porque São Paulo recebeu pela primeira vez a F1 Sprint, com programação diferente do habitual e que contou com a classificação na sexta-feira e a corrida curta, de 100 km de duração, no sábado para definir o grid do evento principal.

Em confronto direto com Verstappen, Hamilton se mostrou muito superior, voou no treino livre 1, deu um banho no rival e conquistou o direito de largar na frente na corrida sprint após desempenho dominante na classificação.

Só que o jogo viraria contra o britânico horas depois de o delegado-técnico da FIA, Jo Bauer, encontrar uma irregularidade milimétrica na asa móvel da Mercedes #44. Segundo o engenheiro, o dispositivo estava acima do limite máximo de abertura da asa, cenário que configura um menor arrasto aerodinâmico quando o DRS é acionado.

Max Verstappen confere asa traseira da Mercedes após classificação em Interlagos (Vídeo: Frederico Monteiro/Twitter)

Em meio a tudo isso, surgiu o histórico vídeo de Frederico Monteiro, leitor do GRANDE PRÊMIO, enviado ao jornalista da casa, Gabriel Curty. As imagens revelaram ao mundo que Verstappen encostou na asa traseira do carro de Hamilton, o que é proibido de acordo com as regras do parque fechado da Fórmula 1.

Além de Hamilton, Verstappen também entrou no balaio e passou a ser investigado pelos comissários. Entretanto, a indefinição sobre uma decisão da FIA sobre os dois pilotos se arrastou e adentrou por aquela noite gelada até que, às 22h12, hora local, veio o comunicado: a decisão só seria tomada em definitivo no sábado.

‘Mordido’, Hamilton dá show no sábado

Com público cada vez maior nas arquibancadas, todos foram a Interlagos sem ter a ideia do que estava por vir. A indefinição sobre Hamilton e Verstappen se arrastou por toda a manhã e só foi encerrada à tarde, perto da largada da corrida sprint. Max foi punido com uma multa de cerca de R$ 312 mil por ter tocado na asa do carro de Hamilton em regime de parque fechado. Lewis, contudo, enfrentou uma sanção bem mais dura pela irregularidade no DRS e foi excluído da classificação. De primeiro, o britânico teve de largar em último na corrida curta de sábado. Max, assim, herdou a posição de honra.

Mas quem esperava ver Verstappen se estabelecer na liderança da prova desde o começo viu Valtteri Bottas largar melhor, apagar o vexame na partida seis dias antes, no Autódromo Hermanos Rodríguez, e assumir a ponta para não mais perdê-la. Max, na luta pelo título, até tentou esboçar uma tentativa de ultrapassagem, mas preferiu não se arriscar e garantir 2 pontos extras pelo segundo lugar na corrida sprint. Carlos Sainz foi o terceiro.

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Lewis Hamilton passou 15 carros na corrida sprint da Fórmula 1 em Interlagos (Vídeo: F1)

Mas quem deu show mesmo foi Hamilton. Ao largar em último, o heptacampeão tinha muito a perder, já que também estava na briga pela taça, mas também, ao mesmo tempo, tinha de arriscar ao máximo para somar pontos importantes no fim de semana em São Paulo. Por isso, era fundamental minimizar o prejuízo.

Na primeira de 24 voltas, Hamilton já era o 15º. Depois, foi perseverante e paciente ao fazer as ultrapassagens necessárias no momento certo e sem correr muitos riscos. Ficaram para trás Nikita Mazepin, Mick Schumacher, Kimi Räikkönen, George Russell, Nicholas Latifi, Yuki Tsunoda, Lance Stroll, Antonio Giovniazzi, Fernando Alonso, Daniel Ricciardo, Sebastian Vettel, Esteban Ocon, Pierre Gasly, Charles Leclerc e Lando Norris. Com incríveis 15 ultrapassagens em pouco mais de meia hora, Hamilton cruzou a linha de chegada na quinta colocação. Um show no Brasil.

O quinto lugar virou a décima posição no grid da corrida principal, no domingo, em razão da punição pela troca do motor de combustão interna. Mas o melhor ainda estava por vir.

Apoteose e catarse em um dia histórico em Interlagos

Diante de um público estimado em mais de 70 mil pessoas, o primeiro GP de São Paulo da história começou com história oposta à de sábado quanto à primeira fila. Verstappen deu o troco em Bottas e assumiu a liderança na largada, enquanto Lando Norris teve o pneu furado após toque de Carlos Sainz antes mesmo de entrar no S do Senna.

Logo na primeira volta, Hamilton já era o quinto depois de ter feito quatro ultrapassagens e ganhar mais uma posição com o problema de Norris.

Hamilton aparecia em quarto já na volta 4. Em seguida, na abertura do giro seguinte, Bottas praticamente parou o carro no fim da reta dos boxes para permitir a ultrapassagem do companheiro de Mercedes.

Lewis Hamilton foi saudado por Max Verstappen após vitória em Interlagos (Foto: AFP)

A ordem da corrida naquele momento era Verstappen em primeiro, Sergio Pérez em segundo e Hamilton em terceiro. A diferença entre os três foi encurtada em razão de duas intervenções do safety-car em razão de detritos dos carros de Yuki Tsunoda, Lance Stroll e do VSC por conta de mais detritos após incidente com Mick Schumacher e Kimi Räikkönen.

Já com bandeira verde, na volta 18, Hamilton passou Pérez por fora para assumir a segunda posição. Aguerrido, o mexicano não deixou barato, acionou o DRS na Reta Oposta, fez manobra extraordinária e deu o troco em Lewis. ‘Checo’ tentou segurar o piloto da Mercedes o máximo que deu para ajudar Verstappen, mas não conseguiu evitar uma nova e, definitiva, ultrapassagem de Hamilton na volta seguinte.

Daí em diante, Hamilton se aproximou ainda mais de Verstappen. Se a diferença era razoável, de quase 4s depois da ultrapassagem em cima de Pérez, tudo ficou mais apertado depois dos pit-stops, quando os rivais trocaram os pneus médios pelos duros para o segundo stint da corrida. Na volta 31, os dois pilotos estavam separados por pouco mais de 1s.

A batalha se tornou ainda mais acirrada a partir de então. Em cenário onde praticamente não havia diferença entre os dois, Hamilton colou de vez em Max depois do segundo pit-stop de cada um dos adversários, que partiram para mais um stint com os pneus duros.

Max Verstappen jogou Lewis Hamilton para fora da pista em disputa pela ponta em São Paulo (Vídeo: Reprodução)

Veio então um dos incidentes mais polêmicos da temporada. Na volta 48, Hamilton colou em Verstappen na Reta Oposta, teve a porta fechada e tentou fazer a ultrapassagem por fora na Descida do Lago. Max alargou a curva para não dar espaço ao adversário, e os dois escaparam para a área de escape asfaltada. Naquele momento, Toto Wolff esbravejou e pediu punição ao holandês em razão da manobra. A direção de prova optou por não sancionar o piloto da Red Bull.

Hamilton não desistiu, seguiu muito próximo e esperou a hora certa de dar o bote. E o momento foi dez voltas depois da polêmica manobra. No giro 58, Verstappen chegou a fazer um zigue-zague na Reta Oposta para evitar a ultrapassagem, que foi inevitável na volta seguinte. Diante de uma multidão em delírio e de um Toto Wolff em fúria por Max não ter sido punido, Lewis finalmente assumiu a liderança, jamais foi superado e partiu para uma das maiores vitória da sua laureada carreira.

A jornada de Hamilton só não foi absolutamente perfeita porque Pérez, na penúltima volta, foi aos boxes e calçou pneus macios para fazer a volta mais rápida e tirar o ponto extra que parecia encaminhado ao heptacampeão.

Com 71 voltas completadas, Lewis Hamilton recebeu a bandeirada da campeã olímpica Rebeca Andrade e levou o público à catarse em Interlagos. A apoteose ficou completa depois que o maior vencedor de todos os tempos parou o carro no Bico de Pato e pediu a bandeira do Brasil, em episódio histórico e relatado ao GRANDE PRÊMIO por Fabio Rezende, Leonardo Augusto Mil e Matheus Severo, os fiscais de pista que ajudaram a tornar ainda mais memorável o GP de São Paulo de Fórmula 1.

FABIO REZENDE; ARQUIVO PESSOAL; GP DE SÃO PAULO; BANDEIRA; LEWIS HAMILTON;
A foto dos fiscais de pista com a bandeira que foi entregue a Hamilton em SP (Foto: Arquivo Pessoal)

A cereja do bolo foi a presença de Hamilton no pódio, coberto pela bandeira do Brasil e tendo ao seu lado, além de Verstappen e Bottas, segundo e terceiro, respectivamente, o engenheiro Leonardo Donisete da Silva, mineiro de Patos de Minas e desde 2017 membro do time de estrategistas da Mercedes.

O histórico 14 de novembro de 2021 ficou completo com a tradicional invasão da torcida brasileira na pista em Interlagos. Cenário perfeito do recital do maior de todos na Fórmula 1 e um dos maiores atletas de todos os tempos em todos os esportes. Diante de gritos de ‘Senna, Senna’, e ‘Lewis, Lewis’, o heptacampeão não escondeu a emoção por ter vivido, aqui no Brasil, um dos mais inesquecíveis momentos da carreira.

Presença feminina cresceu em Interlagos, mas também os casos de assédio e machismo (Foto: AFP)
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