Retrospectiva 2024: Hamilton e Mercedes têm ‘última dança’ em ritmo de montanha-russa
Lewis Hamilton e Mercedes viveram um último ano de parceria cheio de altos e baixos. Da vitória inesquecível na Inglaterra aos dramas de Brasil e Catar, o inglês passou longe de um dos melhores anos da vida — mas vai tirar grandes memórias no encerramento de uma era
Antes mesmo de a F1 2024 começar oficialmente, o dia 1º de fevereiro determinou que a temporada seria histórica. Anunciado como piloto da Ferrari a partir de 2025, Lewis Hamilton partiria para suas últimas 24 etapas como defensor da Mercedes, uma casa na qual se acostumou a estar — e vencer — por longos 12 anos. Como qualquer fim de relacionamento, a separação veio recheada de melancolia, mas também com momentos que fizeram todos relembrarem como o ápice foi doce.
A temporada 2024 de Hamilton pode ser comparada ao que é a Mercedes desde 2022, ano de estreia do atual regulamento técnico: uma montanha-russa. Quando teve o conjunto em mãos e conseguiu extrair dele, Lewis relembrou os velhos tempos e alcançou atuações incríveis, como em Inglaterra, Bélgica, Las Vegas e Abu Dhabi.
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Por outro lado, constantemente incomodado com o carro, Hamilton viveu momentos baixíssimos em 2024. O abandono na Austrália deu o tom da imprevisibilidade que viria pela frente, mas atuações ruins nos GPs do Japão, Canadá, Azerbaijão e, principalmente, no Brasil sempre indicavam que o melhor mesmo era a relação chegar ao fim. Entre beijos e abraços, a visão de que a conexão não era mais a mesma ficou clara para todo mundo.
Em um dos piores inícios de temporada da carreira — se não o pior —, Hamilton só foi conseguir um top-5 em uma corrida principal no Canadá, nona etapa de 24 — e uma em que George Russell fez a pole e brigou pela vitória. A metade do ano, então, trouxe o símbolo do que foi Lewis em 2024: a Mercedes melhorou e, imediatamente, o veterano alcançou os melhores resultados do ano.

Depois do quarto lugar em Montreal, Lewis chegaria ao primeiro pódio na Espanha, em terceiro, antes de mais um quarto na Áustria. A melhor sequência do ano veio a partir daí, com pódios consecutivos em Inglaterra, Hungria e Bélgica — com vitórias em Silverstone e Spa, esta segunda contando com uma desclassificação de Russell.
O GP da Inglaterra, inclusive, merece ser destacado dos demais. Sem vencer uma vez sequer desde o GP da Arábia Saudita de 2021, o ‘Hamilton do velho testamento‘ reapareceu em Silverstone. Com uma pilotagem irretocável, compreensão total do clima e decisões certas também por parte da Mercedes, o inglês superou uma McLaren mais rápida e um Max Verstappen inspirado para subir ao lugar mais alto do pódio pela primeira vez em quase três anos.
A reação, na verdade, chamou atenção. Muito emocionado, Hamilton admitiu que não tinha noção do quanto o jejum pesava sobre suas costas, foi ao delírio com o povo inglês e fez uma festa que há muito não se via por uma vitória. Ali, Lewis externava toda a frustração com o período difícil, em um carro que não o agradava e uma equipe que iniciou o racha ao não ouvi-lo após o desastre que foi 2022. Com tudo isso somado, o heptacampeão mundial desabou.
Depois de boas atuações na Hungria e na Bélgica, a conversa na ida para as férias era sobre quantas vitórias a Mercedes poderia conseguir depois da pausa. Hamilton, inclusive, foi questionado algumas vezes sobre se ainda acreditava no título, algo inacreditável de se ler em pleno mês de dezembro. Dali em diante, porém, as Flechas de Prata só venceriam uma vez mais — e com Russell.

George, por sua vez, precisa fazer parte da contextualização do que foi o 2024 de Hamilton. Capaz de extrair muito do carro quando este estava nas melhores condições, Lewis simplesmente não acompanhou o ritmo de Russell quando o W15 ficou abaixo. A classificação final mostra uma vantagem de apenas 22 pontos a favor do #63, mas essa não foi bem a história contada pelas pistas.
Nas classificações, Hamilton perdeu por implacáveis 19 a 5 para Russell nas corridas principais; nas definições de grid das sprints, o heptacampeão foi derrotado por 5 a 1 — saldo final de 24 a 6. Em termos de resultados finais nas corridas, Lewis conseguiu várias recuperações, mas ainda foi derrotado por Russell por 15 a 9. Nas provas curtas, a contagem da classificação shootout se repetiu.
Em suma, Hamilton foi superado por Russell em praticamente todos os aspectos. Os únicos momentos em que Lewis deu indícios de que poderia bater George coincidiram — ou nem tanto assim — com os momentos de alta do W15. É uma faca de dois gumes: o veterano conseguiu extrair muito do carro, mas só quando este se apresentou de seu agrado. Não é exatamente a melhor abordagem, a não ser que o encaixe com o monoposto da Ferrari aconteça logo no primeiro ano.
Após uma volta completamente apagada das férias, com resultados esquecíveis em Países Baixos, Itália, Azerbaijão e Singapura, as últimas seis corridas do ano foram uma verdadeira mistura de sensações. O trágico GP dos EUA acabou logo no início, ao rodar sozinho, enquanto o México trouxe uma boa apresentação. No entanto, ninguém — absolutamente ninguém — estava preparado para o que viria no Brasil.

Em Interlagos, um de seus palcos mais felizes da carreira e onde é aclamado pelo povo, Hamilton fez simplesmente uma de suas piores apresentações em toda a carreira. Reclamando do carro desde o TL1, o inglês perguntou quanto tempo ainda restava no treino, sumiu na classificação e não passou de décimo na corrida. Incomodado com o carro, os quiques e praticamente tudo ao redor, Lewis chegou a indicar pelo rádio que poderia ser sua última aparição pela Mercedes, mas voltou atrás depois. O único ponto de felicidade foi a inesquecível volta com a McLaren de Ayrton Senna.
O GP de Las Vegas, em meio a toda pompa e bizarrice já esperadas, trouxe o que talvez ficará marcado como a última grande atuação de Hamilton na Mercedes. O ritmo foi muito bom em Abu Dhabi, é verdade, mas a recuperação de décimo para segundo na Cidade do Pecado deixou margem para acreditar em vitória. Russell levou, a Mercedes tinha claramente o melhor carro, mas as profundas dificuldades de classificação impediram a briga mais uma vez.
Como indicado no início dessa retrospectiva, o último ano de Hamilton na Mercedes foi uma baita montanha-russa. De um início desanimado e preocupante à primeira vitória desde 2021, o inglês saiu do inferno ao céu, mas voltou rapidamente ao ponto mais baixo após o retorno das férias. No fim das contas, Lewis pareceu de saco cheio — e a Mercedes também. Quando o carro esteve bom, o inglês tirou tudo; nas horas ruins, não conseguiu encontrar soluções e pareceu até com certa preguiça.
Talvez, a despedida tenha vindo com algum tempo de atraso. O fato é que a emoção exposta em Abu Dhabi indica de forma cristalina o que Hamilton e Mercedes construíram juntos: uma relação que, além de extremamente vencedora, foi pautada em admiração mútua e respeito, mas encarou seus vários pontos baixos. Toda essa parte positiva, porém, diminuiu em 2024. A separação é o melhor caminho para os dois. No fim, a ligação entre o piloto mais vencedor do esporte e uma das maiores marcas do planeta já está eternizada — e nenhum porpoising no mundo é capaz de apagar isso.
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