Saída surpresa da Honda devolve Red Bull ao mercado, mas oferece chance de se bastar

A Red Bull tem a oportunidade de se bastar e assumir os próprios motores ou fazer negócios com uma das três fornecedoras sobreviventes. Com decisões de vida ou morte a tomar, próximos meses são dos mais importantes desde que entrou na F1

A manhã da última sexta-feira ofereceu uma oficialização que, diferente de muitas que brindaram o público da Fórmula 1 neste 2020, era totalmente inesperada: a Honda vai deixar o campeonato no fim de 2021. O leitor provavelmente já está careca de saber disso, claro. Mas o que essa saída significa para AlphaTauri e, sobretudo, Red Bull? A chance de remendar conexões quebradas ou de finalmente se bastar, por exemplo.

É, evidentemente, uma decepção para a Red Bull. O acordo com a Honda não foi somente algo relacionado ao fornecimento: era a expectativa de replicar o casamento fábrica-equipe oficial que funcionou tão bem nos anos de conquista ao lado da Renault, mas se perdeu, gradualmente, primeiro pelas dificuldades da fábrica francesa com a tecnologia V6 turbo e, na sequência, com o fato de passar a prioridade à própria equipe.

A Honda era a única resposta de uma pergunta que vagou pelo ar durante algum tempo: qual a saída do time dos energéticos? A relação com a Renault foi totalmente para o vinagre até que os austríacos passassem a utilizar, em 2016, o motor que todos sabiam ser o francês, mas rebatizado como TAG. Foi uma estratégia para separar as marcas e, com um muro de relações públicas entre elas, estancar a sangria. Falhou, claro, porque o mundo inteiro sabia de onde vinha a frustração da Red Bull e para onde estavam direcionados os ataques que não paravam.

Estava evidente que nenhuma nova fábrica ingressaria na baila e que Renault, Ferrari e Mercedes tinha suas prioridades e, sobretudo italianos e alemães, tinham todos os motivos para esconder o jogo da Red Bull, rival de todos os anos na briga pelas primeiras posições. Eis que a Honda deu as caras, então em desgraça e se desfazendo do acordo que se provou maldito com a McLaren.

Em 2018, molhou os pés. A então Toro Rosso foi a única equipe e a Honda começou a dar alguns saltos. Ainda faltava potência e sobrava defeito de confiabilidade, mas tudo parecia bem melhor sem uma parceria achincalhando a cada duas semanas. O grupo Red Bull ajudou com expertise e, diferente do que fora com os franceses, mostrou-se parceira respeitosa. No fim do ano, enquanto a Renault tomava Daniel Ricciardo, a Red Bull anunciava que teria motores Honda em 2019.

Red Bull e Honda mostraram ótima relação durante tempo de parceria (Foto: Red Bull Content Pool)

Ali estava a oportunidade de ceder um motor campeão a Max Verstappen e convencê-lo a ficar por longo período e ancorar novo projeto. O motor Honda melhorou substancialmente nos últimos dois anos. Com ele, a Red Bull ganhou corridas e a AlphaTauri foi a três pódios e venceu, coisas que não fazia desde 2008. A evolução das equipes, especialmente a principal delas, com a fabricante parecia fazer parte essencial do que a marca austríaca imaginava ao pular para a nova fase da F1, após a revolução de 2022.

Mas a boia a qual a Red Bull se agarrou em 2018 para se livrar de rivais das quais inegavelmente suspeita, furou. A Honda avisou no fim de setembro que deixaria a F1, pouco tempo antes de efetivamente anunciar ao mundo. É necessário um plano, porque as outras fabricantes já trabalho a planos pulmões pensando no motor de 2022. A Red Bull não quer apenas receber o produto final, ela é diferente das outras equipes clientes, porque se vê diferente, maior, robusta, mais rica e com possibilidades de ser campeã. Quer participar do passo a passo dessa transformação, algo que, com as três mosqueteiras dos motores da F1, não fará. Se for, de fato, trabalhar com uma delas, pegará o bonde andando.

O que diz o regulamento? Vamos esclarecer. O apêndice nono do livro de regras esportivas da Fórmula 1 é bem claro ao definir que a fabricante de motor com menos clientes “precisa estar preparada para o fornecimento a uma equipe que não tem um parceiro, caso seja avisada para que faça isso”. A Renault fornecerá motor apenas para ela mesma em 2021, enquanto Mercedes terá quatro equipes – Mercedes, Aston Martin, McLaren e Williams – e a Ferrari terá três – Ferrari, Haas e Alfa Romeo. O mecanismo de socorro da FIA coloca a Red Bull de volta na atmosfera da Renault caso não haja outra solução até 1º de junho do ano que vem. Seria a primeira vez que da FIA ativando tal cláusula.

A Renault surgiu algumas horas depois do anúncio da Honda para dizer que não haveria problemas em cumprir o regulamento, mas que a Red Bull ainda não dera sinal de vida para ela. Cyril Abiteboul, pivô da relação ruim entre as duas e chefe da equipe francesa – ainda disse que não imagina ser o Plano A dos antigos parceiros.

Sobre o próprio Abiteboul, mais uma coisa. Necessário dizer que ele próprio ainda não se comprometeu a seguir no comando da Renault/Alpine após o fim deste ano. Caso saia, não é difícil imaginar que o reencontro tenha ficado mais próximo. Entre as inúmeras discussões públicas com Horner e quase chegar aos finalmentes com Helmut Marko no paddock de Interlagos, ele é parte ao menos considerável da rixa.

Mas como a Red Bull pode sair disso – e, é claro, trazer consigo a AlphaTauri? Com um motor próprio. Já se foi o tempo em que a Red Bull tocava a equipe numa fábrica comum em Milton Keynes. O espaço, que pertence ao time desde os tempos de Stewart, nos anos 1990, cresceu e se tornou um complexo industrial. A Red Bull tem o espaço e até a capacidade de bancar o pessoal responsável para produzir os próprios motores. Não vai começar do zero, é evidente, mas não precisa.

A tese é simples: a Honda gastou mundos e fundos para desenvolver o motor – e prometeu gastar mais para entregar um motor totalmente novo no ano que vem, mesmo sendo o último na categoria. Vai simplesmente deixar esse investimento morrer? Caso a Red Bull compre a tecnologia utilizada pela Honda e os responsáveis por tocar o projeto – e tem dinheiro para isso -, passará a ter a expertise e dar sequência a um projeto que já existe, em vez de começar do zero. Será senhora de si própria. De novo: tem espaço físico e financeiro para tanto. Agora tem a oportunidade de comprar uma ideia, o que barateia e facilita a continuidade.

O que sobrará para Max Verstappen? (Foto: Getty Images/Red Bull Content Pool)

ANÁLISE: Honda escancara dificuldade de atrair montadoras e põe F1 no divã

Por que a Honda aceitaria? Não apenas pelo retorno financeiro, mas porque a Red Bull não é uma montadora automotiva. A tecnologia Honda implicada ali ficará a serviço somente de uma equipe de F1 e que não duela com a fábrica japonesa em qualquer campo de atuação mundo afora. O relacionamento precisa seguir saudável, como foi até aqui. A Honda responde às suas relações, e isso tem todo o efeito nesta decisão. Por conta dos anos de pesadelo com a McLaren, sequer citou a equipe inglesa no comunicado de despedida da categoria e ainda teve o bloqueio a Fernando Alonso na Indy 500. Faz sentido que o inverso sirva para a Red Bull.

E outra: com a Aston Martin deixando a parceria que teve com a Red Bull nos últimos anos, não há qualquer outra montadora envolvida entre a marca austríaca e a fábrica japonesa. Os segredos ficam entre as duas.

A Red Bull terá uma decisão difícil nos próximos meses. Até junho do ano que vem, terá que definir se cuida dos próprios motores – e, aí, teria que agir rápido para não ficar tão atrás no desenvolvimento para 2022 -, retorna à Renault com o rabo entre as pernas ou fecha com a Mercedes para ser uma quinta equipe na alça alemã. Parece improvável. A Ferrari vive crise e dificilmente aceita fazer negócio com quem não seja subserviente. Difícil imaginar.

Serão meses de reuniões duras a portas fechadas da Red Bull. Resta ver o que fará.

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