Tiro no escuro e vida após Schumacher: como Hamilton e Mercedes se aliaram na F1
A crise no relacionamento com a McLaren, já insustentável, fez Lewis Hamilton decidir sair. Mas ir para onde? Foi a Mercedes, ainda sem as glórias na F1 moderna, quem convenceu o então uma vez campeão a dar mergulho de fé. Foi assim que se encontraram em 2013, ainda longe das glórias que viriam depois, piloto e equipe
O segundo semestre da temporada 2012 cruzava o calendário da Fórmula 1 como um meteoro e obrigava equipes e pilotos a decisões sobre o que seria do futuro. A Mercedes queria alguém para suceder Michael Schumacher, saído da aposentadoria para as temporadas 2010, 11 e 12, mas aposentado novamente, e para colocar a equipe de volta no radar após o retorno ao grid como time oficial na sequência de um hiato de 55 anos. Lewis Hamilton queria voltar a ter chances de ser campeão e oxigenar o clima interno que já cheirava a enxofre pelos lados da McLaren. Antes que o encontro com o destino pudesse ser costurado, equipe, a dona do desejo, e piloto, o fruto do interesse, tinham de chegar a um denominador comum.
“Por que eu deveria ir para a Mercedes? Vocês estão em quinto lugar no Mundial de Construtores. A McLaren tem um carro muito melhor. Por que eu devo fazer isso?”, Hamilton questionou após ouvir a proposta de Niki Lauda, então presidente não-executivo da marca alemã, segundo o próprio Lauda recordou anos depois.
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“Fiquei em silêncio por 10 segundos, porque ele estava certo”, contou o tricampeão mundial, morto em 2019. “Mas o que vai acontecer se você for o primeiro a conquistar um título pela Mercedes?”, respondeu.
“Foi muito legal receber a ligação de uma lenda como Niki”, recordou Hamilton em 2020. Depois ele veio ao meu quarto no hotel em Singapura e tivemos uma boa conversa. Foi mais ou menos nessa época que Niki disse que eu era igual a ele em vários aspectos e que tínhamos mais em comum do que imaginávamos”, disse.
O resto, como dizem por aí, é história. A verdade é que Lewis e a Mercedes não eram necessariamente desconhecidos um do outro. Afinal, se a marca alemã estava fora do grid da F1 como dona de uma equipe própria desde 1955 quando retornou em 2010, fazia parte da brincadeira de outra forma desde 1995, quando voltou a fabricar motores para a categoria e fornecê-los para McLaren. Hamilton trabalhou ao lado da Mercedes desde jovem, quando assinou como piloto afiliado da McLaren. E foi com os motores da montadora de Stuttgart que fez a estreia na F1, em 2007, e conquistou o título de 2008.
Mas também foi com os motores Mercedes que viu as chances de conquista rarearem. Primeiro pelo fenômeno Brawn GP, em 2009 – que no ano seguinte seria vendida justamente para virar a Mercedes – e depois pela força da Red Bull. O pior de tudo era que as relações internas degringolaram e a McLaren e Lewis tinham virado água e óleo. Conforme 2012 se desenrolava, não havia dúvidas: era hora de separar os laços e seguir em frente.
Os encantos de Lauda e de Ross Brawn, que ainda operava como chefe de equipe num mundo em que Toto Wolff não fazia parte do palco – algo que só aconteceria a partir de 2013 -, convenceram Hamilton. Mas sobretudo Lauda, com quem desenvolveu amizade forte e a quem via como uma espécie de mentor no campo minado da Fórmula 1.
Para a Mercedes era uma grande vitória. Substituiria o piloto mais vencedor de todos os tempos, Schumacher, que voltou para ajudar a marca que o lançou na carreira, com um campeão mundial a quem se podia chamar de o mais talentoso do grid atual. Ao lado dele, Nico Rosberg, opção sólida e que já bem conhecia o time, oferecia importante resposta sobre o carro e também era capaz de vencer corridas e conquistar pódios. Uma dupla forte para virar a chave após os anos em que se estabeleceu no grid. Agora era tempo de vencer.
Hamilton teria de roer o osso. A pergunta que fizera a Lauda, na primeira conversa, afinal, era justa. Nos três anos anteriores, foram somente seis pódios e uma vitória – Rosberg, no GP da China de 2012. Naquele campeonato de 2012, terminou mesmo em quinto no Mundial de Construtores, mas não só isso. A distância para as quatro primeiras colocadas era colossal: 142 pontos da Mercedes contra 303 da Lotus, quarta colocada; 378 da McLaren, a terceira; 400 da Ferrari, vice-campeã; e 460 da Red Bull. Havia uma estrada extensa a percorrer.
Restava trabalhar em duas frentes. Uma delas era o próximo conjunto de regras e a introdução dos motores V6 turbo e a entrada na era híbrida a partir de 2014. Mas era evidente que Hamilton não havia chegado para servir de pato morto durante um ano inteiro, e, então, era preciso trabalhar carro e disputa de 2013.
A temporada 2013 para a Mercedes
O campeonato começou com ares de repetição daquilo que havia acontecido em 2012: as vitórias diluídas grid afora. Lotus, Red Bull e Ferrari ganharam as primeiras três corridas, respectivamente com Kimi Räikkönen, Sebastian Vettel e Fernando Alonso. Mas Hamilton conseguia se entender com o carro e buscar dois pódios na sequência inicial, ambos com terceiros lugares. Se a Mercedes estava longe de ser postulante ao título, também não era patinho feio. Faltava potência, mas o carro estava arrumado.
Começou a temporada com os melhores resultados na equipe, mas a situação mudou no GP de Mônaco. Rosberg foi pole e Lewis completava uma primeira fila toda da Mercedes. Só que, na corrida, tudo mudou. Rosberg desfilou para ganhar a prova, enquanto Hamilton, na relargada pós-intervenção do safety-car por um acidente de Felipe Massa, deu passagem para os pilotos da Red Bull. Terminou em quarto.
Duas corridas depois, na Inglaterra, o inverso: Hamilton fez a segunda pole pela nova casa — já havia sido assim na China — e Nico partiu no segundo lugar. Após defender a primeira posição na largada e pontear nas voltas iniciais, sofreu furo no pneu e precisou ir lentamente aos boxes. Rosberg caiu para terceiro, mas deu sorte: além do problema do companheiro de equipe, ainda viu o câmbio da Red Bull trair Vettel. Venceu pela segunda vez. Hamilton fez impressionante corrida de recuperação e saiu de 22º para 4º no fim das contas.
O GP da Inglaterra iniciou uma sequência de quatro poles para Hamilton. Semanas depois, na Alemanha, Vettel e Mark Webber tiraram o inglês do caminho logo na largada. Aí, na Hungria, a história foi outra. Hamilton manteve a ponta na largada e parou nos antes de Vettel, que vinha em segundo, ainda na décima volta em Hungaroring. Voltou atrás de Jenson Button, companheiro na McLaren até o ano anterior, e rapidamente ultrapassou. Foi o que garantiu o resultado, porque Vettel, quando finalmente parou, ficou preso atrás de Button. Chegou até a danificar a asa durante tentativa de mergulho. Após a estratégia de uma parada a menos de Webber dar errado, o dia sorriu para Lewis. Em 28 de julho de 2013, vencia pela primeira vez com o prateado da Mercedes.
Foi a vitória 22 da carreira, a primeira das 84 que conquistaria com o time da fábrica alemã. E a última daquela temporada. Na verdade, a última de qualquer piloto diferente de Vettel naquele 2013. Hamilton ainda faria a pole na Bélgica, que também marcou a última pole fora das mãos da Red Bull no campeonato.
Ao todo, foram cinco pódios, com uma vitória e quatro terceiros lugares nas 19 corridas daquela temporada. Além, claro, das cinco poles. O suficiente para anotar 189 pontos e o quarto lugar do Mundial de Pilotos. Rosberg foi sexto, com 132. Embora muito distante da campeã Red Bull, a Mercedes finalizou o 2013 com o vice-campeonato de Construtores, superando a Ferrari por apenas seis tentos. A McLaren, que sobrou em relação à parceira no ano anterior, foi somente quinta colocada e com pobres 122 pontos.
Um início satisfatório dentro da realidade em que a Red Bull dominava o cenário e Alonso era quem conseguia desafiar com a Ferrari – e terminou 2013 vice-campeão. A relação com Rosberg, que mais tarde ferveria, ainda era de felicidade, com empolgação geral pela história dos amigos de infância, companheiros de equipe no kart, reunidos lado a lado na F1.
Mas o primeiro sinal de fricção ali esteve, e logo no GP da Malásia, segunda corrida do ano. Na ocasião, a Mercedes se viu capaz do primeiro pódio do ano quando tinha Hamilton em terceiro e Rosberg, em quarto. Para nada arriscar, deu a ordem que Nico apenas fizesse o comboio junto ao companheiro, coisa que o alemão não gostou. Nada aconteceria naquele momento, mas a fagulha foi incendiada a partir do ano seguinte, quando a Mercedes passou a ter carro de primeira linha.
O primeiro ano foi longe de um sonho ou de indicar os tempos de glórias que viriam a partir de 2014, mas mostrou que Hamilton tinha acertado alguma coisa. O caminho da Mercedes era para cima.
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