Da visita aos povos originários ao mergulho no lixo de São Paulo: o Vettel que ninguém vê

O GRANDE PRÊMIO acompanhou Sebastian Vettel bem de perto durante toda uma manhã em São Paulo durante uma ação em prol do meio ambiente

Há pouco mais de dois anos, Sebastian Vettel rompia enfim a resistência às redes sociais para anunciar ao mundo que decidira parar de correr na Fórmula 1. Um choque. Mais pela criação do perfil do que propriamente a confirmação daquilo que há tempos já se especulava. De fato, Seb nunca foi de seguir a manada. Mas o vídeo, gravado em preto e branco, revelou uma figura mais fascinante do que aquela das pistas. Vettel apareceu como é verdadeiramente. Ao explicar a razão de deixar o esporte, falou de amor e dedicação, mas também do desejo de integrar o mundo como ele é realmente. Da vontade de acompanhar o crescimento dos filhos. Estava grato por tudo que viveu e conquistou dentro de um carro de corrida, mas algo ainda o inquietava. Agora, dá para entender o que era.

A F1 se tornara simplesmente desimportante perto de um planeta que precisa de todas as vozes e cuidados possíveis. Então, depois de encerrar o vínculo com a Aston Martin — última equipe a defender no Mundial —, iniciou a jornada que queria e que já dava sinais, mesmo quando ainda competia. O dia em que ajudou a recolher o lixo de arquibancadas na Inglaterra, uma crítica severa à exploração devastadora no Canadá, que criou uma celeuma no país, ou uma entrevista ‘sincerona’ na TV foram alguns episódios de que o tetracampeão já não se adequava mais àquele cenário, àquela bolha. Longe do paddock e da intensidade de um calendário cada vez mais insano, o rapaz de Heppenheim mergulhou de cabeça no ativismo. Virou apicultor e passou a defender a fundamental existência das abelhas. Foi além. Está na faculdade e cursa agricultura, como contou ao GRANDE PRÊMIO.

“Todos nós lutamos para ter vidas melhores. Eu tenho filhos e gostaria de oferecer a melhor vida possível para eles. É natural ter preocupações sobre se eles terão as mesmas oportunidades que eu tive. Uma coisa é falar sobre paixões; outra é quando se trata de filhos. O automobilismo é minha paixão, mas me preocupo se, um dia, meus filhos ou outras crianças não poderão correr devido à pressão ambiental, pois o planeta está mudando”, disse o alemão ao GP.

O tetracampeão ainda homenageou Ayrton Senna e criou um capacete do tricampeão com materiais reciclados (Foto: Reprodução)

É um traço singelo dessa personalidade que se conhece melhor agora. E a recente passagem pelo Brasil deixou ainda mais evidente que a decisão de mudar foi mais que acertada. Vettel é muito mais do que carreira que construiu na Fórmula 1. Ainda bem!

Porque a foto viral e completamente aleatória em Cuiabá escondia uma aventura maior. Sebastian quis conhecer a Amazônia e seu bioma. Curioso, sobrevoou a floresta e foi tomado pela imensidão daquele verde, mas também se chocou com a extrema devastação. Em terra, sentou-se com o Cacique Raoni Metuktire, no Xingu, e jogou bola com as crianças. Ouviu as ameaças que atingem os povos indígenas, só que também testemunhou a vida daquela região ainda preservada.

E um pouco mais desse Vettel se refletiu em São Paulo, na terceira parada da jornada brasileira. O GRANDE PRÊMIO acompanhou de perto parte dos passos do alemão na capital paulista antes da etapa brasileira da F1. Tal como a visita à floresta, preferiu se voltar para um grupo invisível aos olhos dos grandes centros urbanos. Seb jogou luz sobre o trabalho dos catadores, uma classe com mais de 1 milhão de pessoas no Brasil, que passam o dia recolhendo lixo das ruas das cidades. O multicampeão coordenou uma ação de coleta seletiva, junto com uma cooperativa de reciclagem.

Para isso, também lançou um desafio entre aqueles que se reuniram a ele naquela quinta-feira, 31 de outubro. Imprensa, fãs e nomes do esporte no Brasil, além dos trabalhadores, fizeram parte da ‘competição’ criada pelo ativista. O objetivo, claro, era mostrar o quão essencial é a separação do lixo e seu destino. Mas ainda que planejado, algumas coisas fogem do roteiro e uma das delas foi a capacidade de Sebastian em se adaptar a um ambiente mais hostil do caos urbano da capital. E ainda assim, se fazer entender. Chamou a atenção também a forma simples e sem grande estrutura de marketing que muitas vezes orbita esse tipo de atividade. Aqui, foi mãos na massa mesmo.

Foram mais de quatro horas andando ao lado do ex-piloto de Ferrari e Red Bull pelas ruas de São Paulo. A competitividade de quem se tornou quatro vezes campeão da Fórmula 1 estava lá — já que havia uma disputa, ele queria ganhar. Incansável, Seb pouco se importou com o calor escaldante. Não se queixou de nada e frequentemente demostrou sagacidade para atrair a atenção dos fãs para além da carreira na F1.

Desde o momento em que chegou para o desafio, Vettel liderou as atividades com a mesma voracidade das pistas, especialmente naqueles anos de domínio. Mas não conseguiu esconder o espanto ao saber que o Brasil recicla somente 4% do seu lixo, uma das menores taxas no mundo, e que mais de R$ 15 bilhões são desperdiçados anualmente por isso. Ainda, reservou um tempo e ouviu atentamente Lucas Vieira de Lima, catador, que foi o orientador da sua equipe, querendo saber desde os incentivos às políticas públicas até os problemas reais dos operários.

Ainda, Sebastian não teve reservas em sair procurando por lixo na Zona Sul de São Paulo. Em dado momento, como o GRANDE PRÊMIO flagrou, o alemão entrou dentro de uma caçamba para selecionar o que era reciclável ou não. Também mostrou comprometimento com a intenção do dia, que foi viver um dia de catador. Mesmo em meio a uma grande equipe, que tinha a presença, inclusive, do compatriota e ex-piloto Timo Glock, Vettel sentiu a fúria corriqueira do trânsito paulistano, os perigos de quem está nas ruas e até recebeu buzinadas de desaprovação.

Vettel e equipe durante Desafio Pimp em São Paulo (Vídeo: Daniel Balsa/GRANDE PRÊMIO)

A vitória no desafio não veio, mas o resultado causou mais um choque: sua equipe coletou 93 kg de materiais recicláveis, que foram convertidos em R$ 74,40. “Isso que estivemos em cinco, seis ou oito pessoas. Imagine como é o trabalho desses profissionais no dia a dia? Estaria sozinho, então, talvez, recolheria isso no dia todo”, refletiu.

Ao fim do dia, Sebastian falou com o GRANDE PRÊMIO sobre a vida que leva e os projetos que tem pela frente. “Tenho muitas ideias para o futuro. Estamos estudando para decidir o que iremos fazer. Esta foi uma pequena corrida (a ação em São Paulo), mas muitas coisas estão surgindo e vários projetos estão em andamento. Estou ansioso para o que vem a seguir.”

“Esse desafio foi criado para nos fazer refletir. É impressionante ver o que está sendo feito aqui, nesta cooperativa, mas especialmente nas ruas, pelos catadores. Homens e mulheres que, todos os dias, limpam as ruas para todos que vivem ou visitam este lugar. Isso não é um favor, é a vida deles. É algo grandioso, mas por pouco dinheiro”, emendou o alemão. “Devemos olhar para o lixo como um recurso e precisamos construir o ciclo, garantindo a destinação correta, sem desperdícios, evitando que chegue a lagos, rios ou oceanos. Estou orgulhoso do que foi feito”, completou.

Não deixa de ser impactante a imagem de um tetracampeão de F1 separando lixo ou atento ao que acontece aos povos originários, ao mundo em si. Porque é algo que ninguém vê — ou quer ver. Mas felizmente Seb liga pouco para isso e tem razão quando fala sobre fazer a diferença. Mesmo com pouco.

Agora, a Fórmula 1 faz uma pausa de duas semanas e retorna entre os dias 21 e 24 de novembro para o GP de Las Vegas, nos Estados Unidos.

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