Após pilotos pagantes, GP2 sofre com ‘equipes pagantes’ e coloca em xeque desenvolvimento de atletas

Desde a chegada do novo carro e a expansão para a Ásia, os custos da GP2 aumentaram e seis dos 13 times deixaram o campeonato. Saíram equipes com expertise no desenvolvimento de atletas para a chegada de grupos investidores

A maior crítica que a F1 tem recebido nos últimos anos é a presença dos pilotos pagantes. De uns tempos para cá, parece que ter talento não é mais a única garantia de se chegar à principal categoria do automobilismo mundial. O dinheiro também passou a ter um papel cada vez mais importante nas negociações.

É por isso que a chegada de nomes como Max Chilton, Esteban Gutiérrez, Charles Pic e Giedo van der Garde é pouco festejada. Além de eles deixarem competidores experientes e habilidosos – como Heikki Kovalainen, Timo Glock e Kamui Kobayashi – sem emprego, ainda tiram a chance de garotos mais talentosos, mas menos abastados de um dia conseguir chegar à F1.

Nos últimos três anos, a GP2 teve mudança em seis das 13 equipes (Foto: GP2)

O problema é que a F1 acaba sendo a ponta do iceberg nesse caso. Para escalar a montanha de gelo até chegar à superfície, os pilotos precisam passar por categorias de base cada vez mais desestruturadas, onde a preparação do futuro atleta muitas vezes é colocada de lado para que os funcionários tenham o que comer no jantar.

Com custos cada vez maiores, a matemática é simples. Do que adiantar contrata um piloto promissor, no sonho de brigar pelo título, se o pagamento pode não cair no fim do mês? Mais fácil trazer dois ou três endinheirados, que paguem em dia, mesmo que se arrastem nas últimas colocações do grid.

Na GP2, a principal categoria de acesso do F1, as consequências foram ainda piores. Fora o domínio dos endinheirados nos últimos anos – afinal Chiltons, Pics e Van Der Gardes precisam ter saído de algum lugar –, o campeonato sequer consegue manter uma uniformidade entre as equipes. Já se tornou algo comum algum time desistir do certame por falta de dinheiro e vender a vaga a outro, sem qualquer experiência no desenvolvimento de pilotos, mas bancado por algum grupo investidor.

Se na F1 existem os pilotos pagantes, é possível traçar um paralelo e chamar esses times de ‘equipes pagantes’, pois só conseguem chegar ao certame de acesso por terem comprado uma vaga. E olha que estamos falando de uma categoria cujo principal objetivo deveria ser a formação de pilotos. Para garantir esse objetivo, desde que foi criada em 2005, a GP2 sempre teve critérios elevados para escolher seus times.

O campeonato foi montado para substituir a esvaziada F3000 e tinha como objetivo criar um campeonato de acesso que pudesse realmente preparar os pilotos para a F1. Para isso, o certame montado por Bruno Michel e Bernie Ecclestone abriu um processo de inscrição e selecionou 12 equipes vindas das mais distintas categorias. Eram, portanto, times preparados para trabalharem no desenvolvimento dos jovens pilotos.

Nelsinho Piquet veio com a Piquet/Hitech da F3 Inglesa (Foto: GP2)

Confira abaixo os 12 times que começaram na categoria e de onde vieram:

iSport: formado por Paul Jackson a partir do espólio da Petrobras Junior na F3000
Hitech/Piquet: união de duas equipes da F3 Inglesa
BCN: remanescente da F3000
Super Nova: também da F3000
ART Grand Prix: F3 Euro e F3 Francesa
David Price: experiência em diversas F3 e responsável por inscrever carros Panoz no endurance
Dams: esteve na F3000 até 2001 e correu no endurance
Coloni: F3000
Racing Engineering: F3 Espanhola
Campos: F3 Espanhola e World Series
Arden: F3000
Durango: F3000

Em 2006, a GP2 expandiu para 13 times, selecionando a Trident. Ao contrário das 12 equipes originais, a escuderia italiana não tinha uma maior experiência no esporte a motor. Na verdade, ela foi montada a partir de uma empresa que gerencia entretenimento e empresaria cantores como Eros Ramazotti e Laura Pausini. O cantor, aliás, chegou a ser patrocinador do time.

Antes da última crise econômica global, o grid da GP2 se manteve estável. Até 2011, foram poucas mudanças. A Hitech deixou a parceria com a Piquet, que se juntou à italiana GP Racing, comandada por Giancarlo Minardi. O time mudou de nome algumas vezes, sendo chamado de Piquet GP, Piquet Sport e finalmente Rapax, quando os italianos compraram a parte brasileira da escuderia.

A Coloni, por sua vez, virou FMSI, quando Giancarlo Fisichella assumiu o controle da equipe devido à chegada de um patrocinador. A presença do ex-piloto de F1 durou de 2006 a 2008, com a escuderia voltando ao nome original no ano seguinte. Quem também mudou de nome foi a Campos, que se tornou Addax, após Adrian Campos vender a parte que tinha nome para o sócio, Alejandro Agag, já de olho em uma inscrição para a F1.

Por fim, a BCN não conseguiu se arrastar na categoria e foi comprada pelo também ex-piloto Tiago Monteiro, que a rebatizou de Ocean.

A BCN virou Ocean (Foto: GP2)

De qualquer forma, tirando a Trident, as equipes que passaram pela GP2 até aí já estavam ligadas ao esporte. A situação, entretanto, mudou quando veio a crise econômica. Com a escalada de custos, era necessário que a organização da categoria se mexesse para garantir o futuro do trabalho com jovens e a sobrevivência dos times, certo?

Errado, aconteceu exatamente o oposto. Em 2011, a GP2 estreou um novo carro, o que consequentemente aumentou os custos do campeonato. No ano seguinte, a categoria expandiu o calendário, com corridas na Ásia, como Malásia, Abu Dhabi e Cingapura, fazendo com que as contas das equipes crescessem ainda mais, por causa de frete do equipamento e hospedagem de todos os integrantes.

Não é por acaso que a estabilidade de equipes, que durou da criação do campeonato até 2010, deixou de existir. Desde então, seis das 13 escuderias que compõem a GP2 já desistiram de tomar parte do certame.

As primeiras modificações vieram logo com a chegada dos novos carros. Naquela época, a organização do campeonato fez uma revisão da lista de inscritos, tirando a Durango – que já havia desistido de correr – e a David Price para a chegada da Carlin, megacampeã da F3 Inglesa, e da Air Asia, de Tony Fernandes.

No ano seguinte, foi a vez de a Super Nova, responsável por revelar nomes como Ricardo Zonta, Juan Pablo Montoya e Sébastien Bourdais, deixar o campeonato. Para o lugar veio a Lazarus, que competia há apenas três anos na AutoGP e conta com apoio venezuelano.

A Russian Time, de um investidor ucraniano, chegou à GP2 comprando a vaga da iSport (Foto: GP2)

A situação, porém, se descontrolou de vez neste ano. Desde o fim do campeonato passado, três equipes já abandonaram a GP2. A Coloni foi expulsa, enquanto Ocean e iSport fecharam as portas. Para o lugar do time italiano, a holandesa MP – cuja experiência continental se resumia apenas à AutoGP e à F-Renault Europeia – foi escolhida.

As últimas duas vagas sequer tiveram equipes interessadas. Elas foram compradas por grupos de investidores dispostos a entrar na categoria a partir da aquisição do espólio dos times fechados. A Ocean, por exemplo, vendeu a vaga para a Hilmer, equipe liderada pelo alemão Franz Hilmer, dono da Formtech, empresa fornecedora de diversas equipes da F1. Esse é o mesmo grupo que tentou se inscrever para a F1, em 2010, com o nome Brabham.

A gloriosa iSport também teve um destino que pouco fez jus às suas glórias. Sem dinheiro para continuar na GP2, Paul Jackson vendeu o time ao investidor ucraniano Igor Mazepa, um investidor aficionado pelo automobilismo, que a renomeou para Russian Time. A equipe até chegou a ter apoio da iSport nos treinos coletivos de Barcelona, mas a partir do início da temporada terá somente a estrutura da Motorpark Academy, equipe da F3 Alemã.

Com isso, do atual grid da GP2, a Trident é uma empresa de entretenimento, a Addax está mais preocupada com a nova Fórmula-E, a Caterham sofre dos mesmos males de um grande investidor – que pode enjoar a qualquer hora da brincadeira –, a Hilmer não tem experiência no automobilismo e veio de uma empresa fornecedora, enquanto a Russian Time é de um ucraniano também sem maior destaque no esporte. E é nesse contexto que os jovens pilotos estão sendo preparados.

Porém, há o outro lado na questão. A chegada de investidores diminui a ferocidade da luta pelos patrocínios. Basta ver o que aconteceu com a Russian Time. Sem precisar desembolsar um centavo, Tom Dillmann, que não tinha onde correr em 2013, foi contratado como titular da equipe, depois de se destacar nos treinos da pré-temporada, atendendo a um clamor vindo dos fãs. Assim, pilotos que já estavam pensando em abandonar a carreira por falta de dinheiro podem ter uma nova perspectiva no esporte.

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